03/06/2024 – 19:46
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
O grupo de trabalho tem uma extensa agenda de reuniões
Especialistas em direito tributário apresentaram à Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (3) críticas e sugestões sobre diversos pontos do Projeto de Lei Complementar 68/24 do Executivo, que regulamenta a reforma tributária (Emenda Constitucional 32). O projeto está sendo discutido por um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados.
O debate, presidido pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA), girou em torno das regras gerais de funcionamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (IBS), que é partilhado entre estados e municípios, e da Contribuição sobre Circulação de Bens e Serviços (CBS), sob jurisdição federal, que substituirá PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS após um período de transição (de 2026 a 2033).
A principal divergência entre os debatedores era a esperada incidência de tributos sobre operações não onerosas, como o fornecimento de bens e serviços de uso e consumo pessoal dos empregados do contribuinte.
Consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Melina Rocha considera positiva a incidência esperada de impostos sobre operações não onerosas, como doações, como é o caso das onerosas, ou seja, que envolvem pagamentos de produtos e serviços.
“Qual é o objetivo desta tributação não onerosa das pessoas singulares ligadas às empresas? É precisamente o princípio da neutralidade. O diretor ou funcionário que receber veículo ou telefone para uso pessoal deverá sofrer a mesma tributação como se alugasse ou comprasse esses bens de terceiros”, pontuou.
Ela também concorda com a ideia prevista no regulamento que garante crédito aos contribuintes em todas as operações. “Todas as regras internacionais têm um ‘se’, têm uma condição para o contribuinte ter direito ao crédito. O que temos aqui são exceções para bens de uso e consumo pessoal, imunidades e isenções, que não prevêem esse direito”, explicou.
Proposta confusa
Por outro lado, a pós-doutoranda em direito tributário Betina Grupenmacher entende que a proposta regulatória, embora boa, é confusa e fere a própria emenda constitucional. Vai contra a esperada incidência do IBS e do CBS sobre operações não onerosas, como cessões, empréstimos e arrendamentos.
“A nossa tributação incide sobre manifestações de riqueza, manifestações de capacidade contributiva, e as operações não onerosas não revelam capacidade contributiva no meu entendimento”, defendeu. “Essa inclusão de arrendamento, licenciamento, concessão, empréstimo, algo que eu vou receber de volta, na verdade eu empresto dinheiro e vou receber de volta e vou pagar o IBS?”, questionou.
Constitucional
Procurador da Fazenda Nacional, Antônio de Souza Júnior defendeu a constitucionalidade da incidência de tributos sobre operações não onerosas. Segundo ele, a Emenda 32 apenas estabelece que incidem tributos sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, além de serviços, cabendo ao legislador materializar a hipótese da existência do tributo.
“O projeto não amplia hipóteses de incidência, apenas complementa a Constituição. Determina que as operações não onerosas somente serão aplicáveis se expressamente previstas em lei. E, quando olhamos para estas operações, percebemos que são na verdade operações com conteúdo económico. Neste ponto não há inconstitucionalidade”, sustentou.
Modelo europeu
Conselheiro da Embaixada da Espanha no Brasil, Francisco Gallardo comentou as características do IVA na União Europeia, principalmente o princípio da generalidade. “Dois princípios são importantes porque são as duas faces da moeda: a generalidade no facto gerador e a generalidade no direito à dedução”. Segundo ele, quando há risco de consumo privado, que é quando um indivíduo aproveita a possibilidade de dedução para evitar o pagamento do imposto, há duas soluções: limitar o direito às deduções a alguns casos ou tributar as operações não onerosas .
“Primeiro temos a limitação do direito à dedução. Ou seja, a exclusão do direito à dedução quando uma despesa de natureza privada está a ser suportada pela empresa. Alternativamente, temos a tributação das operações livres, ou seja, das operações não onerosas”.
Avaliações
Consultor do Movimento Brasil Competitivo, Rodolfo Tamanaha criticou o trecho do projeto que condiciona o crédito aos contribuintes ao efetivo pagamento do imposto. “A emenda constitucional estabelece que uma lei poderá estabelecer hipóteses em que a utilização do crédito estará condicionada à verificação do efetivo pagamento do imposto, ou seja, esta é uma das possibilidades. Mas, pela proposta de legislação complementar, o pagamento do imposto acaba se tornando a única opção”, afirmou.
Professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Scaff chamou a atenção para a carga sobre o fluxo de caixa das empresas. “No sistema de hoje você realiza a operação e o pagamento acontece no dia 5 do mês seguinte. Aqui [no projeto] diz que parte do imposto já fica com o fisco. É isso que todo mundo quer fazer? ‘Comendo’ o capital de giro das empresas? Se sim, siga em frente”, reclamou ela.
O professor de direito financeiro da USP, Heleno Torres, finalmente criticou a tributação dos serviços financeiros. “Não é possível que o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) coexista com a tributação dos serviços financeiros pelo IBS e CBS. O IOF é o imposto a ser extinto. Sem dúvida, tributar as operações de câmbio, de valores mobiliários e de seguros é duplamente tributável se o IOF for mantido”, criticou.
Agendar
O grupo de trabalho pretende entregar o relatório até o final de julho. Também serão realizadas as seguintes audiências públicas:
- 4 de junho, às 9h, no modelo operacional IBS e CBS;
- 4 de junho, às 14h30, sobre exportações e importações, regimes aduaneiros especiais, regimes de bens de capital e zonas de processamento de exportações;
- Dia 5 de junho, às 9h, sobre cashback, cestas básicas e outros alimentos;
- 5 de junho, às 14h30, sobre regimes diferenciados, profissões regulamentadas, educação e serviços de saúde, entre outros; Isso é
- 6 de junho, às 9h, sobre regimes específicos e continuação de regimes diferenciados.
Reportagem – Murilo Souza
Edição – Ana Chalub
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