O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou a retirada de circulação de quatro livros.
Ele viu nas obras conteúdos homofóbicos e misóginos que “violam a dignidade da pessoa humana”. Por isso, determinou que os livros só poderiam ser republicados caso fossem retiradas “as seções incompatíveis com a Constituição”, e multou os autores em 150 mil reais.
Os trechos que o ministro cita são sim odiosos e devem ser repudiados com toda energia. Mas isso é motivo para ser censurado?
O ministro disse que não se trata de censura prévia. Você tem razão. Não é uma prévia, é apenas censura, na verdade.
Censura do bem.
Por mais abominável e ofensivo que seja o ponto de vista dos autores, continua a ser o ponto de vista dos autores – e a liberdade de expressão é um direito previsto na Constituição. (Na verdade, se o ministro pensa que a homofobia e a misoginia devem ser censuradas, deveria começar por censurar a Bíblia, que nem sequer tem autor conhecido, condição exigida pela Constituição.)
O ministro revogou uma liberdade fundamental expressa, garantida em cláusula imutável da Constituição Federal, para defender uma liberdade vaga de ninguém em particular. Ele fez isso por meio de uma decisão monocrática que revogou uma decisão colegiada de um tribunal federal. De uma forma algo orwelliana, declarou que a sua decisão defende a Constituição que viola.
Há mais de 300 anos que se considera que o bem proporcionado a todos pela liberdade de expressão é maior e mais importante do que o conforto e o bem-estar intelectual de alguns cidadãos ou grupos. Agora, a garantia da liberdade de expressão existe justamente para que possam ser ditas coisas desagradáveis e ofensivas. Ninguém precisa de garantia constitucional para dizer coisas fofas e reconfortantes.
A missão do STF é defender a Constituição, especialmente no que diz respeito às liberdades fundamentais. Relativizar tais garantias é algo perigoso, que só pode ser feito em casos extremos, com a concordância do tribunal como um todo. Mas o Supremo Tribunal tem tratado essas garantias de forma descuidada há muito tempo.
Esta conduta imprudente desmoraliza o tribunal aos olhos da opinião pública, dá um mau exemplo aos tribunais inferiores, alimenta a narrativa de que o tribunal persegue a direita e intensifica o conflito com o Congresso.
Não é bom para ninguém.
(Por Ricardo Rangel em 04/11/2024)
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