Saiba o que muda na aposentadoria dos militares, com a proposta de corte de gastos pelo governo

Saiba o que muda na aposentadoria dos militares, com a proposta de corte de gastos pelo governo


As mudanças constam de um pacote que depende de aprovação do Congresso Nacional. (Foto: Freepik)

Uma série de mudanças nas regras de aposentadoria militar estão entre os ajustes do pacote de cortes de gastos anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Planejado para equilibrar as contas públicas, o pacote proposto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva prevê uma série de medidas para evitar aumento de despesas em algumas áreas que correspondam a gastos maiores ou onde haja maior desequilíbrio financeiro.

As medidas para evitar o aprofundamento da dívida pública são vistas como necessárias pelo governo, pela oposição, pelos economistas e investigadores e pelo mercado. Segundo o titular da pasta, a previsão do governo é economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e R$ 327 bilhões em cinco anos.

Vale lembrar: as mudanças propostas pelo governo ainda precisam ser aprovadas pelas duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado) para entrarem em vigor.

Segundo o jornal “Folha de São Paulo”, o anúncio era esperado na semana passada, mas foram justamente as negociações com os militares para chegar a um acordo que atrasaram o anúncio. O governo também coordenou a apresentação do pacote ao Congresso Nacional e a divulgação pública do edital.

Embora o pacote anunciado tenha outras medidas mais importantes devido à dimensão da contenção de custos, o impacto fiscal das mudanças no setor militar não é irrelevante, explica o economista Marcus Pestana, um dos diretores da Instituição Fiscal Independente (IFI).

“O nosso sistema de pensões como um todo é desequilibrado, e dentro dele o sistema de pensões militar é o mais desequilibrado, é o que tem maior distância entre despesas e receitas, gerando um enorme défice”, afirma Pestana.

No ano passado, esse desequilíbrio no Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA) gerou um rombo de R$ 49,7 bilhões nos cofres públicos, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo o governo, as mudanças anunciadas por Haddad visam reduzir esse déficit.

É necessário mudar

Para os investigadores, incluir os militares na contenção fiscal é tão importante do ponto de vista financeiro como do ponto de vista político. Pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Universidade de São Paulo, e professor da Universidade de Leeds, na Inglaterra, Guilherme Klein confirma:

“Embora a economia não seja comparável a mudanças nos gastos que afectam um grupo maior de pessoas, os ajustamentos (nas pensões militares) são um sinal importante do governo de que está a fazer ajustamentos para todos. É a mesma coisa que supersalários. É uma questão de justiça social.”

E acrescenta: “São mudanças que, por si só, não resolverão o problema, mas se forem feitas em diversas áreas, vão somar. Se vai vasculhar as contas públicas, se vai fazer no BPC [Benefício de Prestação Continuada]por que não fazer isso em todas as áreas?”

Além da importância financeira, há um simbolismo político na contenção dos privilégios previdenciários militares. Várias tentativas de fazer alterações no sistema de pensões militares já foram frustradas devido à resistência do sector. Também diretor da IFI, o economista Alexandre Andrade analisa:

“As alterações nas despesas previdenciárias dos militares parecem ter um caráter mais de justiça social, tendo em vista que a categoria ficou de fora da reforma previdenciária de 2019.”

Déficit de pensões

O valor absoluto do déficit da Previdência Social militar — R$ 49,7 bilhões em 2023 — é menor que o rombo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), no qual está incluída a maioria dos trabalhadores, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e no Regime Previdenciário (RPPS), para servidores públicos).

Mas o chamado défice per capita, ou seja, quanto cada beneficiário custa ao sistema, é 17 vezes maior nas pensões militares. O déficit per capita no INSS é, em média, de R$ 9,4 mil. Entre os servidores públicos, o déficit poderá chegar a R$ 69 mil. Entre os militares, o déficit é de R$ 159 mil, segundo o TCU.

“Hoje você tem militares que servem 35 anos contribuindo com 20% do salário, se aposentam aos 55 e vivem mais 30 anos usufruindo de 100% do salário”, explica Pestana. “E depois da morte eles ainda passam para a viúva e as filhas.”

Embora uma mudança em 2001 tenha encerrado a pensão vitalícia para filhas de militares, a mudança não surtiu efeito para quem já recebia o valor. Além disso, os militares que ingressaram no serviço até 2000 continuaram tendo direito ao benefício desde que contribuíssem à alíquota de 1,5%.

Além disso, não modificam os direitos dos militares já aposentados e devem conter regras de transição para os militares atualmente na ativa.

Idade mínima

Atualmente, não existe idade mínima para militares ingressarem na reserva e passarem a receber pensão, benefício equivalente à aposentadoria. O critério atual é o tempo de serviço, no mínimo 35 anos. Na prática, isto faz com que muitos militares se aposentem muito cedo e passem muito mais tempo a receber a segurança social do que a contribuir, segundo Pestana.

A criação de uma idade mínima ajuda a diminuir um pouco esse desequilíbrio, afirma o economista Marcus Pestana. Haddad mencionou apenas a criação de uma idade mínima —mas, ao longo desta semana, vazou a informação de que seria de 55 anos. Se isto se confirmar, a idade mínima continuará a ser baixa em comparação com o regime civil — que em 2031 atingirá os 65 anos para os homens e os 63 anos para as mulheres.

A mudança não terá efeito imediato ou retroativo e deverá contar com regra de transição. Isto significa que, na prática, não se trata de um corte nas despesas correntes, mas sim de uma contenção das despesas futuras, explica Pestana. A idade mínima também deverá ter efeito na progressão na carreira militar – que é concebida para que as pessoas não acumulem muito tempo em cargos superiores.

Transferência de pensão

Embora a mudança de 2001 tenha encerrado a transferência das pensões aos filhos, os militares que ingressaram no serviço até aquela data puderam optar pela manutenção do benefício pagando uma alíquota de 1,5%. Para quem optou por manter, após a morte, a pensão pode ir não apenas para cônjuges e filhos, mas também para parentes mais distantes (como irmãos), em caso de falecimento dos parentes mais próximos.

Caso se confirme o que foi divulgado na imprensa ao longo desta semana, a nova regra deverá estabelecer que, caso já tenha sido feita solicitação de parentes próximos, parentes mais distantes não poderão receber o benefício. Irmãos e pais só poderão receber a pensão em caso de falecimento do soldado se não houver parentes próximos para recebê-la primeiro.

Expulso ou condenado

A medida põe fim a um procedimento denominado morte fictícia: quando um militar é condenado por um crime ou expulso do serviço, ele é tratado para fins previdenciários como se tivesse morrido. Ou seja, sua família tem direito a receber 100% da pensão.

A mudança preveria que a família receberia apenas o abono de prisão, ao qual têm direito todos os familiares de presos que contribuíram para a previdência social e cujos valores são bem menores.

Contribuição para a saúde

Outra mudança é a equalização das contribuições militares ao Fundo de Saúde. Atualmente, algumas contribuições chegam a 3,5% e outras são bem menores. A nova regra estabelece que a contribuição seria de 3,5% para todos. Isso poderia gerar uma receita extra de R$ 2 bilhões por ano, segundo o Centro de Liderança Pública.