BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Durante a investigação da trama golpista, a Polícia Federal alterou o tratamento dispensado ao então comandante do Exército no último ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), general Marco Antônio Freire Gomes.
Em novembro de 2023, quando fez a primeira representação sobre o caso ao STF (Supremo Tribunal Federal), a PF citou indícios de que Freire Gomes resistiu à pressão para aderir a um golpe de Estado, mas disse que era necessário investigar um possível omissão porque tinha conhecimento da trama ilegal e, apesar de ocupar o importante cargo de comandante do Exército, nada fez.
A PF, neste primeiro relatório, ainda deu peso importante à nota pública assinada pelos comandantes das três Forças em 11 de novembro de 2022. O documento foi visto na época como uma mensagem ao Judiciário e um endosso à manutenção da os acampamentos em frente ao quartel. Generais do Exército.
No relatório final da PF, entregue ao STF na semana passada, não há menção à suposta omissão diante da trama golpista, a nota de 2022 é tratada de lado e a resistência do general é descrita como o principal motivo pelo qual Bolsonaro não o fez. realizar a tentativa de golpe.
Ao final da investigação, a PF indiciou Bolsonaro e outras 36 pessoas sob a alegação de que o ex-presidente “efetivamente planejou, dirigiu e executou” a trama golpista e que só não conseguiu concretizar sua intenção por circunstâncias alheias ao seu controle. Neste caso, a resistência do comandante do Exército Freire Gomes e da maioria do Alto Comando [do Exército]que se manteve fiel à defesa do Estado Democrático de Direito, não prestando apoio armado ao Presidente da República para concretizar o golpe de Estado”.
Destaca-se também a recusa do Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (então comandante da Aeronáutica) em concordar com o golpe, mas o papel de Freire Gomes tem maior peso pelo facto de o Exército ser a Força com maior poder.
No relatório de novembro do ano passado, a PF escreve que foi necessário avançar na investigação para apurar a possível omissão da dupla.
“Em relação ao general Freire Gomes e ao brigadeiro Baptista Júnior, os elementos recolhidos até agora indicam que teriam resistido aos ataques do grupo golpista”, diz a PF, acrescentando abaixo:
“No entanto, considerando a posição dos agentes fiadores, é necessário avançar na investigação para apurar possível conduta comissiva por omissão pelo fato de terem conhecimento dos atos que estavam sendo praticados para subverter o regime democrático e ainda assim, como os comandantes do Exército e da Força Aérea permaneceram inertes.”
O relatório final não menciona se esta investigação ocorreu e qual teria sido a conclusão. A Folha entrou em contato com a PF por meio de sua assessoria, mas não obteve resposta.
A nota assinada pelos comandantes da Força em 11 de novembro de 2022 foi tratada no relatório inicial como um importante aval dado pelos militares aos acampamentos de Bolsonaro em frente ao quartel, que culminou na tentativa de invasão da sede da PF em Brasília, em 12 de novembro de 2022, e nos ataques às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
A manifestação dos comandantes estava prevista para quase uma semana, segundo relatos feitos à Folha, e sua articulação começou depois que os líderes militares participaram de reuniões com Bolsonaro no Palácio da Alvorada após a vitória de Lula (PT) no segundo turno das eleições.
Essas conversas citaram bloqueios de estradas, críticas ao Judiciário e defesas da suposta legitimidade das manifestações.
Na visão dos líderes militares, os manifestantes não se sentiam seguros em protestar diante do STF nem viam eficácia em exigir respostas do Congresso diante do que consideravam abusos de ministros corruptos. O alvo também foi o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
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A PF destacou, ainda no relatório inicial, que o chefe do apoio à ordem de Bolsonaro, Mauro Cid, enviou um áudio de felicitações a Freire Gomes no mesmo dia da divulgação da nota dos comandantes. Afirmou que a nota foi lida pelos acampados como um sinal de que teriam a proteção das Forças Armadas contra possíveis decisões judiciais.
Os investigadores concluíram na época que a manifestação pública de Freire Gomes, Baptista Júnior e Almir Garnier ?este último supostamente apoiador do golpe? foi uma reação à possível desmobilização dos campos bolsonaristas após a auditoria do Ministério da Defesa não ter apontado indícios de fraude no sistema eleitoral.
No relatório final da semana passada, a nota completa não aparece mais e é apenas descrita brevemente, como contexto para a troca de mensagens dos investigados.
Outra diferença entre o primeiro e o último relatório da PF diz respeito à reunião ministerial de 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro e vários ministros fizeram manifestações de claro cunho golpista três meses antes da eleição.
No texto de novembro de 2022, a PF lista nominalmente a presença de Freire Gomes e Baptista Júnior nesta reunião. No relatório final os nomes são suprimidos e há apenas uma lista resumida dos participantes.
Freire Gomes teve uma relação duvidosa com Bolsonaro no final de 2022. Acompanhou ao lado do ex-presidente, no Palácio da Alvorada, a apuração do segundo turno das eleições.
Após o resultado, ele foi ao Alvorada pelo menos 13 vezes – algumas acompanhadas de outros chefes militares, outras com generais subordinados ou até sozinho. Dez reuniões ocorreram antes de 7 de dezembro, quando Bolsonaro apresentou um projeto de decreto para golpe de Estado.
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Em depoimento à PF, Baptista Júnior diz que o chefe do Exército ameaçou prender Bolsonaro caso ele continuasse o golpe. O próprio Freire Gomes não menciona a reação e limita-se a dizer que foi contra.
O comandante, porém, continuou visitando o Alvorada mesmo depois disso: no dia 15 de dezembro e outra na véspera de Natal, quando deu um presente a Bolsonaro e um convite para sua mudança de comando.
Freire Gomes justificou aos militares que o objetivo desta postura era evitar rupturas e, assim, garantir que não seria demitido antes do fim do governo.
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