Jair Bolsonaro é um político que tem flertado constantemente com processos judiciais, seja por ameaças a adversários e ataques às instituições e à democracia, seja por defender teses e medidas polêmicas —ou mesmo pelo silêncio— na pandemia de covid-19. Para se defender, o ex-presidente quase sempre recorreu a pessoas que pertenciam ao seu círculo de confiança. O membro mais próximo da família é Frederick Wassef, também conhecido como Anjo, como Fabrício Queiroz, pivô do famoso caso das rachadinhas, se referia a ele no período em que se escondeu na casa de Wassef em Atibaia, interior de São Paulo . . Agora, prestes a enfrentar o julgamento mais difícil de sua vida —a acusação de conspiração contra a ordem democrática, que pode levá-lo à prisão—, Bolsonaro aceitou sugestões de quem o cercava para reforçar a equipe com pessoas de fora, escolhendo um dos estrelas do mundo jurídico do país. A mudança de rumo resultou na recente contratação de um dos principais advogados criminais do país, Celso Sanchez Vilardi.
Mestre em direito processual penal pela PUC e professor da FGV-SP, o profissional também chama a atenção pelo seu histórico de clientes, que, ironicamente, inclui grandes nomes do PT, como o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Hoje Vilardi cuida do caso Americanas, uma das maiores fraudes fiscais da história. Discreto, o advogado tem boa reputação entre os ministros do STF, um trunfo que pode ajudar a baixar a temperatura do clima de guerrilha do ex-presidente com a Corte e com o ministro Alexandre de Moraes. Esse comportamento ajuda a inflamar o público Bolsonaro, mas só complica ainda mais o trabalho da defesa. O novo cliente deu sinais de que seguirá rigorosamente as recomendações de Vilardi, o que representaria um novo desenvolvimento na história de comportamento inconstante e imprevisível do capitão.
Sem desperdiçar energia em belicismos desnecessários, a prioridade será libertar o antigo presidente do banco dos réus e, se isso falhar, pelo menos evitar uma condenação pesada. A estratégia de Vilardi será atacar o que a defesa considera falhas na investigação conduzida pela Polícia Federal, que indiciou Bolsonaro e outras 39 pessoas, a maioria ex-assessores de seu governo, pelos crimes de abolição violenta do regime democrático de lei, golpe de estado e organização criminosa. O principal ponto a ser questionado é o apelo assinado pelo ex-ajudante de campo de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cesar Cid, peça central do processo. Vilardi tentará comprovar que as declarações formam um conjunto de acusações baseadas apenas na palavra do assessor, sem provas. O provável caso de ir à Primeira Turma do STF, que tem Moraes como presidente e outros quatro ministros próximos a ele, e não ao plenário (onde são onze membros), também deverá ser explorado pela defesa. No plenário, há maiores chances de os defensores conseguirem alguma divergência significativa entre os ministros sobre o caso.
Antes da chegada de Vilardi, quem liderava a defesa do ex-presidente era Paulo Cunha Bueno, que foi alvo de críticas dos círculos de Bolsonaro após uma entrevista em que argumentou que, segundo relatório da PF, Bolsonaro não se beneficiaria com o golpe. articulada pelo grupo de militares. A tese do “golpe dentro do golpe” desagradou o capitão e um dos principais envolvidos na trama, o ex-ministro Walter Braga Netto, preso desde dezembro. Cunha Bueno continua na equipe de advogados, mas Vilardi agora fica no comando.
Segundo pessoas próximas a Bolsonaro, Vilardi teria sido recomendado ao ex-presidente por outro criminalista de primeira linha, José Luis Oliveira Lima, que pouco antes havia assumido a defesa de Braga Netto. “Somos apenas velhos conhecidos”, diz Lima, referindo-se ao colega. Entre outros clientes, Lima defendeu o ex-ministro José Dirceu no mensalão e o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, na Lava-Jato. Uma de suas frentes também será tentar deslegitimar a denúncia de Mauro Cid. “Não abrirei mão de nenhum recurso de defesa que possa beneficiar meu cliente. Aos ministros do STF, minha reverência e respeito. Mas essa acusação é um escárnio”, disse Lima a VEJA.
Novos advogados estão correndo contra o tempo. A possível acusação contra Bolsonaro e Braga Netto está nas mãos do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que poderá decidir nos próximos dias. Na quarta-feira, 15, ele se manifestou contra a intenção do ex-presidente de viajar aos EUA para a posse de Donald Trump —Moraes posteriormente negou o pedido. As complicações de Bolsonaro com a Justiça lhe renderam diversas condenações – desde um plano de explodir bombas em quartéis quando estava no Exército, na década de 1980, até crimes eleitorais que levaram à sua inelegibilidade e à sua saída, por enquanto, da corrida presidencial em 2026. Agora, se for condenado pelo golpe, poderá pegar até 28 anos de prisão. O sinal de alerta disparou fortemente com a prisão de Braga Netto. Com a defesa reforçada por alguns dos melhores advogados criminais da área, ambos deverão responder em breve às graves acusações no Supremo Tribunal Federal. Não será um trabalho fácil para Vilardi e Lima.
Publicado em VEJA em 17 de janeiro de 2025, edição nº. 2927
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