“Estamos institucionalizando a barbárie. Estamos deixando cada um agir com sua energia, na medida de suas possibilidades para lidar com uma situação criminal e que o Estado brasileiro se recusa a considerar”, acrescenta a advogada Juliana Ribeiro Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pela FBSP, registra que 56,8% das vítimas de estupro (adultas e vulneráveis) em 2022 eram negras ou pardas; 42,3% das vítimas eram brancas; 0,5% indígena; e 0,4% amarelo. A pesquisadora destaca o perfil racial e social do PL e considera que quem tiver condições de pagar por procedimentos de aborto seguro, no exterior ou mesmo clandestinamente no Brasil, “não mudará nada”.
Aberração legal
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos de crianças e jovens, considera o PL 1.904/2024 “uma verdadeira aberração jurídica”.
Na sua opinião, o Brasil precisa “melhorar a assistência social, psicológica, policial, judicial e de saúde para mulheres e meninas grávidas em consequência de estupro, e também para mulheres grávidas com vidas em risco ou grávidas de fetos anencefálicos”.
Ele acrescenta que meninas e mulheres vítimas de estupro “não demoram a se submeter ao procedimento por mero capricho”. As vítimas podem demorar mais tempo a submeter-se aos procedimentos de aborto previstos na lei para além da 20ª semana de gravidez “por serem submetidas, ameaçadas e constrangidas pelos seus agressores, e pela burocracia dos serviços de saúde, policiais e judiciais, e também por questões morais e oposição religiosa de alguns profissionais públicos e privados e de suas próprias famílias.”
Para Jolúzia Batista, coordenadora política do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), o “Projeto de Lei 1.904/2024 é uma tragédia”, e ganhou status de proposição que deve tramitar com urgência, após votação simbólica no Plenário do a Câmara dos Deputados. Deputados, devido a “um contexto político e eleitoral”, disse referindo-se às eleições autárquicas de outubro e à sucessão do Conselho Diretivo da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2025.
Voto simbólico
A decisão de acelerar o processamento é atribuída ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em depoimento à Agência Câmara, Lira disse que o voto simbólico foi acertado por todas as lideranças partidárias durante reunião nesta quarta-feira (12). Em regime emergencial, o projeto é votado diretamente no plenário, sem passar por debates nas comissões da Câmara.
“A manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao colocar o PL em regime de votação emergencial é vergonhosa e um golpe contra os direitos das mulheres, das crianças e dos adolescentes. , Lira desrespeita os direitos das crianças e das mulheres”, critica o movimento Me Too Brasil, organização que atua contra o assédio e o abuso sexual.
Em 2022, de cada quatro estupros, três foram cometidos contra pessoas “incapazes de consentir, seja pela idade (menores de 14 anos), seja por qualquer outro motivo (deficiência, doença, etc.)”, segundo publicação pelo FBSP, em 2023.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são denunciados à polícia. A projeção do instituto é que, de fato, sejam 822 mil casos anuais.
Se fosse mantida a proporção de três quartos dos casos registrados em delegacias, o Brasil teria mais de 616 mil casos de pessoas vulneráveis por ano.
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