19/06/2024 – 16h15
Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Sóstenes Cavalcante, autor do projeto
Um dos autores do projeto de lei que equipara aborto em gravidez acima de 22 semanas a homicídio, mesmo em caso de estupro, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) disse que o texto poderia ser alterado durante as discussões na Câmara (PL 1904/24). Entre as mudanças consideradas está o aumento da pena para estupradores e o apoio psicológico como única medida socioeducativa para adolescentes estupradas que abortam nessas condições. Segundo ele, a intenção é punir os médicos e outros agentes de saúde, e não as meninas..
Mas, para a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, Ana Pimentel (PT-MG), o projeto em nada contribui para melhorar a vida de meninas e mulheres. O Parlamento, segundo ela, deveria estar discutindo como reduzir os casos de estupro, e não aumentar a pena para o aborto nestes casos. Ela lembre-se que a maioria dos estupros no país acontece com meninas de até 13 anos, geralmente vítimas de familiares e conhecidos. Essas meninas ainda têm dificuldade em identificar a gravidez.
Os dois parlamentares foram ouvidos pelo Câmara de Rádio nesta quarta-feira (19).
Adiamento da discussão
Na terça-feira (18), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), informou que o projeto do aborto será debatido no segundo semestre, após a recesso parlamentarpor uma comissão com representantes de todas as partes.
Sóstenes Cavalcante e Ana Pimentel elogiaram a decisão de Lira. A presidente da Comissão da Mulher destacou, porém, que o adiamento foi resultado da mobilização da sociedade brasileira, especialmente das mulheres. Para ela, é importante debater legislação sobre o tema, já que o Código Penal é de 1940, mas no sentido de proteger a vida de mulheres e crianças.
Mário Agra/Câmara dos Deputados
A presidente da Comissão da Mulher, Ana Pimentel
Local de discussão
“Uma mulher que sofre estupro será mais criminalizada do que aquela que comete o estupro, que será colocada sob um regime de urgência na câmera? Os deputados precisam ser responsabilizados por essa perversidade, não podemos naturalizar esse tipo de debate público na nossa sociedade”, disse o deputado.
O autor do projeto destacou que a Câmara dos Deputados, com representantes eleitos pelo povo, é o espaço certo para debate e critica “partidos de esquerda” por levarem a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Este é o lugar para este debate”, defendeu Sóstenes. “Houve um entendimento no Colégio de Dirigentes de que o assunto seria um pouco mais pacífico, mas as feministas fizeram muito barulho, querem debater o assunto e nós não fuja do debate em nenhum momento”, disse.
Decisão do STF
Sóstenes Cavalcante afirmou que a apresentação do projeto foi motivada pela decisão do STF que suspendeu resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem a chamada assistolia fetal para interromper gravidez resultante de estupro após 22 semanas de gestação.
A técnica de assistolia fetal utiliza medicamentos para interromper os batimentos cardíacos fetais antes de ser retirado do útero e é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto legal acima de 22 semanas de gestação. A interrupção da gravidez não é crime no país em casos de estupro, risco à vida da mãe ou anencefalia fetal, isto é, malformação do cérebro fetal.
Controvérsia
“A OMS diz uma coisa, o CFM do Brasil diz outra. Sou brasileiro, estou no Conselho Federal de Medicina”, disse Sóstenes Cavalcante, que considera o procedimento cruel. O deputado acredita que a principal questão a ser debatida é se o feto de 22 semanas, ou cinco meses e meio, é um ser humano.
“Na minha avaliação, é um ser humano, porque a OMS diz que fora do útero materno ele poderá sobreviver, claro, com equipamento neonatal, até atingir a idade pulmonar madura”, afirmou. , se alguém matar esse ser humano, não sou eu que digo que isso é homicídio, é o Código Penal Brasileiro”, completou.
Contudo, a deputada Ana Pimentel, que é médica, disse que o A viabilidade de fetos de 22 semanas viverem fora do útero é rara. “Se fosse esse o caso, a gravidez duraria 22 semanas, e não 38 a 40 semanas”.
Sóstenes disse ainda que “queriam vitimizar a mulher no debate”, mas a proposta prevê que o juiz possa mitigar a pena da mulher. Ele acredita, por outro lado, que o médico ou agente de saúde que interrompe uma gravidez deve ser “punido exemplarmente”. “Meu foco é defender primeiro o bebê e punir quem faz esse aborto”, destacou.
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Mulher do movimento “Criança não é Mãe” protesta contra o PL 1904/24 na Câmara
Decisão técnica
Ana Pimentel destacou que, em nota publicada ontem, o A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo) afirmou que a resolução do CFM que proíbe a assistolia fetal é antiética e diverge das recomendações da OMS, que é contra a imposição de prazos para o aborto legal.
O deputado afirmou que há ideologização e politização de um procedimento técnico, que é o melhor para estes casos. “Se a assistolia fetal for evitada no Brasil, na prática o procedimento de interrupção da gravidez após 22 semanas ficará inviabilizado”, argumentou. “Não creio que seja nosso papel parlamentar legislar sobre tipos de procedimentos técnicos, é isso que a ciência precisa de fazer”, acrescentou.
“A ciência já estabeleceu isto: que antes da 29ª semana [de gravidez] não podemos falar de sofrimento fetal”, acrescentou.
Arquivamento de projetos
Os manifestantes, em sua maioria mulheres, se reuniram em frente a uma das entradas da Câmara dos Deputados para protestar contra o projeto.
O protesto foi organizado pelo movimento da sociedade civil Criança Não é Mãe, composto majoritariamente por entidades feministas, e pede o arquivamento do projeto.
A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) participou do protesto e endossa o pedido. Ela apresentou, junto com a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), pedido nesse sentido à Mesa Diretora da Câmara. Para os deputados, o PL 1904/24 viola os direitos constitucionais à vida, à igualdade e à não discriminação. O argumento é que o projeto “impõe distinções entre pessoas que têm igual direito ao aborto legal e devem receber a mesma atenção para a efetivação desse direito, dependendo das particularidades de seus casos”.
Argumentam ainda que a proposta viola a proibição constitucional da tortura e do tratamento desumano e degradante. “O projeto leva as vítimas de estupro a um cenário de manutenção compulsória dessas gestações, violando diretamente o direito constitucional dessas vítimas de não serem submetidas a
tortura ou tratamento cruel e desumano”, afirmam.
Relatório – Lara Haje
Edição – Natalia Doederlein
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