Ministério da Saúde não tem política pública para vício em jogos de apostas

Ministério da Saúde não tem política pública para vício em jogos de apostas


Em ofício à Câmara, o ministério admitiu que é preciso traçar ações para conter a perturbação entre a população. (Foto: Reprodução)

Ao mesmo tempo que o governo traça medidas para reduzir o impacto negativo do endividamento e da dependência das apostas online no país, o Ministério da Saúde ainda não apresentou uma política pública específica para abordar a ludopatia — como é conhecido o vício em jogos — no público rede. Em entrevista no Palácio do Planalto, a ministra Nísia Trindade admitiu não ter um plano final, mas disse que o foco será no fortalecimento das campanhas de prevenção, com ações educativas e reforçando o tema na abordagem dos profissionais.

“É um fenômeno novo, seria errado eu dizer que tudo já foi feito. Temos que trabalhar na prevenção, no cuidado e de forma integrada com todo o governo”, disse Nísia após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros ministros.

O responsável pela Saúde defendeu no encontro a disponibilização de tratamento para a dependência do jogo como o dado ao tabagismo. No caso do tabaco, porém, o ministério possui uma política pública específica, inserida no Programa Nacional de Controle do Tabagismo, que prevê protocolos para tratamento adequado no SUS, além de campanhas e ações educativas.

Documento

No caso do vício em jogos, o próprio ministério admitiu, em ofício enviado à Câmara no final de agosto, que não possui nenhuma política pública focada no tema. No documento, o Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Desmad) afirma que o atendimento nesse tipo de caso é feito pela rede Caps (Centro de Atenção Psicossocial), com 2.947 unidades no país.

“As metodologias de cuidado em saúde mental não estão organizadas por patologias específicas, mas para atender pessoas em situação de sofrimento mental associado a um amplo espectro de sofrimentos e transtornos mentais”, diz o documento.

O ofício foi enviado pelo Ministério da Saúde após pedido de informações do deputado delegado Fábio Costa (PP-AL) sobre “ações adotadas pela secretaria em relação ao transtorno do jogo”. O parlamentar listou 13 questões sobre o tema nas quais pediu esclarecimentos. “Quais são as campanhas de conscientização realizadas pelo Ministério da Saúde para informar a população sobre os riscos associados ao transtorno do jogo e os sinais de alerta para identificar esse problema?”, questiona o parlamentar em um dos itens. A resposta do Ministério da Saúde foi que não existe: “Neste momento não existem campanhas de sensibilização associadas aos distúrbios do jogo e aos sinais de alerta”.

Desafio

Da resposta dada à Câmara em agosto até o início de outubro, porém, o governo passou a tratar o tema como prioridade e formou um grupo de trabalho para discutir políticas públicas de prevenção e tratamento adequado do vício patológico em games. “Entre as medidas adotadas diante do cenário desafiador do jogo e do consequente crescimento da dependência, destacam-se a qualificação e atualização dos profissionais que atuam nas ações assistenciais e de promoção e prevenção”, afirmou o ministério, em nota.

Números do ministério mostram que desde o ano passado a rede pública registrou um aumento no número de pacientes que procuram ajuda. Os registros de atendimentos a pessoas com sintomas de jogo patológico passaram de 841 em 2022 para 1.290 em 2023, um aumento de 53%. Até julho de 2024, já foram registrados 2.406 casos.

Estudos

Nísia trouxe ao presidente Lula estudos internacionais sobre medidas adotadas em outros países para reduzir o acesso aos jogos online, bem como sugestões de medidas para o Ministério da Saúde adotar sobre o tema, que ainda não foram divulgadas.

Num destes estudos, publicado na revista científica Lancet em agosto de 2022, os especialistas citam o aumento dos impostos sobre as apostas e a oferta de intervenções farmacológicas e psicossociais combinadas para os danos associados ao jogo como medidas eficazes. “É necessária uma abordagem de saúde pública abrangente, com bons recursos e bem coordenada para proteger as pessoas mais vulneráveis, reduzir a exposição a produtos de jogo e fornecer ajuda àqueles que sofrem danos associados ao jogo”, aponta o estudo. .

Urgência

A psiquiatra Analice Gigliotti, professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), considera necessária que o governo tenha programas e ações específicas para combater o vício do jogo.

“Essas pessoas estão necessitadas. Existem poucos centros especializados em transtornos de jogo. Antes você tinha que ir a Las Vegas para jogar. Agora está na palma da sua mão. A dependência é muito mais clara. As pessoas se endividam, gastam o dinheiro de todos. E aí vem a ideia do suicídio”, afirma.