O madeireiro que derrubava árvores na Amazônia e aprendeu a amar a floresta

O madeireiro que derrubava árvores na Amazônia e aprendeu a amar a floresta


Houve um tempo em que, cada vez que Roberto Brito olhava para uma árvore, via um número – a quantidade de dinheiro que poderia ganhar se ela fosse cortada.

Brito mora com a família às margens do rio Negro, no Amazonas, e só viu o valor financeiro das árvores derrubadas.

Aprendeu a usar motosserra aos 11 anos e representou a quarta geração da família a cortar árvores antes mesmo de atingir a idade adulta.

Quando jovem, Brito tinha dificuldade em observar uma árvore bonita, que sabia que daria madeira de boa qualidade, sem cortá-la. Ele diz que foi doloroso resistir a esse impulso, tão difícil quanto parar de fumar.

Agora, tudo mudou. “Paramos de pensar em preço e começamos a pensar em [um tipo diferente de] valor”, diz.

“Quando vejo um cumaru lindo, por exemplo, de 300 a 400 anos, pouco mais de um metro de diâmetro e 15 a 20 metros de altura, ainda toco nele, mas com uma mentalidade diferente”.

Michael Dantas/Fundação das Nações Unidas
A transição de Brito de madeireiro a guia turístico envolveu muitas pessoas da comunidade ribeirinha de Tumbira, no Amazonas

“Quando eu era madeireiro, toquei numa árvore daquelas e falei: ‘Vou passar três ou quatro dias trabalhando e ganhar R$ 700 ou R$ 800’”, conta.

“Ainda penso em ganhar dinheiro, mas talvez consiga ganhar os mesmos R$ 700, R$ 800 ou até R$ 1 mil com uma caminhada com 10 pessoas, por exemplo”, diz.

“E percebi que, com a floresta em pé, tenho acesso à educação, à tecnologia, a um futuro para os jovens que aqui vivem e também contribuo para a preservação do nosso planeta, em relação às mudanças climáticas.”

A transição de Brito, do desmatamento para a promoção de caminhadas na região, foi dramática. Exigiu o apoio e a coordenação de incentivos financeiros, sociais e ambientais.

A sua história mostra que, com a combinação certa de incentivos, utilizando o conhecimento e as competências das pessoas que trabalham numa indústria extractiva, pode surgir um caminho viável para algumas pessoas abandonarem essa actividade.

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Nova reserva

Tumbira – comunidade ribeirinha onde mora Brito – reúne algumas construções em meio a frondosas árvores.

Para chegar ao centro da aldeia, os visitantes sobem uma escada de madeira à beira do rio, enquanto ariranhas colocam a boca aberta para fora da água nas proximidades.

A Pousada do Garrido é uma pousada com cinco quartos. É a primeira parada de muitas pessoas que chegam pela primeira vez em Tumbira.

O espaço principal para reuniões da pousada tem teto de metal e piso de madeira imaculadamente limpo. Suas laterais são abertas e um mural colorido formado pela floresta emoldura a cozinha.

Cães muito magros passeiam, enquanto abutres ficam alertas no alto das traves do campo de futebol próximo.

Tumbira é há muito tempo um lugar de tranquilidade remota. Mas o seu aspecto mudou nos últimos anos, com a chegada do turismo de baixo impacto ambiental.

Em 2008, o governo do Amazonas criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. O objetivo é preservar a natureza e apoiar as comunidades que ali vivem.

Segundo a ecologista Rita Mesquita, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em comparação com tempos anteriores, houve um enorme progresso no reconhecimento dos direitos das pessoas à terra onde vivem.

A criação de outros tipos de reservas no Brasil poderia levar ao deslocamento de pessoas que vivem nesses locais há várias gerações. Mas a reserva de desenvolvimento sustentável valoriza os moradores.

“Precisamos considerar essas pessoas como parceiras e aliadas na conservação”, explica Mesquita. Ela destaca que essa postura cria parceiros para a vida toda.

