Governo enviou ao Congresso dois projetos que alteram regras de contabilização de empresas públicas

Governo enviou ao Congresso dois projetos que alteram regras de contabilização de empresas públicas


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que o objetivo é explorar a possibilidade de reduzir as contribuições federais a algumas empresas estatais. (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Sob o argumento da redução das contribuições do Tesouro às “empresas estatais dependentes”, o governo propõe “emancipá-las”, mas pode estar apenas a abrir espaço para contornar o quadro fiscal. O governo Lula da Silva enviou ao Congresso dois projetos que alteram regras contábeis para empresas públicas. Pela proposta, empresas estatais que dependem de recursos do Tesouro, como Telebras e Codevasf, poderão ser transferidas dos Orçamentos Fiscais e da Seguridade Social (OFSS), onde ficam mantidas as despesas sujeitas a limites fiscais, para o Orçamento de Investimentos , em que as empresas financeiramente independentes, como a Petrobras.

Trata-se de uma medida que, à primeira vista, exala um ar de esperteza fiscal, pois facilita a filtragem dos gastos do orçamento federal. Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defenda que o objetivo é explorar a possibilidade de redução da contribuição federal às empresas estatais “que tenham condições de emancipar-se, por assim dizer, do Orçamento”, a medida gera desconfiança porque, como disseram especialistas consultados pelo Estadão, o monitoramento dos gastos dessas empresas tende a ficar mais frouxo.

Cerca de 95% dos R$ 39 bilhões de custos previstos para este ano com as 17 estatais dependentes virão do Tesouro. Se as receitas próprias destas empresas são mínimas e se têm de ser mantidas com o dinheiro dos contribuintes, não parece razoável que sejam tratadas como empresas que não necessitam de recursos públicos para funcionar. A ideia do governo é que a pequena parcela da receita produzida por essas estatais fique no caixa da própria empresa, em vez de fazer parte do caixa da União, como acontece hoje, o que as libertaria para cobrir despesas um pouco além os limites do quadro.

O argumento – que parece frágil face às atuais necessidades destas empresas – é promover uma transição para uma situação de independência. Há quem considere que o desenho foi feito sob medida para a Telebrás, que ficou dependente em 2020 e tem dificuldades para pagar fornecedores. Mesmo assim, a ideia de transferir as estatais dependentes para a categoria de investimento parece estar mais alinhada com a ladainha de Lula da Silva segundo a qual gasto público é “investimento”.

A manobra tem o potencial de abrir espaço orçamental para novas despesas. Mesmo que não seja um volume significativo, segundo especialistas, isso constituiria um drible no quadro fiscal. As contribuições do Tesouro continuarão a ser contabilizadas no Orçamento, mas as despesas viabilizadas com receitas próprias ficarão fora de controlo.

Quebrando regras

A desconfiança com as consequências aumenta quando a medida é comparada com outros sinais emitidos pelo governo, como o descumprimento de regras que prevêem a extinção de cargos na Telebrás. Em vez de reduzir os cargos comissionados da empresa de 56 para 31 até julho deste ano, o governo cedeu mais cargos à estatal, responsável pela política de inclusão digital, além de retirá-la da lista de privatizações. Como agravante, há também indicações de parentes e apadrinhados de membros do governo, seguindo a mesma linha adotada pela Codevasf. Responsável por obras no Vale do São Francisco, a empresa é outra empresa dependente e ficou conhecida como “a estatal do Centrão”.

A “transição para a independência” proposta pelo governo ocorreria com a utilização do contrato de gestão, dispositivo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição. É um instrumento firmado entre órgãos da administração direta e indireta e autoridades públicas utilizado para definir metas de desempenho. Originalmente, o objetivo é aumentar a eficiência e a sustentabilidade das empresas públicas. Usá-lo para “emancipar” estatais dependentes é um risco ou, como explica a presidente da Associação de Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, Lucieni Pereira, irresponsável.

A privatização, tal como planeada para algumas destas empresas, seria um mecanismo mais transparente, rápido e definitivo para as retirar do Orçamento. Mas uma das primeiras medidas anunciadas por Lula da Silva no seu terceiro mandato foi retirar dez empresas estatais dos programas de privatizações e parcerias, incluindo as “dependentes” Telebras, Conab, EBC, Nuclep e Ceitec. (Opinião/Jornal O Estado de S. Paulo)