18/06/2024 – 19:25
Mário Agra/Câmara dos Deputados
Benedita da Silva: “Não podemos transformar vítimas em criminosos”
Vários deputados falaram nesta terça-feira (18) sobre o projeto que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. A maioria dos parlamentares se manifestou contra o texto.
A urgência do Projeto de Lei 1.904/24 foi aprovada na última quarta-feira (12) em voto simbólico no Plenário da Câmara dos Deputados. Após a votação, houve muitas críticas ao texto e protestos ocorreram em diversas cidades. O presidente Lula classificou o projeto como “loucura”.
A deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) afirmou que a proposta “dói muito” porque ela já sofreu dois abortos. “Alguém nesta Câmara, além das mulheres, tem alguma ideia de como é para uma mulher fazer um aborto? O maior castigo que uma mulher pode receber é ter que fazer um aborto”, declarou ela.
Segundo ela, a Câmara não deveria votar o texto, mas sim encontrar a melhor forma de salvar as mulheres de qualquer tipo de violência que possam sofrer. “Você acha que o pai que a estuprou, o tio que a estuprou vai levá-la ao hospital para fazer o corpus delicti?”, questionou.
Para a deputada Erika Hilton (Psol-SP), a proposta pune mulheres, meninas e pessoas que estejam grávidas. “Este projeto é uma zombaria, uma barbárie, um retrocesso que leiloa os direitos das pessoas vulneráveis”, disse ela. Segundo ela, muitos parlamentares são hipócritas quando dizem que defendem a vida humana, mas não estão preocupados com a vida de crianças de 8 a 10 anos, que terão que realizar gestações resultantes de violência e estupro.
Saúde
A coordenadora-geral da Secretaria da Mulher da Câmara, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), defendeu o debate sobre a perspectiva da saúde. “Precisamos considerar a promoção de medidas e políticas para prevenir a gravidez na adolescência, o planeamento familiar e combater o abuso sexual e a violação”, disse ela.
Segundo ela, o debate precisa ser aprofundado com todas as camadas que cercam o assunto, mantendo um olhar atento à vida e à saúde das mulheres e meninas vítimas de violência. “Não podemos transformar vítimas em criminosos”, disse ela.
Dados do Mapa Nacional da Violência de Gênero, do Senado Federal, indicam que o número de agressões sexuais no Brasil subiu 25% de 2021 para 2022. A maioria das vítimas eram negras e pardas e crianças e adolescentes. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima-se que ocorram 822 mil casos de estupro no país por ano. Desse total, apenas 8,5% chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde. Os dados foram citados por Benedita da Silva.
Segundo o Relatório Socioeconômico da Mulher 2022, citado pelo deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), uma mulher é estuprada no Brasil a cada 8 minutos e ocorrem mais 156 estupros de pessoas vulneráveis por dia, de crianças e adolescentes. Para Vieira, a proposta que foi aprovada com urgência pela Câmara “é indizível, absurda e insensível”. “Qual o limite do fundamentalismo religioso? Até onde pode ir esta moral desligada da realidade, que é capaz de salvar dogmas abstratos e ao mesmo tempo condenar mulheres e meninas?”, questionou.
Mobilização
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) citou um manifesto que será lançado nesta quarta-feira (19) por mulheres cristãs pedindo o arquivamento da proposta. “Essa mobilização legítima e contundente liderada por mulheres pede ao Congresso Nacional que pare de votar questões que criminalizam mulheres, adolescentes e meninas”.
O deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) afirmou que a proposta coloca as mulheres no banco dos réus. “As mulheres que recorreram às redes sociais impuseram uma derrota ao conservadorismo. Exigimos que a lei de 1940 seja mantida e que a agenda das bombas seja removida”, disse ele.
O deputado Welter (PT-PR) afirmou que a Câmara cometeu um grande erro com as mulheres ao votar a urgência da proposta que, segundo ele, “faz os estupradores de bobos”. “Quero parabenizar as mulheres brasileiras que se mobilizaram contra esse absurdo”, declarou.
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) considerou que não há urgência nesse projeto para melhorar a vida do povo brasileiro. “Principalmente mulheres e crianças? É zero!” ele afirmou.
Para o deputado Tadeu Veneri (PT-PR), a votação da proposta poderia ter o intuito de “colocar o presidente Lula contra a parede”, para ver se ele a veta ou não. “Não vamos apenas votar contra, vamos fazer todos os esforços para que projetos como este tenham pelo menos debate nas comissões, mas ninguém discutiu, não houve audiência pública, nenhuma mulher foi ouvida”.
A favor
Segundo o autor do pedido urgente do projeto, deputado Eli Borges (PL-TO), a melhor opção seria retirar o feto de 22 semanas de vida e entregá-lo para adoção. “Então sim, eu preservo a vida da mãe e do bebê. É fato conhecido na psicologia que a mãe que permite o aborto sofre traumas para o resto da vida.”
O deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) afirmou que a proposta busca garantir a viabilidade de vida aos fetos após as 22 semanas de gestação, pois já estão viáveis para nascer. “A esquerda quer que as crianças sejam mortas dentro do ventre das mães. Pensamos na vida, queremos a vida e não a morte”, disse ele.
Segundo o deputado Delegado Palumbo (MDB-SP), muitas críticas são baseadas em mentiras sobre o texto. Ele afirmou que, pela proposta, o juiz poderá mitigar a pena, dependendo das circunstâncias individuais de cada caso, ou até mesmo deixar de aplicá-la. “Por exemplo, uma criança que não sabe que está grávida, uma senhora obesa que não sabe que está grávida, não aplica a pena. [os críticos] eles mentem, jogam sujo, porque são abortistas”, disse ele.
O deputado Roberto Duarte (Republicanos-AC) defendeu a proposta e afirmou que o texto não está fechado e pode sofrer alterações. “Aqueles que se sentem incomodados em equiparar o aborto após a 22ª semana ao homicídio podem apresentar emendas que mitiguem e excluam a ilegalidade em casos de estupro”, afirmou.
A deputada Julia Zanatta (PL-SC) criticou fala do presidente Lula que, em entrevista à Rádio CBN nesta terça-feira (18), usou a frase “Que monstro vai sair do ventre dessa menina?”, em relação a uma menina estuprada do que engravidar. Para o deputado, o discurso de Lula “desumaniza os bebês resultantes de estupro e estabelece que a genética é fator determinante na criminalidade”.
Reportagem – Tiago Miranda
Montagem – Pierre Triboli
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