SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maior parte dos pessoas que se declaram pardas no Brasil ela não se identifica como negra, segundo pesquisa Datafolha. Enquanto 40% dos pardos se consideram negros, 60% afirmam não se verem como tal. Entre os negros, 96% se consideram negros e 4% não.
A pesquisa entrevistou 2.004 pessoas em 113 municípios, incluindo regiões metropolitanas e cidades do interior de todas as regiões do Brasil, entre os dias 5 e 7 de novembro. A pesquisa leva em conta maiores de 16 anos e tem margem de erro de 2 pontos percentuais para a amostra total, 5 pontos para pretos, 4 pontos para brancos e 3 para pardos.
A líder do projeto, Rebheka Quintão, 27 anos, moradora de Recife (PE), está entre aqueles que se consideram pardos, mas não se consideram negros. Filha de mãe negra e pai branco, cresceu vendo a mãe sofrer racismo por ter uma filha de pele mais clara. “As pessoas diziam que ela era minha babá e não poderia ser minha mãe”, diz ele.
Ela também ouve desde a infância que é morena demais para ser branca, embora nunca tenha se visto negra. O termo pardo surgiu como resposta às suas dúvidas.
“Eu me sinto muito inviável”, diz ela. “Sou moreno demais para ser branco, mas também sou claro demais para ser negro. Tenho a boca grande, tenho o corpo inteiro como o de um negro. Os olhos, o nariz, o cabelo, tudo, mas eu deixar a pele mais clara.”
O administrador de empresas Danilo Machado, 37 anos, da capital paulista, está entre os que se consideram pardos e negros. Criado por família adotiva, ele conta que sua mãe biológica era branca, enquanto seu pai era negro.
Sua pele mais clara deixou dúvidas a princípio, mas entender o contexto social em que vivia, bem como as dificuldades que enfrentava devido ao racismo, foi o caminho para encontrar na negritude seu espaço de pertencimento.
“Na verdade, é uma descoberta porque infelizmente vivemos numa sociedade em que essa branquitude foi plantada”, afirma, referindo-se à teoria de que a população branca tinha privilégios que foram transmitidos de geração em geração. “Portanto, tendemos a não nos ver como somos.”
A ideia de que a categoria negra é criada pela soma de pretos e pardos surgiu no movimento negro brasileiro. A defesa, que se intensificou na década de 1990, baseou-se em estudos que mostravam que os pardos tinham condições socioeconômicas mais próximas dos negros do que os brancos. Anos depois, em 2010, durante o segundo governo do presidente Lula (PT), foi sancionada a lei que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, que definia a população negra como “o grupo de pessoas que se declaram pretas e pardas”.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que a categoria parda é, de fato, heterogênea, e que o percentual de quem não se considera negro pode ser atribuído à ascendência indígena, ao momento político brasileiro e ao desconhecimento de que a negritude compreende diferentes peles tons. .
Para a historiadora Luciana Brito, professora da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo Baiano), a presença de um projeto político em curso no Brasil que se baseia em um discurso “antinegro” impactaria políticas de identidade racial que foram decisivas para o autoconhecimento de a população negra.
“Esse retrocesso político reflete obviamente na identidade racial do povo brasileiro. Ao mesmo tempo, nada disso reduz os números da violência racial”, afirma.
A professora afirma ainda que existe um imaginário, que se fortaleceu com a promoção da miscigenação no Brasil, de que negros são apenas pessoas de pele escura.
“Existem outras condições, outros fenótipos, nariz, boca e cabelo, que determinam a nossa condição de vida”, afirma. “O status social dessa pessoa [parda]aproxima-o, situa-o e reafirma-o como negro.”
Para Verônica Toste Daflon, professora do departamento de sociologia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e autora de “Tão longe, tão perto: identidades, discriminação e estereótipos de negros e pardos no Brasil” (Mauad X, 2017), mais um motivo para o A discrepância entre aqueles que se declaram pardos, mas não negros, está na sua ascendência, que pode ser indígena e não africana.
“Outros não se identificam com a identidade política negra, seja porque têm uma visão de mundo diferente ou porque se percebem de forma diferente, como parte de uma família multirracial, por exemplo. Alguns autodeclarados pardos também hesitam em afirmar ser negros porque acreditam que não enfrentam a mesma discriminação.”
Dados do Datafolha mostram que 17% dos pardos declaram que já se sentiram discriminados por causa da cor, enquanto entre os negros o número é de 56%. No caso dos brancos, a alíquota cai para 7%.
A pesquisa mostra ainda que 65% da população brasileira considera a categoria negra a soma de pretos e pardos. Entre os negros o número é ainda maior, 77%. E embora a maioria da população parda não se identifique como negra, a maioria (67%) também afirma acreditar que a soma de pretos e pardos é igual ao número total de negros.
A contradição, segundo Daflon, é comum. A professora afirma que desde 2010, quando foi criado o Estatuto da Igualdade Racial, a população ouve com mais frequência que negros são a soma de pretos e pardos, o que poderia justificar a concordância com a afirmação.
“Ao mesmo tempo, quando uma pessoa reflete sobre o seu caso individual, pode discordar. É normal ter ideias contraditórias, sem muita reflexão”, afirma.
O debate sobre quem deve ou não ser considerado negro ganha força com a política de cotas raciais, que reserva vagas no ensino superior e no setor público e privado para a população negra, parda e indígena. Especialistas dizem que o grupo deve ser mantido como beneficiário.
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Marcelle Felix, socióloga e coordenadora de subpesquisa do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares sobre Ações Afirmativas) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que a semelhança entre os dados socioeconômicos dos dois grupos é apresentada de forma consistente nas pesquisas ao longo dos últimos ao longo dos anos e, portanto, o corte deve ser mantido.
“A dificuldade de mobilidade social entre pretos e pardos é um indício de que esses grupos sofrem maiores obstáculos devido à discriminação racial, mesmo que nem sempre esses grupos tenham essa percepção”, afirma.
Havolene Valinhos, de São Paulo, colaborou
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