Mas uma reserva de desenvolvimento sustentável traz restrições à extracção de recursos. Com isso, o sustento de Brito, que já era fisicamente desgastante, ficou ainda mais difícil.

Órgãos ambientais realizaram fiscalizações e prisões em madeireiras. Os preços da madeira caíram, assim como a quantidade de árvores, o que intensificou a concorrência entre os madeireiros.

Brito reconhece, no seu jeito pragmático de ser, que continuou a cortar árvores ilegalmente.

“Eu precisava ter alguma renda”, explica ele. “Defendi muito a exploração madeireira porque não pensava em trabalhar em outra coisa. Disse que nunca iria parar de derrubar árvores”.

Mas nos últimos anos, Brito começou a notar outras mudanças na sua comunidade de Tumbira, onde era presidente comunitário.

A criação da reserva de desenvolvimento sustentável, por exemplo, levou organizações, como a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), a criar projetos de educação e saúde na região.

Brito queria muito oferecer educação formal para seus dois filhos adolescentes. Ele próprio passou apenas cinco anos na escola.

Outra mudança ocorreu quando turistas de outros estados passaram a visitar o projeto de conservação da reserva.

Eles não passaram a noite lá porque não havia onde dormir. Portanto, os visitantes voltavam de barco para Manaus, a cidade mais próxima, mas ainda a várias horas de distância.

O cortador de árvores virou guia florestal

Brito lembra que, um dia, o diretor-geral da FAS, Virgílio Viana, sugeriu que ele pudesse trabalhar no turismo comunitário.

“Olhei para ele, surpreso, e disse: ‘O que vou fazer com as pessoas lá fora?’ Foi uma barreira muito grande.” Mas Brito decidiu tentar.

“Comecei a receber pessoas na minha casa para saber como seria aquela experiência”, lembra.

A tentativa foi um sucesso. Brito percebeu que ganhava mais em uma semana do que em três meses de exploração madeireira.

Ele abriu sua pousada em meio à natureza em 2011 – três anos após a criação da reserva de desenvolvimento sustentável. Mais de duas décadas depois de derrubar sua primeira árvore, o madeireiro aposentou sua motosserra.

A Pousada do Garrido, de Brito, foi a primeira empresa formada pela Incubadora de Empresas Florestais FAS.

O projeto fornece acesso a crédito, treinamento e outros recursos úteis para iniciativas empresariais da comunidade amazônica.

“Consideramos o turismo comunitário baseado principalmente em serviços ecossistêmicos como parte da bioeconomia”, explica Viana. “Você em Londres ou eu provavelmente consumimos e colocamos mais pressão no planeta do que eles.”

Brito e Rita Mesquita, sentados em cadeiras de madeira

Michael Dantas/Fundação das Nações Unidas
As reservas de desenvolvimento sustentável reconhecem que a proteção florestal não precisa excluir a participação dos residentes locais

A transição de Brito de madeireiro levou três anos. A sua experiência reflecte a abordagem gradual da fundação para estabelecer confiança e identificar prioridades comunitárias.

Viana conta que, inicialmente, houve muita resistência das pessoas. Eles não imaginavam que poderiam ganhar a vida sem derrubar árvores.

“Esta é uma oportunidade para falar sobre a importância da educação e da formação”, afirma. Viana destaca que tudo é feito de acordo com a comodidade dos próprios moradores locais.

“Nunca sonhei em trabalhar com turismo”, diz Brito.

Mas, como empresário, consegue aplicar seu profundo conhecimento da floresta na nova atividade, substituindo o corte de árvores. Isso transformou não só o seu trabalho, mas também a sua relação com a floresta.

“Percebi que comer os frutos de uma árvore todos os anos é muito melhor do que cortá-la toda de uma vez e retirar cem pedaços de madeira.”

