LISBOA, PORTUGAL – O debate sobre a concessão de praias e terrenos costeiros ao sector privado está em ascensão em vários pontos do mundo, acompanhando o apetite dos investidores pela exploração de zonas costeiras normalmente valiosas. No Brasil, a PEC das Praias ganhou destaque na semana passada.
Embora a maioria dos países europeus não venda terrenos nas suas praias, diferentes modelos de concessão de exploração são uma realidade no continente.
Com alguns dos destinos balneares mais badalados no verão europeu, a Itália possui grandes áreas de terreno cedidas a particulares. Segundo a lei italiana, os espaços costeiros são públicos, mas as autoridades locais podem permitir que empresas e particulares explorem vários serviços, como bares, restaurantes, parques de campismo e discotecas.
Normalmente, quem opera comercialmente nestes locais precisa de pagar uma compensação, como o pagamento de uma taxa anual e a instalação de infra-estruturas de higiene e segurança, além de pagar pelos serviços de salva-vidas.
Moradores e turistas reclamam que, em algumas das principais praias do Mediterrâneo italiano, as faixas de área pública são cada vez mais estreitas.
Um relatório publicado pela organização não governamental Legambiente, que compilou registos oficiais e imagens de satélite, estima que mais de 42,8% das zonas costeiras baixas estão sob concessão no país. Na região da Emilia-Romagna, esta percentagem é de quase 70%.
“Estas concessões foram renovadas há tanto tempo que quase se tornou senso comum que estas praias foram privatizadas”, disse ao jornal Folha de S.Paulo a responsável pela edição do documento, Gabriele Nanni, gerente de projetos do departamento científico da organização. Ele destaca que muitos dos negócios são administrados pelas mesmas famílias há vários anos.
Uma das principais reclamações em relação a esse modelo é a falta de transparência nos processos de concessão. Nos últimos anos, o governo italiano tem estado na mira da União Europeia precisamente por causa disto: uma possível violação das regras de concorrência na exploração de bens escassos.
“Diferentes governos têm adiado a mudança do sistema, ampliando as concessões existentes”, afirma Nanni. Embora o governo de Giorgia Meloni tenha sido favorável às prorrogações, a Justiça italiana decidiu que as concessões expiraram em 31 de dezembro de 2023, devendo portanto haver novos processos seletivos.
Apesar disso, a maioria das concessionárias continua operando normalmente. “Como tudo em Itália, existem diferenças entre os governos regionais”, diz Nanni. Ele cita como bom exemplo a região do Vêneto, que já tem projetos em andamento para rever os arranjos em uma competição transparente. Noutras zonas do país, há autoridades locais que insistem em tentativas de extensão.
“Essa é uma questão que sempre existiu, mas as pessoas estão mais conscientes porque as áreas concedidas aumentaram muito nos últimos anos”. Entre 2018 e 2021, dados mais recentes disponíveis, as concessões nas praias italianas cresceram 12,5%.
As organizações de protecção do ambiente e muitos especialistas em planeamento urbano não apelam ao fim total do modelo de exploração privada, mas defendem o estabelecimento de limites às áreas ocupadas, maior transparência nos concursos de selecção e a exigência de compensações de protecção ecológica nas zonas costeiras, que são altamente vulnerável. aos efeitos das alterações climáticas.
O descontentamento popular, combinado com desafios legais, levou a alguns protestos. Às vésperas do início do verão europeu, o grupo Mare Libre (mar livre, em tradução literal), tem realizado uma espécie de “toalha” nas praias.
Com o argumento de que as concessões expiraram e as praias são, portanto, públicas, os ativistas entram sem pagar e estendem as toalhas entre espreguiçadeiras e guarda-sóis em áreas cedidas à iniciativa privada, onde passar um dia à beira-mar pode ultrapassar os 100 euros (R$ 576) por pessoa.
Situação nas Américas
Nos Estados Unidos, embora oficialmente todas as áreas costeiras devam ter pelo menos um espaço reservado para uso público, a situação, como quase tudo no país, varia de estado para estado, com leis que podem ser complexas para os banhistas interpretarem.
Em Rhode Island, por exemplo, o acesso público às areias é permitido até um limite de 3 metros acima da maré alta. As praias, porém, como era de se esperar, não possuem essas áreas demarcadas.
Em entrevista à revista The Atlantic, Josh Eagle, professor de Direito da Universidade da Carolina do Sul e estudante do acesso às praias nos EUA, chamou o sistema americano de “um pouco maluco”, devido à quantidade e às especificidades das regras locais. .
Uma das reclamações mais comuns entre os visitantes americanos são as dificuldades de acesso às áreas públicas. Há também desrespeito às já complexas leis sobre o tema. Em áreas valorizadas do litoral de Nova York, é comum que proprietários de casas à beira-mar tentem bloquear o acesso de pessoas de fora, eliminando opções de estacionamento.
Em Nova Jersey, algumas áreas com concessões privadas cobram taxas de entrada apenas para permitir que os visitantes passem pelos pontos de entrada mais convenientes e próximos às opções de transporte. Quem não quer gastar dinheiro precisa dar uma volta e usar os pontos de acesso mais distantes.
Entre os americanos, porém, há um grande contingente de visitantes que procuram áreas de praia congestionadas, principalmente por comodidades como banheiros, duchas e opções de compras e restaurantes.
No país também existem praias públicas com entrada para visitantes. A prática justifica-se como forma de financiar os elevados custos de manutenção de estruturas para banhistas, incluindo limpeza e contratação de salva-vidas.
Nas Caraíbas, a privatização de grandes extensões costeiras, incluindo direitos de construção e utilização turística das areias, é generalizada. Com a economia local altamente dependente do turismo, muitos governos da região utilizam estas práticas para atrair investimento estrangeiro, com o objectivo declarado de gerar empregos.
Mesmo quando não há venda ou cessão formal de propriedades, os acordos normalmente incluem a permissão de longos períodos – que podem exceder 90 anos – de exploração de áreas costeiras.
Nas Bahamas, as alterações legislativas em 2018 permitiram arrendamentos de muito longo prazo a investidores privados.
Na Jamaica, apesar dos protestos dos residentes de que novos empreendimentos hoteleiros iriam restringir o acesso público à costa, o governo deu luz verde a estes investimentos.
Num artigo de opinião no Guardian, o analista de assuntos caribenhos Kenneth Mohammed criticou esta posição. “Imóveis de alto valor, terras protegidas e recursos valiosos estão sendo entregues sem levar em conta as consequências a longo prazo. Isto levanta questões sobre se os resquícios da mentalidade colonial ainda prevalecem nas ideologias políticas e na tomada de decisões.”
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