Como a competição entre Da Vinci, Rafael e Michela…

Como a competição entre Da Vinci, Rafael e Michela…


Durante 36 anos, entre finais do século XV e inícios do XVI, Leonardo da Vinci (1452-1519), Michelangelo Buonarroti (1475-1564) e Rafael Sanzio (1483-1520) viveram juntos numa Itália marcada pela política mudanças e efervescência artística. Gigantes do Renascimento, os três seguiram carreiras independentes, mas seus caminhos se cruzaram em 1504, em Florença, quando estiveram na cidade por um breve período em busca de trabalho, conhecimento e, claro, do dinheiro dos mecenas que financiaram o cenário artístico. . O encontro de mestres italianos é tema da exposição Michelangelo, Leonardo, Rafaelque fica em exibição na Royal Academy of Arts, de Londres, até fevereiro de 2025. “A exposição explora a rivalidade entre Michelangelo e Leonardo e a influência que os dois tiveram no jovem Rafael”, afirma Rebecca Salter, presidente da Royal Academy, no catálogo inédito lançado junto com a exposição.

Embora ambos tenham crescido em Florença, Da Vinci e Michelangelo construíram as suas carreiras, respetivamente, em Milão e Roma. Quando se conheceram em sua terra natal, Da Vinci, na casa dos 50 anos, estava trabalhando no que se tornaria sua obra-prima, o Monalisaenquanto Michelangelo, aos 29 anos, acabava de terminar o imponente David, que consolidou seu nome como um virtuoso da escultura. Numa Florença que emergiu recentemente do domínio dos Médici, a república desejava glorificar o seu novo governo. Para isso, encomendou murais aos dois artistas mais famosos da época para adornar a Sala del Gran Consiglio, no Palazzo Vecchio. A ideia era que o Batalha de Cascinade Michelangelo, competiu pela atenção do público com Batalha de Anghiaripor Da Vinci – mas nenhum deles foi concluído. A obra inacabada de Da Vinci foi perdida na reforma do salão, e a obra de Michelangelo permaneceu apenas no papel. Mesmo assim, a disputa entre os dois gênios para se superarem no mesmo espaço ficou marcada na história como uma parábola que ilustra o contexto de rivalidade voraz que ditava a atividade artística — comprovando assim o valor de um elemento-chave do capitalismo, a competição, como o motor das inovações magistrais da Renascença.

VERSÕES – Acima, ‘Tondo Taddei’ de Michelangelo; à esquerda, a mesma cena da Virgem Maria com Jesus e São João Batista pintada por Da Vinci: disputa acirrada até nos detalhes (Departamento Fotográfico da National Gallery; Rudence Cuming Associates Limited/Royal Academy of Arts, Londres/.)

Antes de serem contratados para ilustrar a mesma sala, Michelangelo e Leonardo disputavam a atenção de mecenas poderosos, como a família Médici. Os dois não se beijaram, e há relatos de uma briga acirrada nas ruas florentinas em que Michelangelo desdenhou Da Vinci por não ter conseguido terminar sua famosa escultura de um cavalo de bronze. Pouco depois, questionado sobre o local onde o DaviDa Vinci retaliou, sugerindo que as partes privadas do trabalho do inimigo fossem cobertas e ocultadas. Mais tranquilo, mas não menos atento aos usos do marketing pessoal, Rafael esteve na cidade para aprender com os veteranos. Queria observar o trabalho e absorver o que quisesse, mas também não escapou da concorrência. Ele e Michelangelo até duelaram por encomendas do Papa Júlio II.

Embora os mestres tenham estilos próprios, é inegável que o antagonismo os fez superar-se como artistas. Um grande símbolo disso, a mesma cena que Virgem Maria com Jesus e São João Batista Foi pintado pelos três artistas renascentistas. A versão da imagem de Michelangelo, o Tondo Taddei começou a ser feita logo após o artista terminar o Davi. A obra foi encomendada por Taddeo Taddei, um jovem mecenas que fez fortuna com o comércio de lã. Rico e disposto a investir em arte, também foi patrono de Rafael durante sua passagem por Florença. Enquanto estava na casa de Taddeo, o pintor provavelmente teve acesso à obra de Michelangelo e esboçou cópias em papel, capturando as poses elaboradas do mestre. O material serviu de estudo para seu próprio trabalho, A Madonna da Pontetambém exposto na exposição. No caso de Da Vinci, o tema é retratado num desenho que, ao ser exposto, fez com que os florentinos se aglomerassem “para contemplar as maravilhas de Leonardo”, relatou o biógrafo Giorgio Vasari. Composta por oito folhas de papel, a obra é o único desenho em grande escala de Leonardo que sobreviveu, e especula-se que tenha sido feita como esboço para a mesma Sala del Gran Consiglio, no Palazzo Vecchio.

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DESENHOS VALIOSOS - Os nus de Michelangelo e Rafael (acima) e o esboço do cavalo de Da Vinci: visões distintas da arte que lutou por espaço, influência e dinheiro
DESENHOS VALIOSOS – Os nus de Michelangelo e Rafael (acima) e o esboço do cavalo de Da Vinci: visões distintas da arte que lutou por espaço, influência e dinheiro (Museu Teylers, Haarlem; Curadores do Museu Britânico; Royal Collection Trust/.)

Entre as quarenta obras da exposição, aliás, há desenhos preparatórios para as batalhas que nunca foram concluídos. Eles atestam que Da Vinci e Michelangelo tinham visões diferentes: “A competição entre eles sempre foi narrada como um confronto de titãs, não por causa da encomenda em si, mas por causa de suas concepções pessoais de arte”, diz o catálogo. Para Michelangelo, o corpo em ação “era o principal veículo de expressão”, e Leonardo elogiou o rosto “contorcido pela extrema emoção”. No capitalismo dos gênios, essas duas visões da arte ainda hoje causam muito espanto.

Publicado em VEJA em 29 de novembro de 2024, edição nº 2921



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