Após derrota nas eleições, governo tenta retocar i…

Após derrota nas eleições, governo tenta retocar i…


Dias antes do primeiro turno das eleições deste ano, José Dirceu disse em entrevista que todo governo precisa de ajustes e que Lula tem muita experiência e capacidade para fazer as mudanças necessárias. À frente da Casa Civil no primeiro mandato do petista, o ex-ministro previu na época a derrota da esquerda nas urnas e defendeu “melhorias” na gestão federal diante da nova realidade global e do fortalecimento da direita no país. Brasil. Os tempos mudaram, assim como as reivindicações da população, as prioridades nacionais e até mesmo as arenas em que os confrontos políticos são travados. Seria urgente, portanto, atualizar bandeiras, renovar quadros, ampliar canais de diálogo e melhorar estratégias de comunicação. O diagnóstico de Dirceu parece um tanto óbvio, mas foi reforçado porque, até então, não havia tocado o principal destinatário de sua mensagem — o presidente da República, criticado por aliados por administrar o país como se fosse o mesmo de duas décadas atrás. Quando solicitado a atualizar seu programa, Lula respondia sempre da mesma forma: “Ganhe uma eleição presidencial e conversaremos sobre isso”. A situação é diferente agora.

Com o fracasso da esquerda na disputa municipal, o fortalecimento dos partidos de centro e a demonstração de vitalidade da direita, o presidente decidiu fazer alguns gestos para tentar melhorar os resultados e a imagem da sua gestão. Uma delas foi realizada na área de segurança pública, utilizada pelos bolsonaristas para desgastar o governo e a esquerda. Na quinta-feira, 31, Lula recebeu governadores para discutir uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estava prometida há meses, mas que estava em segundo plano devido a uma disputa interna entre os ministros da Justiça, Ricardo Lewandowski, e da Casa Civil, Rui Costa. . O texto só saiu dos cantos da burocracia e foi levado à mesa de negociações – exatamente quatro dias após o segundo turno – porque o presidente finalmente entendeu que havia chegado o momento de reagir. Idealizada pela equipe de Lewandowski, a PEC confere à União competência para estabelecer diretrizes gerais na política de segurança, amplia a área de atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e fortalece o papel da Polícia Federal no combate às organizações criminosas e milícias.

BANHO MARIE – Lewandowski: medidas ficaram meses arquivadas por disputas internas (Valter Campanato/Agência Brasil)

O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), elogiou a iniciativa e afirmou que a primeira impressão da proposta foi positiva. Apesar desta declaração, o caminho para a aprovação será longo e tortuoso. Membros da chamada bancada da bala anunciaram a intenção de votar um projeto alternativo, de sua autoria. Alguns governadores já manifestaram preocupação com a possibilidade de o governo federal acabar com a autonomia dos estados em determinadas questões de segurança. Em tese, esse confronto de posições divergentes pode servir de impulsionador para o aprimoramento do texto. O problema é que a maior parte dos atores envolvidos na questão está mais preocupada com o impacto eleitoral do que com o mérito da PEC. Os políticos de direita não querem abrir mão do discurso, que tem forte apelo popular, de que jogam duro contra os criminosos, enquanto Lula e o PT “defendem os criminosos”, como gostam de repetir nas redes sociais e nos plenários da Câmara e do Senado. Esse cenário eleitoral, que pode atrapalhar o resultado final da proposta, ficou claro durante a reunião do presidente com os governadores.

Na reunião, Ronaldo Caiado, pré-candidato à Presidência da União Brasil, reclamou de uma suposta tentativa de usurpar a prerrogativa dos governadores e afirmou ter derrotado o crime organizado em Goiás. Lula recorreu à ironia ao responder: “Tive hoje a oportunidade de conhecer o único estado que não tem problema de segurança”. O debate mal começou – e começou mal. O presidente respondeu porque sabe onde o calor aperta. Desde o início do seu terceiro mandato, o governo e o PT buscam um discurso e uma proposta para reagir à direita na questão da segurança pública. A PEC é uma tentativa dos governantes de encontrar um caminho a seguir e evitar que a esquerda perca a disputa política por não ter ou não saber o que dizer. Ou porque não tem coragem de defender o que realmente pensa, como aconteceu quando foi votada a votação do projeto que endureceu as regras de saída de presos. “A PEC representa uma tentativa do governo de mostrar liderança na questão da segurança pública, em que o governo deixa muito a desejar. Embora ainda seja tênue diante dos desafios da área, a proposta apresenta temas que precisam ser abordados”, afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “A PEC não terá vida fácil no Congresso, pois a direita não quer oferecer liderança à esquerda num tema que lhe é tão caro.”

CULTO NO PLANALTO – Lula e os evangélicos: fé sequestrada pela política
CULTO NO PLANALTO – Lula e os evangélicos: fé sequestrada pela política (Marlene Bergamo/Folhapress/.)

Outras ações do presidente foram tomadas de olho no ânimo do eleitorado. Entre eles, uma nova tentativa de chegar aos evangélicos. Nesse segmento, a desaprovação ao governo é de 55%, 14 pontos acima da média de 41%, segundo a pesquisa Genial/Quaest. Além da fragilidade na base dos fiéis, Lula enfrenta dificuldades na cúpula, principalmente com lideranças evangélicas que se aproximaram do ex-presidente Jair Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. “Lula pode inventar o que quiser, Minha Casa, Minha Vida e Bolsa Família com cara evangélica, e esse movimento não chegará nem a 1% dos fiéis”, diz Malafaia. O presidente não tem escolha a não ser tentar, já que os evangélicos representam cerca de 30% da população brasileira. E tentou mais uma vez entre o primeiro e o segundo turno das eleições municipais, quando organizou uma cerimônia no Palácio do Planalto para sancionar a lei que instituiu o Dia Nacional da Música Gospel. A cerimônia teve como convidado especial o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), que é pastor —até pouco tempo cerrou fileiras com Bolsonaro e chegou a ser investigado no inquérito das fake news.

