A comunicadora social Juhlia Santos, de 41 anos, é a segunda mulher trans eleita para a Câmara Municipal de Belo Horizonte. A primeira foi Duda Salabert (PDT), que não completou o mandato, pois renunciou ao cargo em 2023 para assumir o cargo de deputada federal. Mas Juhlia, eleita com quase 7 mil votos, se define como a “primeira vereadora trans, negra e quilombola da capital”.
Segundo ela, esses são os principais marcadores de sua existência, mas não serão os únicos que nortearão sua atuação na Câmara. “Eu venho daqui e carrego esses marcadores, mas eles nunca me definem ou me reduzem”, diz a futura parlamentar, que promete usar seu mandato para tornar a cidade mais humana e sustentável para todas as pessoas.
Para ela, os políticos da capital precisam conhecer melhor a cidade e percorrer suas ruas. Fato que, garante Juhlia, ele não perderá o mandato. Carnavalista de carteirinha, Juhlia, que este ano desfilou em dez blocos, promete atuar em prol da festa na cidade, para garantir que ela seja sustentável durante todo o ano, já que os blocos e agremiações carnavalescas realizam trabalhos sociais que impacta a cidade, além da economia e do turismo.
Ela também refutou a promessa do vereador mais votado de Belo Horizonte, o apoiador de Bolsonaro Pablo Almeida (PL), que, em entrevista ao Estado de Minasdisse que vai transformar BH na capital mais conservadora do Brasil. “Belo Horizonte não é uma cidade conservadora e não será”, afirma Juhlia.
O vereador eleito garante que a cidade é “inventiva” e “combativa” e está sempre a reinventar-se. Apesar das divergências com os conservadores, ele aposta no diálogo e até convida vereadores de extrema direita. “Faça um bloco de direita e venha conosco. Só não me convide para ser porta-estandarte”, ironiza.
Você foi eleita representando diferentes agendas, não só da população trans, mas qual a importância de ser travesti, negra, quilombola, como você se define, dentro da Câmara Municipal?
Venho daqui e carrego esses marcadores, mas eles nunca me definem ou me reduzem. A representação por si só não muda a realidade, mas é importante. Precisamos de pessoas negras, dissidentes de gênero, quilombolas, indígenas e toda a gama da sociedade nesses espaços de poder que, infelizmente, ainda não são ocupados pela nossa presença.
O que pretende realizar na Câmara além das questões de identidade?
Com muita tranquilidade, assumo que a nossa agenda é pela vida, pelas pessoas, por uma cidade, uma sociedade que seja possível para todas as pessoas, mas que também seja baseada na identidade. Não vou fugir desse lugar, não vou recuar nessa disputa, mas não vão nos reduzir só a esses espaços.
O vereador mais votado de BH, Pablo Almeida (PL), disse que pretende transformar a cidade na mais conservadora do Brasil. Isso seria possível?
Posso afirmar com muita tranquilidade que Belo Horizonte não é uma cidade conservadora. É uma cidade inventiva e combativa e se refaz a cada movimento. (…) Se estamos aqui existindo em Belo Horizonte, exercendo tensão nesses espaços de poder, é com muita tranquilidade que digo que Belo Horizonte não é uma cidade conservadora e não será conservadora, principalmente neste lugar de conservadorismo que eles (a extrema direita) colocaram. Como carnavalesco, quais seriam as possibilidades de alavancar financeiramente o carnaval de BH, que vem crescendo ano após ano, mas ainda sofre com a falta de recursos? Hoje estamos entre os maiores carnavais do país, mas não é só festa, também tem retorno financeiro para a cidade. (…) É por isso que precisamos garantir a sua manutenção durante todo o ano e não apenas durante o período do festival. Temos blocos que funcionam o ano todo, desde oficinas na periferia, que resgatam vidas, resgatam jovens. O carnaval de Belo Horizonte não pode ser visto apenas neste espaço limitado durante o período de festa. (…) Trabalha e promove a cidade durante todo o ano.
Como pretende lidar com os conservadores na Câmara? Será mesmo, como disse logo após sua eleição, o “terror dos bolsonaristas”?
Sim, eu disse isso e continuo reafirmando porque represento tudo o que eles odeiam, tudo o que lutam e insistem em empurrar para as margens da sociedade. Eu carrego o marcador de corrida na minha cor. Jamais deixarei de ser isso, é isso que precede tudo. O que vem primeiro é a minha raça. E temos esse grupo que se autodenomina bolsonarista e que tem como principal líder alguém que afirmou com muita calma que o negro tem que ser duro, que reafirma, também com muita calma, que seus filhos foram bem criados e que nunca se envolver com mulheres negras. Então, há racismo explícito aí. Também carrego essa marca de ser uma pessoa inconformista de gênero, que é uma das questões que mais lutam. Eles lutam contra minha vida, minha existência, minha capacidade de me movimentar socialmente. Então, por isso digo que sou o terror dos bolsonaristas, mas espero que tenhamos um espaço verdadeiramente democrático, um espaço de diálogo e de confluência, porque em 2025 não podemos permanecer neste cabo de guerra enquanto ainda houver um parcela da sociedade muito sofrimento, o que ainda não se vê no lugar das humanidades.
E a eleição do Conselho de Administração? Você estará com o grupo que apoia a eleição para presidente do vereador Juliano Lopes (Podemos), que conta com o apoio do secretário da Casa Civil do governador Romeu Zema (Novo), Marcelo Aro, que lidera um grupo na Câmara chamado “Família Aro”?
Tudo é muito efervescente, as discussões e os diálogos, mas estamos conversando. Estou chegando agora, somando a essa bancada que já vem de pessoas reeleitas, que têm expertise, qualificação, mas estamos em diálogo. O melhor caminho, o ideal, o melhor dos mundos, seria termos uma Mesa ampla, que tivesse representatividade e espaço para diálogo. Seria ideal construir de forma mais ampla para poder dialogar com muitas pessoas com pontos fortes. Estamos nesse processo entendendo as construções.
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