As reflexões de Almodóvar sobre a vida e a morte n…

As reflexões de Almodóvar sobre a vida e a morte n…


Ingrid (Julianne Moore) sofre de um medo atroz da morte. Para lidar com esse medo, ela escreveu um livro sobre o assunto — e, apesar de não ter cumprido o propósito de aliviar a fobia da autora, a obra a colocou em um caminho direto e pessoal com o assunto. Durante uma sessão de autógrafos, Ingrid reencontra uma velha conhecida que lhe dá a dura notícia: outra velha amiga, Martha (Tilda Swinton), está hospitalizada com câncer terminal. Ingrid e Martha trabalharam juntas em uma revista na década de 1980 e perderam contato anos atrás. Ao visitá-la no hospital, o escritor se reencontra com a solitária e se torna uma companheira inesperada em seus últimos meses de vida. Nesta base melancólica e aparentemente simples, o cineasta Pedro Almodóvar, 75 anos, constrói o belo e intrigante drama O quarto ao lado (O quarto ao ladoEspanha/Estados Unidos, 2024), que estreia nos cinemas na quinta-feira, dia 24 — trazendo consigo o Leão de Ouro deste ano, prémio máximo do Festival de Veneza e tradicional porta de entrada para o Óscar.

Primeiro longa-metragem do diretor espanhol falado em inglês, a produção coroa a fase atual e mais introspectiva de Almodóvar — em que, ao cruzar a linha dos 70 anos, ele começou a refletir sobre suas escolhas até agora, os males que ocorrem sem aviso prévio ao ser humano corpo e a inevitável finitude da vida. Marca o início desta etapa, a soberba Dor e Glória (2019), em que o diretor faz uma autoficção acompanhando um cineasta solitário que tem dificuldade para trabalhar porque sofre de terríveis dores nas costas — quadro que também atinge Almodóvar. A limitação física se reflete nas escolhas narrativas de O quarto ao lado: permanece o típico banquete de cores quentes do cineasta, seu gosto característico pelo melodrama e pelo humor ácido, mas o ritmo dos acontecimentos desacelera, repleto de diálogos longos e poéticos e poucas cenas de contornos austeros.

Ao lado de Ingrid, Martha relembra detalhes de sua vida. Da gravidez inesperada que resultou em um relacionamento distante entre ela e a filha. Dos meus tempos como correspondente de guerra, quando vivia diariamente com o horror humano. E o amante do passado que ele teria novamente se pudesse: no caso, Damian (John Turturro), que também teve um relacionamento com Ingrid. A escritora mantém contato com o homem escondido da amiga, trama paralela que acentua seu susto de morte: Damian é um intelectual alarmista, que vê as mudanças climáticas e o avanço do extremismo político como a última pá no túmulo da humanidade. Quando um tratamento em fase de testes se mostra ineficaz, Martha busca a eutanásia, o que é proibido nos Estados Unidos, onde a trama se desenrola. Ao contrário da amiga e do ex-namorado, ela não teme o fim, mas sim a agonia da doença e a triste possibilidade de sair sozinha. Por isso, ele pede um favor a Ingrid —uma exigência que se torna o fio condutor da história.

DESAFIO – Almodóvar e as atrizes: o primeiro filme do diretor espanhol em inglês (Sony Pictures/Divulgação)

O quarto ao lado é livremente inspirado no livro O que você está enfrentandode Sigrid Nunez, que acaba de chegar ao Brasil pela editora Instante. Na obra, o protagonista ouve histórias de dor e superação de diversas pessoas (e até de um gato). Na leitura do diretor, são expostos os temas que lhe são caros. O direito à liberdade de escolha, a busca por relações humanas profundas e pela beleza em meio à tragédia são alguns exemplos. Ao falar da morte, Almodóvar destaca a vida. Martha não tem pressa em ir embora nem se ressente do que fez ou deixou de fazer. Ao lado da amiga, com quem partilha o gosto pela leitura e pela escrita, encontra a companhia ideal para conversar sobre o que lhe dá prazer: referências literárias e cinematográficas abundam nos diálogos. As duas atrizes, nada menos que extraordinárias, fazem do roteiro uma dança leve, coreografada e que parece fácil sem ser.

Mesmo interpretando uma pessoa fraca, Tilda é a vigorosa: ela fala, desabafa, lembra e planeja os dias que lhe restam. Julianne oferece um contraponto, com uma atuação contida, mas calorosa. Num momento de transbordante doçura, eles assistem ao filme de 1987 Os Vivos e os Mortosde John Huston, adaptado da obra de James Joyce. No dia da filmagem dessa cena, Tilda chegou ao set vestindo um suéter colorido que encantou Almodóvar — e virou figurino do personagem. Observando o cenário e a roupa do colega, Julianne teve uma epifania óbvia, mas significativa: “Meu Deus, estou num filme de Almodóvar”, disse ela. Entrar na visão de mundo do mestre espanhol é um privilégio — até a solidão aqui ganha cores vibrantes.

Publicado em VEJA em 18 de outubro de 2024, edição nº. 2915



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