Ponto-chave na campanha de Donald Trump, o endurecimento das leis de imigração é uma das promessas do recém-eleito presidente americano que deverá ter maior impacto no Brasil. Com promessas de deportação de milhões de imigrantes irregulares, o líder da extrema direita volta à Casa Branca com uma narrativa ainda mais irascível do que nas eleições de 2016 e, se suas promessas se concretizarem, mais de 200 mil brasileiros que vivem sem autorização no país Estados Os Estados podem ser forçados a regressar ao seu país de origem.
“Vamos ajudar nosso país a se curar. Temos um país que precisa de ajuda e precisa muito dela. Vamos consertar nossas fronteiras, tudo no nosso país”, disse Trump em seu discurso de vitória na madrugada desta quarta-feira (11/06). Mais do que impedir novas chegadas ao país, o republicano quer fortalecer a fiscalização dos imigrantes irregulares, público com grande presença brasileira.
Segundo o último relatório publicado pelo Departamento de Segurança Interna (DHS) dos Estados Unidos, existem cerca de 230 mil brasileiros vivendo irregularmente em território americano. O número foi levantado pelo órgão governamental entre 2018 e 2022 e coloca o Brasil como a oitava nação no ranking.
A lista é liderada pelos mexicanos, que somam mais de 4,8 milhões; seguido por 750 mil guatemaltecos; 710 mil salvadorenhos; 560 mil hondurenhos; 350 mil filipinos; 320 mil venezuelanos; e 240 mil colombianos. No total, o DHS contabiliza 10,9 milhões de imigrantes não autorizados.
Caso sejam obrigados a retornar, os brasileiros retornarão ao território nacional vindos de Belo Horizonte. O Aeroporto Internacional de Confins é o destino de todos os voos com deportados no país. Em balanço enviado pela BH Airport, concessionária que administra o terminal, à reportagem, são 24 voos e 2.672 pessoas em viagens desse tipo entre janeiro de 2023 e setembro deste ano.
Confins é o aeroporto estratégico porque Minas Gerais é um estado de destaque nas operações de migração ilegal para os Estados Unidos. A Polícia Federal (PF) contabiliza dezenas de ações para combater gangues que levam mineiros ilegalmente para a América do Norte.
Numa última grande ação, a Operação Sáfaro, a PF ordenou o bloqueio de cerca de R$ 35 milhões e cumpriu mandados de prisão em Governador Valadares, Frei Inocêncio, Sapucaia de Guanhães e Jampruca. A corporação tinha como alvo uma quadrilha suspeita de ter levado mais de 327 brasileiros para os Estados Unidos, sendo 101 menores.
Retorno reforçado
Trump regressa à Casa Branca após vitória eleitoral em 2016 e derrota em 2020. Sem aceitar esse revés, o republicano protagonizou ataques públicos de raiva negando os resultados das sondagens, viu os seus apoiantes atacarem o Capitólio e foi mesmo condenado em tribunal por falsificação de negócios discos e comprar o silêncio de uma ex-atriz pornô mediante pagamento.
Apesar da trajetória conturbada, a visão dos especialistas é que o presidente americano chega ao poder reforçado por uma grande vitória nos colégios eleitorais e no voto popular contra a democrata Kamala Harris. Para o professor da PUC Minas e do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFMG José Luiz Quadros de Magalhães, Trump deve cumprir até as suas promessas mais iradas.
“No primeiro governo Trump, muitos que participaram o criticaram, e ele disse que agora isso não vai acontecer porque vai se cercar de apoiadores realmente leais que farão o que ele determinar. Isto inclui políticas de imigração e raiva em relação aos imigrantes. Estas promessas serão cumpridas e os Estados Unidos dispõem de um imenso aparato logístico e jurídico para o fazer. É importante lembrar que o que se chama de Estado Mínimo nos EUA vale para a economia, mas é um Estado Máximo em inteligência, segurança interna e externa e forças armadas”, avalia.
O professor relembra o primeiro mandato do recém-eleito presidente americano, em que seu discurso não foi totalmente verificado na prática, mas já significou políticas cruéis de deportação. “Houve muita retórica, a questão da construção do muro, por exemplo. Toda a retórica não se transformou em realidade, mas infelizmente, para muitas pessoas, famílias de imigrantes e crianças, parte do discurso tornou-se terrivelmente real. Um dos acontecimentos que podemos recordar foi a separação dos filhos dos pais em total insensibilidade, numa ação que relembra os piores governos ditatoriais e autoritários do mundo. Se Trump teve alguma dificuldade em implementar os seus desejos políticos, esta dificuldade não ocorrerá desta vez porque ele conhece melhor o setor público”.
Para Lucas Carlos Lima, professor de Direito Internacional da UFMG, não se sabe se Trump conseguirá transformar seu discurso em prática. Para o especialista, porém, elementos já citados pelo republicano ao longo da campanha são sinais dos caminhos que podem ser tomados para aplicar medidas severas.
“O que se pode esperar é um ressurgimento da política de migração e talvez uma maior ênfase na fiscalização em relação aos migrantes ilegais. Em tese, já existe legislação capaz de acabar com a migração ilegal, mas, para respeitá-la, é necessário seguir o devido processo legal. A sua estratégia jurídica é utilizar legislação antiga que não garante o devido processo aos imigrantes ilegais. Isto certamente será contestado em tribunal. Durante a campanha, Trump mencionou a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798, que permitiria às autoridades contornar o devido processo para deportar membros de cartéis de drogas ou gangues criminosas. Se puder ser efetivamente utilizado, implicaria um processo altamente arbitrário que não exigiria contraditório e devido processo legal”, pontua.
Sobre como as relações internacionais podem ser afetadas pela postura em relação aos migrantes irregulares, Lucas Carlos Lima destaca que a deportação não exige nenhum tipo de tratado entre as nações. Ainda assim, o desrespeito pelos direitos humanos pode causar perturbações nas relações diplomáticas.
“A deportação é um direito de todo Estado. No entanto, o direito internacional impõe a necessidade de respeitar o devido processo legal para evitar deportações arbitrárias, cruéis ou que representem risco para a vida do indivíduo. Não é necessário um acordo governamental para que um Estado realize a deportação. Via de regra, a prática administrativa é a devolução ao Estado de origem. Naturalmente, a condição de que os imigrantes de determinada nacionalidade possam causar atritos diplomáticos e reclamações do país de origem devido ao tratamento dispensado aos seus nacionais. Obviamente, entrar no campo político, depende muito da capacidade de um Estado defender os seus nacionais para exigir tratamento diferenciado”, conclui.
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