As eleições ainda não terminaram em muitas cidades do Brasil, mas uma decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pode ter impacto significativo na gestão dos futuros prefeitos que tomarão posse no início do próximo ano. Isso porque um caso que voltou à pauta do tribunal discute a possibilidade de manutenção ou construção de novos aterros sanitários no entorno de áreas de proteção permanente (APPs) em municípios de todo o país. O caso está previsto para ser analisado no dia 23 de outubro, dias antes do segundo turno.
A deliberação do STF tem potencial para amenizar a crise do lixo no Brasil. Em 2018, os ministros consideraram inconstitucional a gestão de resíduos em APPs e ordenaram o fechamento de todos os aterros nessas localidades. O governo federal, porém, identificou diversos riscos decorrentes da decisão e protocolou declaração de embargo pedindo aos ministros que revisassem o entendimento. Caso o STF mude de posicionamento, a manutenção dos aterros sanitários poderá impedir a criação de novos aterros, pois os resíduos despejados irregularmente poderão ter destinação ambientalmente adequada.
O país ainda sofre com cerca de 3 mil lixões em funcionamento e tinha até agosto deste ano para cumprir o prazo estipulado na Política Nacional de Resíduos Sólidos e acabar com todos os que ainda estão em funcionamento – 10 anos após o prazo inicial dado para fechamento. Com isso, mais de 33 milhões de toneladas foram depositadas irregularmente nesses locais. Agora, os gestores públicos correm o risco de encontrar um obstáculo intransponível na luta pela erradicação dos aterros.
Para atender à demanda atual e eliminar de vez os aterros, seria necessária a construção de 448 aterros regionais, segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). “No entanto, as obras de construção de aterros exigem grandes áreas livres para instalação, espaços que não existem mais nas cidades do país, principalmente as grandes e capitais. Na zona rural, grande parte dos terrenos possui vegetação e fontes de água, por isso cerca de 80% dos aterros legais estão em contato com APPs”, afirma Pedro Maranhão, presidente da associação.
Segundo a entidade, a construção de aterro sanitário, em qualquer área, segue a legislação vigente e deve atender às exigências ambientais. A construção de aterros legalizados somente ocorre com a emissão de todos os licenciamentos exigidos pelos órgãos ambientais, municipais, estaduais ou federais e, após a emissão da licença, os locais são permanentemente fiscalizados pelos órgãos ambientais. Por isso, ele defende que não é necessária a remoção de aterros próximos às APPs.
“A proibição de aterros em APPs implicará a desativação de dezenas desses projetos já em operação e dificultará a implementação daqueles necessários para garantir a destinação ambientalmente adequada dos resíduos atualmente despejados em aterros. Isto irá colapsar o sistema de saneamento brasileiro, inviabilizar a gestão de resíduos e encorajar a proliferação de aterros sanitários. Veríamos um retrocesso de 20 a 30 anos no esforço nacional de fechamento de aterros, aumentando drasticamente o impacto ambiental e os riscos à saúde pública da população”, pondera Maranhão.
Risco ambiental
Estudo realizado em maio deste ano pelo consultor do Banco Mundial Luis Sergio Akira Kaimoto identificou que, caso o STF não reveja o entendimento, onze capitais do país terão que remover aterros já construídos e reaproveitar mais de 30 milhões de toneladas de resíduos, que deverá causar graves impactos sociais, ambientais e económicos.
Segundo Kaimoto, outra consequência grave da decisão seria o aumento das emissões de gases de efeito estufa. Nesse caso, a retirada dos aterros sanitários desses locais exigiria o transporte de milhares de carretas de lixo por todo o Brasil e geraria um impacto significativo. “Esse aumento nas emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera seria da ordem de 17,6 bilhões de toneladas de carbono equivalente, correspondendo ao desmatamento de uma floresta 20 vezes maior que a Floresta da Tijuca, no Estado do Rio de Janeiro, ou de todo o cidade de Salvador”, explica.
O consultor afirma que os aterros operados no Brasil têm “absoluto controle ambiental e técnico” e são reconhecidos tanto pelo próprio Banco Mundial quanto por órgãos ambientais internacionais por serem uma das soluções mais seguras do mundo. “A erradicação deve avançar de forma contundente, definitiva e irreversível. Ao interpretar que as obras de gestão de resíduos não são de utilidade pública, os diversos avanços alcançados nos últimos anos pelo setor serão fortemente impactados, podendo até gerar retrocessos que causarão um grave problema de saneamento em grande parte do país, se não o seu colapso”, finaliza.
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