Ministro da Defesa de Lula recorreu a Bolsonaro para ser recebido por comandantes militares e divergiu do então ministro da Justiça Flávio Dino sobre acampamentos golpistas

Ministro da Defesa de Lula recorreu a Bolsonaro para ser recebido por comandantes militares e divergiu do então ministro da Justiça Flávio Dino sobre acampamentos golpistas


Com a vitória de Lula, os aliados começaram a quebrar a cabeça para escolher o novo ministro da Defesa. (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Uma das principais interlocutoras da esquerda nas Forças Armadas, a então deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) usou a amizade com o comandante da Marinha, Almir Garnier, para tentar evitar que ele quebrasse uma tradição centenária e não repassasse o posição ao seu sucessor. A conversa com o almirante, ocorrida nos últimos dias de 2022, porém, terminou com insultos e insultos ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

O episódio ilustra o clima dos 61 dias de espera pela posse do petista, enquanto um grupo com a participação de militares, segundo investigações da Polícia Federal, preparava um golpe para manter Jair Bolsonaro no poder. O período também foi marcado por embates dentro da futura equipe governamental sobre como lidar com os acampamentos montados em frente ao quartel e com a segurança do presidente eleito.

Os assessores de Lula que participaram da transição dizem que só perceberam o risco exato que o presidente corria à medida que as investigações da PF avançavam ao longo deste ano. O dia 15 de dezembro, por exemplo, passou despercebido. Naquela data, as investigações apontaram que havia um plano para matar o petista, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Desde o fim do primeiro turno das eleições, havia preocupação entre os petistas com a situação das Forças Armadas. Reuniões entre Perpétua, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e os ex-ministros da Defesa dos governos petistas Celso Amorim e Nelson Jobim aconteceram em São Paulo para discutir o assunto. O diagnóstico foi que havia maioria bolsonarista na tropa.

Com a vitória de Lula, os aliados começaram a quebrar a cabeça para escolher o novo ministro da Defesa. Militares consultados queriam Aldo Rebelo, que ocupou o cargo no segundo mandato de Dilma Rousseff, mas já havia iniciado seu movimento de afastamento de Lula e da esquerda. Citado pela imprensa, Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal, enfrentou forte resistência nos comandos militares justamente por fazer parte do Tribunal.

Perpétua sugeriu então o nome de José Mucio Monteiro. Além de ter feito carreira política em partidos de direita, teve uma amizade com Bolsonaro desde a época em que eram deputados federais juntos, o que seria importante naquela época. Anunciado na primeira leva de ministros, no dia 9 de dezembro, Múcio passou a buscar conversações com comandantes militares. Mas durante dias foi solenemente ignorado.

Sem outra alternativa, concluiu que precisaria recorrer a Bolsonaro. Sua esposa o avisou que, para evitar fofocas, era prudente informar Lula sobre sua intenção. “Faça o que você acha que deveria fazer. Você nem falou comigo sobre isso”, respondeu Lula, lavando as mãos.

Mucio foi para o Alvorada, onde Bolsonaro se refugiou após a derrota eleitoral. O então presidente se ofereceu para ajudar e imediatamente ligou para os comandantes com instruções para que falassem com o futuro ministro de Lula.

O General Freire Gomes recebeu então Mucio no Quartel-General do Exército em Brasília. Ele foi gentil e lembrou que já havia conhecido o pai do ministro. Mas foi enfático ao dizer que gostaria de deixar o cargo antes de Lula assumir a Presidência. Na prática, o general não quis saudar o petista. O comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, teve a mesma postura: conversou com Múcio, mas pediu para deixar o cargo antes que Lula assumisse.

Guarnier, único dos comandantes militares que, segundo as investigações, disponibilizou suas tropas para a trama golpista, não aceitou receber o ministro indicado por Lula mesmo após pedido de Bolsonaro.

Perpétua Almeida havia trabalhado com Guarnier no Ministério da Defesa na época de Aldo Rebelo. Os dois assessoraram o ministro durante a gestão Dilma. Antes de ir ao almirante com o apelo para que ele entregasse o cargo ao sucessor, o deputado do PCdoB havia tentado convencê-lo a receber Múcio.

“Quando fui conversar com o Guarnier sobre receber o Zé Mucio, ele era uma pessoa diferente. Ele não era o amigo que eu conhecia e com quem tinha um excelente relacionamento. Ele era um cara que parecia muito irritado, insatisfeito com o processo eleitoral. Não era o estilo dele. Ele foi grosseiro, falando coisas contra o Lula e isso me surpreendeu bastante”, disse Perpétua. A informação é do jornal O Globo.