Um caso Bem-sucedida no mundo dos negócios, a paulista Luiza Helena Trajano gera entusiasmo por onde passa. Seja no aniversário de uma amiga ou em um evento no Palácio do Planalto, em Brasília, uma coisa é certa: ela só poderá sair desses espaços depois de muitas selfies. Aos 76 anos, o dono do Magalu ultrapassou as fronteiras corporativas e, nas últimas duas décadas, navegou com tranquilidade pelos cenários político e econômico. Seu nome é constantemente mencionado como alternativa para chefiar ministérios sociais, especialmente em governos de esquerda. Mas há dez anos ela escolheu um lado: o ativismo social independente. Criou o grupo Mulheres do Brasil e, hoje, viaja pelos quatro cantos do Brasil e do mundo com a bandeira do empoderamento feminino.
Vendedora nata, Luiza carrega a simplicidade de quem veio de família humilde, fala o que pensa sem filtros, se posiciona, briga e sua voz reverbera. Nesta conversa com a PlatôBR, ela fala sobre a dificuldade das mulheres ocuparem os espaços onde, de fato, o poder se manifesta em Brasília. Defende a criação de cotas para dirigentes partidários, para presidências de comissões temáticas no Congresso Nacional e para financiamento de campanhas. Para ela, responsabilizar os partidos através de sanções financeiras poderia ser uma forma de acelerar o processo de igualdade de género na política. Os partidos, diz, ainda precisam de investir na formação política das “raparigas”, sobretudo nas comunidades.
Apesar de reconhecer o progresso, Luiza Trajano destaca que há muito a ser feito, mas afirma que, no governo Lula, foi aberta “uma importante linha de diálogo entre o governo e a sociedade”. A empresária, que integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo Lula, alerta ainda: “As redes também podem ser espaços de violência digital, o que desencoraja muitas mulheres de se envolverem na política”. Abaixo estão os principais trechos da entrevista.
Há dez anos você trabalha em prol das causas das mulheres com o grupo Mulheres do Brasil. Como avalia a evolução da participação das mulheres nas esferas de decisão política?
Nos últimos dez anos, obtivemos avanços notáveis na participação feminina e o Grupo Mulheres do Brasil se engajou em muitas causas importantes, em diversas áreas, para as mulheres e para o Brasil. Também iniciamos muito trabalho para aumentar a conscientização sobre a importância da igualdade de gênero na política. Temos um grande desafio, pois a presença de mulheres em cargos de decisão ainda é muito pequena. Destaco a necessidade de criar legislação que obrigue os partidos a atribuir uma quota de financiamento de campanha às candidatas, o que representa um avanço importante.
Apesar dos avanços, há muitas críticas sobre o ritmo. Qual é o maior desafio para as mulheres conquistarem verdadeiramente espaços de poder na política e na economia?
O maior desafio, a meu ver, é superar barreiras culturais e estruturais, quebrando os paradigmas que historicamente excluíram as mulheres. Mesmo com os avanços, muitos ainda enfrentam preconceitos, falta de apoio institucional e uma cultura patriarcal que limita o nosso acesso aos espaços de decisão. Na economia, as mulheres ainda precisam lidar com a desigualdade salarial e a escassez de oportunidades em cargos de liderança, que ainda existem, embora estejamos mudando muito, estamos melhores do que há dez anos.
Mesmo com o aumento da representatividade na Câmara dos Deputados, as mulheres ainda estão distantes dos espaços internos de poder e não ocupam cargos onde, de fato, as decisões sejam tomadas de forma correta. As mulheres estão sempre em áreas chamadas de softpolitics e que tratam de questões relacionadas ao cuidado, enquanto os homens lideram aquelas com maior peso político (hardpolitics)…
Esta divisão reflecte preconceitos de género profundamente enraizados. Para romper com esta situação, precisamos de promover uma maior consciência da importância das mulheres em todas as esferas de poder e de tomada de decisão. É necessário reforçar a preparação e os incentivos para que as mulheres se candidatem à liderança de comités mais estratégicos e para que os partidos políticos invistam neles. As quotas de liderança dentro dos partidos seriam um bom começo para equilibrar esta situação.
Ao tomar posse, o Presidente Lula reforçou o seu compromisso com a promoção da igualdade de género, apoiando as causas das mulheres e prometeu implementar políticas públicas para abordar as desigualdades históricas entre homens e mulheres, combater a violência contra mulheres e meninas e aumentar a representação feminina nas esferas de decisão. Isso passou da fala para a prática, na sua opinião?
Nos últimos dois anos, assistimos a alguns avanços concretos, como a recriação do Ministério da Mulher e a expansão de programas destinados ao combate à violência de género. Políticas públicas como o fortalecimento da Lei Maria da Penha e a criação de mecanismos de proteção às mulheres em situação de vulnerabilidade são exemplos que mostram que o discurso começa a se traduzir em ações práticas. Há muito a ser feito, mas foi aberta uma importante linha de diálogo entre governo e sociedade.
