Após 11 anos de carreira, a banda Francisco, o Homem está se preparando para deixar o palco por tempo indeterminado. Conhecido por misturar ritmos latinos em músicas repletas de ativismo político, o grupo formado pelos paulistas Andrei Kozyreff, Juliana Strassacapa e Helena Papini, e os irmãos mexicanos naturalizados brasileiros Sebastián e Mateo Piracés-Ugarte, se apresenta em São Paulo nesta sexta-feira. Dia 4, na Casa Natura, com show especial cantando Novos Baianos. Em entrevista a VEJA, Sebastián e Mateo falaram sobre a atual turnê de despedida e projetos para o futuro. Confira abaixo os principais trechos:
No show desta sexta-feira, dia 4, em São Paulo, você apresentará o álbum na íntegra Acabou de chorardos Novos Baianos. O que levou à escolha deste álbum?
Matheus: Em 2022 fomos convidados para um projeto do Sesc 24 de Maio em que artistas e bandas apresentavam discos muito importantes da música brasileira que completavam 50 anos. Fomos convidados a fazer Acabou de chorare funcionou perfeitamente, porque tínhamos acabado de regravar a música Brasil Pandeiro durante a pandemia. Além disso, os Novos Baianos eram mais que um grupo musical contratual, tinham um estilo de vida e uma proposta familiar que sempre foram referência para Francisco, El Hombre. Outras pessoas também nos compararam a eles, nossa banda tem uma relação comunitária e familiar muito parecida, uma conexão que vai além da música e dos shows. Então o projeto se encaixou perfeitamente para nós, tanto que continuamos percorrendo diversas cidades com esse show após a apresentação no Sesc. A experiência até nos permitiu expandir nossos horizontes musicais. Isso foi ainda mais valioso porque logo após o show fizemos uma sequência de gravações para o disco comemorativo de 10 anos da nossa banda, e usamos muito do virtuosismo musical dos Novos Baianos nos arranjos.
Sebastião: O show de sexta-feira será muito especial porque será a última vez que nos apresentaremos Acabou de chorar em São Paulo. Faremos uma pausa por tempo indeterminado, portanto, espera-se muita emoção. Quem acompanha esse projeto se apaixonou por ele, é como se fosse mais uma banda dentro do Francisco, El Hombre.
Vocês anunciaram uma pausa por tempo indeterminado e estão no meio de uma turnê de despedida. Como você decidiu fazer essa pausa? Era algo que você estava planejando há algum tempo?
Matheus: Foi uma decisão premeditada, há anos que pensamos em fazer isso, pois precisamos de um descanso que não seja só de um dia para o outro. O grande problema dessa ruptura é que percebemos a construção de uma rotina anual, um conformismo no trabalho acontecendo mesmo que a nossa proposta fosse em si antissistema. Temos uma banda, vivemos de uma certa forma cooperativa e com decisões horizontais, e mesmo dentro disso começamos a ver uma rotina que nos incomodava, pois cada um de nós tem sonhos e desejos individuais. Estamos em turnê sem parar há 12 anos e não conseguimos realizar esses desejos pessoais. Trabalhamos para o colectivo, mas também temos todo o poder para dar aos indivíduos uma pausa para refrescar as suas vidas. E agora é o momento perfeito para isso, pois nos amamos tanto que será um prazer voltarmos a ficar juntos mais tarde.
Sebastião: A pandemia foi algo que abalou as estruturas de toda a indústria cultural do Brasil, inclusive nós. A recuperação pós-pandemia não foi nada da noite para o dia, demoramos anos para alcançarmos uma nova estabilidade. Para isso tivemos que nos movimentar muito, o que gerou muito desgaste. E você não pode correr duas maratonas seguidas, você precisa de uma pausa entre elas para ter forças para seguir em frente. Então, pensamos nessa pausa como uma espécie de respiro entre a correria dos primeiros 10 anos da banda e a correria que será a eventual retomada, quando decidirmos voltar aos palcos. Até lá, queremos aprender, desenvolver e experimentar coisas novas. Sabemos que este coletivo de cinco indivíduos muito diferentes é mais forte quando cada um atinge o seu pleno potencial. A vontade de cada um de estudar e vivenciar coisas diferentes vem justamente para que possamos voltar ao coletivo fortalecidos e enriquecidos, para construir um grupo cada vez mais forte e surpreendente.
