A traição da diversidade | VEJA

A traição da diversidade | VEJA



O Economista fiz um extenso artigo sugerindo que estamos vivenciando um recuo da onda acordouespecialmente nos Estados Unidos. Por onda desperta, entendemos a obsessão em torno de temas de gênero, raça e orientação sexual, que ganhou velocidade incrível desde o início da última década. Isto ocorre na sequência das redes sociais, de movimentos como o Black Lives Matter, da reação à eleição de Trump e das guerras culturais. Um movimento que migrou rapidamente das universidades para as empresas, para a publicidade e que se tornou um tanto sufocante nos últimos anos. A onda agora parece ter esfriado. O ponto de virada pode ter sido aquele comercial da Bud Light com uma imagem de Dylan Mulvaney, o ativista trans, na lata de cerveja. Todo mundo sabe o resultado. As vendas despencaram, a empresa sofreu uma perda histórica. Não foi um caso isolado. Várias empresas, como John Deere, Disney e muitas outras, anunciaram a sua retirada. O caso mais recente é o da Ford, informando que não utilizará mais cotas nas contratações e evitará os “temas polarizadores” da agenda identitária. A mudança nos negócios não acontece no vácuo. As menções ao termo “privilégio branco” caíram de 2,5 vezes para apenas 0,4 para cada milhão de palavras em New York Timesentre 2020 e 2023. E menos de metade do público, num inquérito Gallup/Bentley, pensa que as empresas deveriam falar abertamente sobre questões raciais ou LGBTQIA+. Há sinais de mudança na cultura.

Uma hipótese é que as pessoas aprendam lentamente a separar o joio do trigo. Aprender que é muito bom cultivar valores como respeito, tolerância e acesso a oportunidades. Mas é terrível que estes valores, reunidos sob a generosa ideia de diversidade, se transformem numa ideologia. Com tudo o que uma ideologia tem direito: em vez de abertura à diferença, controle; em vez do respeito, a lógica do conflito permanente; esse estranho destino que parece acompanhar tudo o que se torna ideologia: o esquecimento dos melhores valores que existiam quando tudo começou. De minha parte, sempre tive essa curiosidade: por que diabos a obsessão por identidade tomou conta das empresas? Por que se abriu tanto espaço para esse tipo curioso de “ativista empresarial”. Ele e sua retórica pronta, seu horror a quem pensa diferente, sua incrível capacidade de estar sempre perto dos centros de decisão. Há algum tempo, conversei com alguns líderes empresariais sobre o assunto. A maioria não sabia como explicar. “As coisas simplesmente aconteceram”, disse um executivo. No início, pareciam ótimas ideias. Belas palavras sobre “inclusão” e “respeito”. Uma sugestão aqui, uma recomendação do setor de RH ali, uma campanha de identidade, um conselheiro dizendo que “é importante criar um comitê de diversidade”. E então veio a inclinação. Os cursos de “alfabetização de gênero e racial”, proibição de palavras, infinitos códigos de conduta, linhas diretas. Um executivo foi claro: o que conta é o medo. “Este grupo tem o poder de afetar a reputação das empresas, é melhor prevenir.” Na prática, criou-se uma chantagem muito sutil. Algo como: somos minoria, mas se a nossa agenda não avançar, coisas complicadas podem acontecer.

“Uma característica da cultura acordada é a conversão de quase tudo em retórica”

Faz sentido. O mundo hiperconectado aumentou a fragilidade de todos. A era do que James Bartholomew chamou de “sinalização de virtude”. A conversa do bem. Do tipo que adora jato, mas não perde a oportunidade de falar sobre aquecimento global; que vê a sua identidade como um santuário, mas a do próximo como uma perversão. Há um traço de cultura acordou: a conversão de quase tudo em retórica. Aplica-se à composição étnica de um comercial, a um simples debate na faculdade, ou talvez ao tamanho da lingerie e aos tipos de modelos em um desfile de moda da Victoria’s Secret. Em uma palavra: obsessão. A posição do justoo “moralista”, de Jonathan Haidt. O que geralmente chamamos de monismo na teoria ética. Na prática, a migração, por vezes bastante subtil, da inclusão para a exclusão. A ideia de que um determinado aspecto da realidade — exatamente aquele em que acredito — é capaz de organizar o mundo e dizer o que define a justiça e a virtude. Algo que já foi ideia de “classe social”, para a esquerda, mas que em algum momento migrou para a órbita das “identidades”. E, a partir daí, a marcação apertada, os muros com palavras de ordem, o discurso emocionado. E depois a intolerância, a regulação da linguagem e dos gestos. Tudo o que se torna o nosso pão de cada dia. Mas lentamente gera impaciência.

Há aí um paradoxo: o empobrecimento da ideia de diversidade. A tola ideia de que a imensa variedade humana possa ser classificada em dois ou três pertencimentos coletivos, associados a critérios de gênero, raça e orientação sexual. Há algum tempo li o texto que dizia que “a raça é o fator essencial na definição da nossa identidade”. Achei perfeitamente razoável alguém se definir dessa forma. Mas implausível, como uma espécie de metafísica. Uma espécie de monismo existencial, que acaba por esterilizar, em vez de dignificar, a ideia de diversidade. As identidades podem surgir do cultivo de diferentes valores e formas de pensar. Dos vínculos afetivos, da religião, da formação cultural. Ou talvez um sentido ativo de individualidade, cosmopolitismo, amor pela ciência e dúvida intelectual. Não passa de uma visão presunçosa da vida definir uma determinada classificação para organizar essas coisas.

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O que parece ter se perdido é a hipótese de aprendizagem. Nunca esquecerei a história de cimeira da cervejanos jardins da Casa Branca. Um dia, no verão de 2009, Henry Louis Gates, um professor negro de Harvard, chegou de uma viagem e por algum motivo não conseguiu abrir a porta de sua casa. Ele forçou a entrada, com a ajuda do motorista. Foi quando uma viatura da polícia foi verificar o que estava acontecendo e a professora acabou presa por James Crowley, um policial branco. Crowley afirma que prendeu o professor apenas porque o ofendeu por fazer seu trabalho. Gates viu ali um caso claro de racismo. Quando o caso estava prestes a se transformar em guerra, o recém-eleito Barack Obama entrou em cena. Ele ligou para os dois lados e convidou Gates e Crowley, além de seu vice-presidente, Biden, para uma cerveja na Casa Branca. Essa cena sempre vem à mente. Olho no olho. A conversa calma. A chance de aprender, contra a guerra. O gesto de Obama parece perdido no tempo. Mesmo as instituições educativas parecem carecer de um sentido de diálogo e aprendizagem. Não é nada bom. Significa perder uma lição elementar da tradição iluminista. Que sejamos capazes de entender os motivos uns dos outros e rever posições. E perdoe, inclusive, e não enfie a faca de uma autoproclamada virtude em seu pescoço. Celebrar, em suma, a incrível riqueza da diversidade, em vez de usar ideias generosas como uma nova forma de poder. Como, aliás, já estamos cansados ​​de observar ao longo da história.

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

Os textos dos colunistas não refletem necessariamente a opinião de VEJA

Publicado em VEJA em 25 de outubro de 2024, edição nº. 2916



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