Em sintonia com o governo, o parlamentar declarou que os evangélicos não têm “dono” e que estão “entre os brasileiros mais favorecidos” por suas políticas sociais. Em um único sermão, tentou distanciá-los do ex-presidente e aproximá-los de seu sucessor. “Minha presença neste evento teve um grande impacto porque sou um deputado historicamente ligado ao bolsonarismo. A motivação é tentar trazer a Igreja de volta ao seu verdadeiro propósito. Ela havia sido sequestrada pela política, perdendo a capacidade de diálogo”, declarou na cerimônia. A conversão do deputado ocorreu com a ajuda do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), reeleito em outubro com o apoio de Lula. “O presidente precisa fazer gestos, não são necessariamente ações de governo, são gestos pessoais, para com essas lideranças evangélicas”, afirma Paes. Os ministros também têm tentado diminuir a distância entre o presidente e o segmento. Chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), o evangélico Jorge Messias afirma que o objetivo não é substituir Bolsonaro por Lula no púlpito, mas despolitizar a Igreja e devolvê-la a Jesus Cristo.

ECONOMIA - Mercados: falta de vontade de cortar gastos causa instabilidade, desconfiança e impopularidade
ECONOMIA – Mercados: falta de vontade de cortar gastos causa instabilidade, desconfiança e impopularidade (Roberto Casimiro/Fotoarena/.)

O núcleo duro do governo, porém, quer conquistar o apoio dos fiéis, destacando programas oficiais que beneficiam os mais pobres e a classe média. “Na parte social, o presidente tem chance de aumentar o eleitorado evangélico. Todos os movimentos que o governo vem fazendo no sentido de enfrentar a vulnerabilidade social e alimentar têm a ver com essas classes sociais, mas o governo precisa se comunicar melhor”, afirma o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), líder da bancada evangélica . . Melhorar a comunicação, em todas as áreas, é uma das prioridades do Palácio do Planalto. Para tentar facilitar o cortejo aos evangélicos, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, vai lançar um curso específico para preparar militantes do partido para lidar com esse público. As aulas serão uma espécie de resumo sobre, por exemplo, o que pensam os evangélicos, como veem a política e as diferenças entre as denominações religiosas. “As políticas públicas devem ser para todos, mas precisamos ter uma comunicação melhor com esse público, falar a língua deles, explicar que os programas sociais, por exemplo, beneficiam a família, um dos pilares dos evangélicos”, observa o teólogo e pastor progressista Sergio Dusilek.

Desde antes da eleição municipal, Lula foi orientado a fazer ajustes em sua gestão, cuja avaliação positiva está estável, mas em nível próximo à avaliação negativa. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em outubro, 36% aprovam o governo e 32% desaprovam. Os números são semelhantes aos de Bolsonaro no mesmo período de mandato. Ex-assessores do presidente afirmam que a composição do ministério não reflete a ampla frente montada para derrotar o ex-presidente. Portanto, consideram que o ideal seria que Lula aumentasse os espaços de aliados no centrão, como forma de tentar oxigenar a equipe, fortalecer a base aliada no Congresso e amarrar os partidos do Centrão à sua eventual candidatura à reeleição . O desafio é convencer o presidente, o PT e alguns aliados a dar esse e outros rumos. O debate promete ser intenso. Tão intensa como ocorre nos principais dilemas do governo. Um deles, relacionado com a agenda internacional, diz respeito à Venezuela. No ano passado, Lula fortaleceu o ditador Nicolás Maduro ao recebê-lo com pompa e circunstância em Brasília, quando a oposição do país vizinho já alertava para a possibilidade de fraude nas eleições venezuelanas deste ano. Concluída a fraude, o governo brasileiro reagiu com cautela, alegando que precisava preservar o seu papel de líder regional. Maduro continuou no poder sob aplausos do PT, e Lula continuou com um desgaste tremendo no colo. Mais tarde atacado por Maduro, reagiu tardiamente e vetou a entrada da Venezuela como parceira nos Brics. A decisão deixou de lado a afinidade ideológica e finalmente levou em conta a recomendação dos profissionais da chancelaria.

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INTERNACIONAL - Putin e Maduro: fim da parceria com o ditador venezuelano
INTERNACIONAL – Putin e Maduro: fim da parceria com o ditador venezuelano (Maxim Shipenkov/POOL/AFP)

A dúvida do presidente estende-se a outros campos, alguns deles mineiros. Com quase dois anos de mandato, Lula ainda não decidiu o nível de comprometimento que tem com o equilíbrio das contas públicas. Com a recente alta do dólar, ele decidiu abraçar o plano do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, pensado para conter a expansão das despesas obrigatórias e da dívida pública. A questão agora é ver seu tamanho (leia o artigo na página. 48) e execução. Há dúvidas sobre qual caminho seguir, quais medidas adotar, com que intensidade — e não apenas na área econômica. Experiente e habilidoso, o presidente ensaia uma reação num momento em que a esquerda enfrenta desgastes —e a direita e os conservadores ganham terreno. A situação, que já era complicada, tornou-se ainda mais desafiadora com a vitória de Donald Trump nas eleições americanas. A lista de adversários de Lula em 2026 aumentou consideravelmente. Dependendo do desgaste, simples retoques podem ser insuficientes para restaurar uma pintura outrora luminosa.

Hugo Marques e Lucas Mathias colaboraram

Publicado em VEJA em 8 de novembro de 2024, edição nº. 2918



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