BRASÍLIA DF – O Ministério da Justiça e a Polícia Federal defenderam no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (6/11) que órgãos de inteligência sejam impedidos de utilizar equipamentos espiões com capacidade de entrar em celulares e monitorar locais.
Sistemas intrusivos só devem ser utilizados para investigações criminais e após aprovação do Tribunal, na avaliação dos órgãos.
Representantes dos departamentos participaram de audiência organizada pelo ministro Cristiano Zanin, relator da ação que pede o estabelecimento de critérios mínimos para utilização de software espião pelo Estado.
As discussões ganharam corpo após uma operação da Polícia Federal revelar detalhes do uso ilegal do sistema FirstMile por integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar a localização de políticos, jornalistas e opositores.
O diretor de Inteligência Policial, Rodrigo Morais, afirmou que a PF entende que a legislação brasileira não permite a utilização de sistemas de espionagem para atividades de inteligência.
“Não posso interceptar pessoas, não posso ter acesso a dados telemáticos, não posso nem fazer infiltrações, escutas ambientais, nem com ordem judicial prévia, porque não há autorização legal para isso”, disse Morais.
Para ele, sistemas como FirstMile e Pegasus – softwares que permitem acesso remoto ao celular alvo sem que o proprietário saiba – são importantes para a atividade de investigação policial.
“Entendo que a funcionalidade do Pegasus é essencial para fins de segurança pública […]. Ter acesso a ferramentas que possibilitem esse tipo de intrusão durante as investigações, logicamente com prévia autorização judicial e nos casos que a lei permite, seria um avanço”, afirmou.
O risco, na visão de Morais, é que o software se baseie em fragilidades das redes de comunicação do Brasil. A FirstMile, por exemplo, aproveita uma brecha no protocolo de telecomunicações para acessar localizações de telefones celulares.
Caso a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não corrija as vulnerabilidades, o software poderá ser usado no Brasil para espionar outros países.
“A gravidade disso é tão grande que é possível dizer, em tese, que a infraestrutura telefônica brasileira poderia ser utilizada para espionagem internacional, porque posso, através desses aparelhos, interceptar qualquer telefone no mundo inteiro”, afirmou.
A secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Lilian Cintra, quer que o Supremo proíba agências de inteligência de adquirirem equipamentos de espionagem intrusivos.
“Inteligência se cria com dados abertos. Mecanismos de controle interno e externo, bem como rastreabilidade, são pré-requisitos para tecnologias investigativas. Inteligência não deve ser confundida com práticas de vigilantismo e espionagem”, disse Cintra.
Posição semelhante foi defendida por pesquisadores e representantes de organismos internacionais.
Membro do Conselho Consultivo de Alto Nível para Inteligência Artificial da ONU, a advogada Estela Aranha defendeu que o uso de spyware (sistemas maliciosos usados para espionar celulares e coletar dados pessoais) seja proibido no Brasil, até mesmo para investigações policiais.
O spyware funciona como um vírus que infecta seu celular ou computador e rouba dados pessoais. Este é o caso de Pégaso. Sistemas como o FirstMile coletam informações sem invadir o dispositivo eletrônico e, na visão de Aranha, não deveriam necessariamente ser proibidos para uso policial.
“Existem outros meios para que uma investigação criminal seja realizada com todas as garantias necessárias, rastreabilidade, supervisão e confiança nos sistemas informáticos. A minha abordagem é neste sentido: proibir a utilização de spyware, incluindo a possibilidade de criminalizar essa utilização”, disse Aranha.
Os representantes das Forças Armadas foram os únicos a se posicionar contra o veto aos sistemas de espionagem para inteligência. Afirmam que a utilização de software intrusivo pode ajudar a localizar vítimas e identificar riscos para a soberania nacional.
O tenente-coronel André Luiz Corrêa, da Aeronáutica, afirmou que uma ferramenta semelhante ao FirstMile permitiu o rastreamento de celulares em missões de busca de pessoas desaparecidas no Rio Grande do Sul.
Quase 50 pessoas foram salvas das enchentes após serem localizadas por sistemas de inteligência.
“O estabelecimento de barreiras, mesmo que temporárias, pode comprometer a eficácia das missões constitucionais das Forças Armadas, além de prejudicar as missões de busca e salvamento”, disse.
A audiência foi convocada por Zanin para que órgãos públicos e representantes da sociedade civil apresentem argumentos para a instrução de atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR), da qual o ministro é relator.
O Ministério Público pede ao Supremo Tribunal que estabeleça como regra que todos os organismos públicos apresentem um pedido ao Tribunal antes de utilizarem equipamento de espionagem para fins de investigação criminal ou de inteligência.
A regra, se seguida, vale até que o Congresso Nacional aprove uma lei específica sobre o uso desse tipo de software.
“A omissão legislativa fragiliza o regime constitucional de proteção da intimidade, da vida privada e da inviolabilidade do sigilo das comunicações pessoais, com contínua e potencial lesão aos direitos fundamentais de um número significativo de cidadãos”, afirmou a ex-procuradora-geral interina Elizeta Ramos em ação.
Zanin convidou as empresas NSO Group (dona da Pegasus) e Cognyte (dona da FirstMile e GI2) para participarem da audiência, mas elas não enviaram representantes.
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