O Brasil adota uma postura de extrema cautela em relação ao novo governo do presidente americano Donald Trump, que toma posse nesta segunda-feira, 20. Há expectativa em relação às primeiras medidas de Trump. Prudentemente, a diplomacia brasileira evitou manifestações sobre o assunto nas últimas semanas. O conselho é esperar e ver o que acontece.
O Itamaraty recebeu convite formal para designar os representantes oficiais do governo brasileiro na cerimônia de posse. Quem representará o Brasil será a embaixadora nos Estados Unidos, Maria Luiza Viotti. Os Estados Unidos costumam convidar apenas embaixadores para a posse, embora desta vez Trump tenha aberto exceções para alguns chefes de Estado, como Javier Milei, da Argentina.
Como o presidente Lula e o novo presidente americano não são figuras que atuam no mesmo espectro político – na verdade, são antagônicos –, não havia muitas expectativas quanto a um possível convite para a posse. Os assessores de Lula, em conversas privadas, consideraram um alívio o convite não ter chegado, evitando assim a necessidade de uma resposta oficial sobre a ida ou não de Lula.
Frente econômica
Na área comercial, há expectativas de que Trump, conhecido por ser protecionista, possa sobretaxar produtos brasileiros, como aço e alumínio. Isso mesmo considerando o fato de que o Brasil não é exatamente uma ameaça para a indústria americana – na verdade, o país tem um déficit na balança comercial com os Estados Unidos, que hoje é de US$ 253 milhões.
Contudo, isso não significa que para o lado brasileiro o mercado americano não seja relevante. Os Estados Unidos são o segundo país que mais comprou produtos do Brasil em 2024, perdendo apenas para a China. As vendas brasileiras totalizaram US$ 40,3 bilhões, representando um aumento de 9,2% em relação a 2023.
Em seu primeiro governo, de 2017 a 2021, Trump provocou uma guerra comercial com a China, que afetou também os produtos brasileiros. Ele rompeu com organizações multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde, e construiu um muro na fronteira com o México para impedir a entrada de imigrantes ilegais.
Identificado com a extrema direita, Trump, personalista e polêmico, difundiu uma agenda conservadora que conquistou seguidores em todo o mundo. Ele foi modelo na política para o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu fã e admirador, que agora teve seu pedido de liberação do passaporte para participar da cerimônia de posse negado pelo Supremo Tribunal Federal.
Fora de foco
Embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, Rubens Barbosa acredita que, logo no início do governo Trump, não deveria haver medidas que afetassem diretamente o Brasil. Para ele, na área comercial, por exemplo, os Estados Unidos estarão mais focados em países que tenham superávit na balança comercial com os americanos, como Canadá, México e parte da Europa.
Na avaliação de Barbosa, a postura cautelosa do Brasil neste momento é correta. “O Brasil tem que ficar quieto para ver o que vai acontecer. Você não precisa fazer nada. O mundo inteiro aguarda as primeiras medidas que ele (Trump) anunciará. Acho que ele está entrando agora em um momento diferente do de quatro anos atrás, pois está mais experiente, porque já estava no governo.”
O embaixador salienta a necessidade de separar a relação entre os dois presidentes e como deveria ser a relação entre os dois países. “A importância que os Estados Unidos tendem a dar ao Brasil é praticamente nula. Você vê que Marco Rubio (escolhido por Trump para ser o novo secretário de Estado) deu um depoimento lá no Senado americano, passou quatro horas falando sobre os principais aspectos da política americana e não falou do Brasil. Então, o Brasil não está no centro da preocupação americana”, afirma Barbosa.
“A relação entre presidentes não existirá, mas entre estados continuará normalmente porque o comércio bilateral está a crescer. Há muito entendimento ao nível das empresas, das instituições e isso vai continuar”, acrescenta.
O ex-chefe da embaixada brasileira em Washington acredita, porém, que haverá consequências negativas para o Brasil, principalmente por razões ideológicas e de política interna brasileira. “Acredito que Marco Rubio formará uma coalizão de governos de direita, para pressionar governos de esquerda, começando por Cuba, Venezuela e Nicarágua, e o Brasil se juntará a isso”, prevê.
Um exemplo de questão política interna com potencial para gerar disputas é a recusa do STF em liberar o passaporte de Bolsonaro para participar da posse em Washington. Figuras ilustres do bolsonarismo, como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o 3º filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) viajaram para a capital americana e, desde o final de semana, vêm se esforçando para reforçar ali a ideia de que o ex-presidente estava sendo perseguido no Brasil.
“Com essa recusa do passaporte do Bolsonaro, acho que vai ter consequências na política externa, sim. Outras medidas virão como aquela acusação de ditadura do Judiciário, de que o Brasil não é um país livre. Tudo isso vai voltar”, continua Rubens Barbosa.
Tensão permanente
O cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), vê a nova gestão Trump como um foco de tensão constante. “Será um governo de tensão, porque é o governo de restaurar o velho sonho americano de dominar o mundo, de ser a referência para o mundo e de ser o guardião do mundo baseado nos interesses americanos. Então, será uma tensão constante.”
Teixeira observa que Trump e Lula tendem a operar em campos completamente opostos. “Desse aspecto, os Estados Unidos terão a Argentina como aliada para a implementação de um projeto mais liberal.”
O cientista político não acredita, porém, em medidas retaliatórias contra o Brasil. “Estamos falando de relações diplomáticas, via de regra, entre países. Acho que as regras deveriam prevalecer e Trump também não desperdiça dinheiro. Ele não adotará medidas que de alguma forma tenham pouco impacto nos Estados Unidos.”
Ao contrário de Rubens Barbosa, Teixeira não acredita que a decisão do STF de não liberar Bolsonaro para tomar posse não deva ter consequências. Ele também não acredita que o fato de Trump estar na Casa Branca possa contribuir para a reabilitação de Bolsonaro, atualmente inelegível por decisão do Judiciário.
“Não acredito que esse assunto será levado adiante. Não acredito nisso, por mais que o Bolsonaroismo coloque na conta de Trump e na conta do seu mandato essa esperança de restabelecer a elegibilidade de Bolsonaro e até tentar conter decisões de Alexandre Moraes que poderiam impactar negativamente o grupo”, diz o professor .
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