É verdade que sua empresa enfrentou altos e baixos. O principal obstáculo foi a seca.

Em 2023, uma longa e histórica seca trouxe imensos desafios a uma comunidade que só pode ser acessada por via fluvial.

Com a seca do Rio Negro, os visitantes da pousada também desapareceram. Foram 111 reservas canceladas, segundo Brito.

Ele conta que a seca afetou diretamente 15 famílias de Tumbira que trabalham no turismo, como artesãos, pescadores e profissionais de limpeza.

Mesmo assim, Brito diz que o turismo numa reserva de desenvolvimento sustentável é melhor do que a exploração madeireira. Também melhora a qualidade de vida.

Agora, ele pode dormir em casa ao lado da esposa e sua comunidade tem acesso a cuidados médicos e tecnologia, sem falar na grande satisfação de saber que as árvores e outros recursos ambientais continuarão disponíveis para as próximas gerações.

Mudanças em escala

Como ex-presidente de comunidade e um dos 10 irmãos, a influência social de Roberto Brito é considerável. Tanto que alguns de seus irmãos também passaram da exploração madeireira para o turismo sustentável.

Este tipo de contágio social pode ser uma força poderosa em benefício do ambiente.

A professora de estudos ambientais Anne Toomey, da Pace University, nos Estados Unidos, aponta pesquisas que mostram que, muitas vezes, “precisamos de redundância em nossa rede social” para difundir mudanças na sociedade.

Por outras palavras, as mudanças ambientais podem parecer muito arriscadas, a menos que várias outras pessoas na mesma rede social já tenham tomado as mesmas decisões.

Quando uma massa crítica é atingida numa área geográfica, como um certo número de pessoas que instalaram painéis solares, este resultado pode espalhar-se para regiões vizinhas. Mas isto acarreta o risco de irregularidades nos investimentos, que podem gerar desigualdade e ressentimento, segundo Toomey.

A transformação da comunidade Tumbira em pólo de ecoturismo foi resultado do esforço conjunto de muitas pessoas. Não representa necessariamente muitas outras comunidades ribeirinhas da Amazônia.

Mas o sucesso alcançado mostra as possibilidades – e já inspirou comunidades vizinhas, segundo Virgílio Viana.

Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro vista de cima

Imagens Getty
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, no Amazonas, tem aproximadamente 103.086 hectares

Outra lição é que parar de culpar ou criticar os indivíduos pode trazer mais pessoas para o movimento ambientalista, segundo Toomey. E também é importante valorizar a experiência de pessoas como Brito, com décadas de trabalho na floresta, que agora calça chinelos para guiar os visitantes pela floresta.

Toomey acredita que o movimento ambientalista passou demasiado tempo a tentar mudar a ideologia das pessoas. Mas as ações são, na verdade, mais importantes do que a pureza ideológica.

“Há poder na criação de uma definição mais ampla do que é um ambientalista”, diz ela.

A sua investigação sobre as razões por detrás das mudanças a favor da conservação ambiental indica que pode ser útil adoptar uma visão mais pragmática. Os incentivos financeiros, por exemplo, “podem andar de mãos dadas com outros tipos de incentivos”.

Para Brito, sustentabilidade é uma questão de ação e não de “discursos bonitos”.

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“Não sou ambientalista nem ativista radical”, diz ele. “Eu apenas defendo o que funciona em nossa comunidade e fortalece a comunidade como um todo.”

“‘Sustentabilidade’ é uma palavra muito longa e difícil de dizer, mas não é difícil de alcançar. Você só precisa de apoio e a população local também precisa querer o mesmo. É isso que estamos fazendo.”

* Este relatório foi possível graças ao apoio da Thomas Lovejoy Memorial Fellowship for Journalists da Fundação das Nações Unidas. O autor agradece o apoio de Guilherme Cavalcante, que traduziu parte das entrevistas realizadas.

Leia o versão original deste relatório (em inglês) no site BBC Terra.

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