Mas o governo começou com onze mulheres entre os 37 ministros e, na primeira negociação para criar uma base de apoio político com o Centrão, já houve uma redução de três mulheres no primeiro escalão. O presidente Lula ainda culpou os partidos pela falta de mulheres na política. Onde está o problema e como resolvê-lo?
O problema reside tanto na estrutura partidária como na resistência cultural que ainda existe em ver as mulheres ocuparem posições de destaque. Também temos que considerar que o apoio político acaba prejudicando nomes técnicos, principalmente os de mulheres. É fundamental que os partidos adotem medidas internas para incentivar a participação feminina, criando mais espaços de liderança e apoiando candidaturas. Responsabilizar as legendas através de sanções financeiras poderia ser uma forma de acelerar este processo.
Existem oportunidades para avançar a agenda das mulheres nos próximos dois anos?
Nos próximos anos, há uma grande oportunidade para reforçar o papel das mulheres na política, especialmente com o apoio do governo às políticas de igualdade de género. Temos um grande trabalho em andamento no Grupo Mulheres do Brasil e, junto com vários outros movimentos, é possível acreditar em avanços maiores.
Que medidas são urgentes para garantir que a agenda de género não seja negligenciada?
É essencial garantir que os partidos cumpram eficazmente as quotas de género. Através do nosso comitê de políticas públicas, monitoramos e reportamos. Também é necessária (é necessária) a criação de mais programas de formação política para mulheres, além de incentivos financeiros para candidatas e a ampliação da fiscalização sobre a utilização dos recursos destinados às candidatas.
As redes sociais provaram ser um instrumento poderoso na política. Qual é o seu papel no empoderamento das mulheres na política? Ajudam ou dificultam o aumento da participação feminina na política?
As redes sociais desempenham um duplo papel. São poderosas ferramentas de mobilização, amplificando as vozes e agendas femininas. Por outro lado, as redes também podem ser espaços de violência digital, o que desencoraja muitas mulheres de se envolverem na política. Contudo, acredito que o saldo é positivo, uma vez que as redes ligam, organizam e mobilizam de forma rápida e acessível. É necessário realizar cada vez mais campanhas educativas para que todos possam distinguir as campanhas de ódio e as notícias falsas das redes.
Olhando para o futuro, como avalia a preparação das candidatas mulheres para que as próximas eleições resultem num maior equilíbrio entre homens e mulheres eleitos?
A preparação dos candidatos envolve educação política, acesso a financiamento adequado e apoio de redes de mulheres. É importante que as candidatas recebam o apoio técnico necessário para serem competitivas em igualdade de condições com os homens. É necessário também investir na formação das meninas para que desenvolvam a formação política, especialmente nas comunidades.
Os movimentos sociais ajudaram a influenciar as políticas públicas voltadas ao empoderamento feminino?
Os movimentos sociais têm desempenhado um papel muito importante na promoção de políticas públicas mais inclusivas. O Mulheres do Brasil tem sido uma força na criação de oportunidades para mulheres em diversos setores, inclusive na política.
Qual líder feminina você considera um modelo no contexto político atual e por quê?
Uma líder que considero modelo é a deputada Tabata Amaral, que tem se destacado por seu trabalho em educação e igualdade de gênero. Ela inspira as novas gerações ao mostrar que é possível, com competência e dedicação, quebrar barreiras e ocupar espaços de decisão.
Quais políticas você considera fundamentais para mudar a realidade atual e promover maior igualdade de gênero na política brasileira?
Entre as políticas fundamentais destaco a necessidade de reforçar as quotas de género nos partidos, com sanções mais rigorosas para quem não as cumpre. No Mulheres do Brasil, estamos trabalhando no “Pula para 50”, que busca a paridade em todos os cargos, inclusive no Judiciário. Além disso, é necessário promover mais programas de formação para candidatos e reforçar redes de apoio e mentoria para mulheres em cargos de decisão.
E como as empresas do setor privado podem contribuir para o empoderamento feminino no Brasil?
As empresas podem contribuir criando ambientes inclusivos e oferecendo oportunidades reais de liderança para as mulheres. As políticas de igualdade salarial e os programas de formação são essenciais para capacitar as mulheres no sector privado.
Exemplos?
No Magazine Luiza temos alguns exemplos, não de hoje, mas praticados desde a década de 1990, com incentivos que garantem às mulheres condições iguais para alcançar a liderança. Hoje temos praticamente igualdade de gênero nos cargos de liderança, além disso, vejo muitas empresas, como a Avon, que promovem programas com resultados positivos para ascensão profissional e capacitação.
O que você gostaria de ver acontecendo na política brasileira nos próximos anos?
Minha esperança e trabalho é que, nos próximos anos, veremos uma política brasileira mais inclusiva, onde mulheres, negros, povos indígenas e LGBTQIA+ não apenas ocupem mais espaços, mas também lidem discussões importantes para o desenvolvimento do país. Acredito que, com políticas públicas adequadas e o fortalecimento dos movimentos comunitários e de classe, esse cenário é possível.
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