Acompanhando a turnê, vocês lançaram o álbum de despedida Até o fim. Você acredita que gravar esse projeto foi uma experiência diferente, se comparado aos álbuns anteriores, pois já havia essa perspectiva de fazer uma pausa?
Sebastião: Na verdade, o álbum foi gravado há quatro anos, quando a ideia de pausa nem existia. Gravamos músicas durante a pandemia que queríamos lançar em algum momento. Gravamos tantas músicas que dividimos o material em dois blocos: o primeiro, Casa Franciscoque lançamos com nosso reality show pandêmico; e a segunda, que reúne as músicas que consideramos mais especiais, curiosamente havia uma música chamada Até o fim“Até o fim”. Quando começámos a materializar a ideia de fazer esta pausa, parecia que o álbum já tinha sido escrito com essa intenção e éramos os únicos que não sabíamos. Parece que o álbum já norteou o caminho que a banda deve seguir. Esta foi, talvez, uma das experiências de gravação mais enriquecedoras. Após 12 anos na banda, gravar e tocar tornou-se muito fluido e confortável. Não foi um disco gravado com dificuldades, atritos ou besteiras, aliás, foi extremamente prazeroso. Estamos num excelente momento. Acabamos de regressar da Europa, da nossa segunda passagem pelo continente este ano, com a sensação de que isto é apenas o começo. Mas precisamos dar um tempinho para ele se recuperar, porque a energia é ótima, a música, a criatividade, os contatos e os shows são ótimos, só precisamos de um pouco de fôlego.
Matheus: Recentemente produzimos e editamos o segundo álbum – a banda depositou muita confiança em mim nesta parte da produção – e eu queria repensar completamente a estética do álbum. Até o fim para diferenciar as fases do grupo. E passar pelo show dos Novos Baianos mudou completamente a forma como arranjamos o disco. Então, quando fui repensar o Até o fimminha proposta foi: se vamos fazer uma pausa, o que queremos deixar para trás nessa pausa? E queria poder deixar a sensação de estar num show com a gente. Portanto, o álbum é composto por diversas vinhetas, que intercalam as músicas e criam um clima de show, justamente para “matar a saudade”, tanto minha quanto do público. Essa decisão de pausa já foi pensada há algum tempo e definiu muitas coisas. Sabíamos que precisávamos fazer a turnê do 10º aniversário, não podíamos deixar de fazer isso. Foi um processo gradual, então conseguimos nos planejar em relação a isso, e foi um processo muito legal.
Como você avalia os 11 anos de Francisco, El Hombre até agora?
Sebastião: Eu diria que é uma bola de neve, uma mistura de acaso, azar, sorte e muita dedicação. Quando paramos para observar e pensar em uma banda, percebo que muitas delas estão organizadas de uma forma extremamente parecida com uma empresa, são quase organizações empresariais. E como disse um produtor amigo meu há algum tempo, somos uma das últimas bandas fundadas no sonho de criar um novo estilo de vida. O Francisco, El Hombre é um coletivo antissistema nômade e não hierárquico que mistura muitas famílias e pessoas com a intenção de criar nossa própria sociedade, que confronta o status quo. São palavras densas, mas é porque se trata de algo denso. O que significa criar, ao longo de 11 anos, esta sociedade alternativa, que dialoga com o mundo, pois depende dele para sobreviver, e, ao mesmo tempo, tem a missão de transformá-lo através da sua própria existência? Como disse uma vez Gandhi, “seja a mudança que você deseja ver no mundo”. Francisco é talvez a personificação da mudança que queremos ver, usando os poderes que temos, que são a música e a mensagem, como o nosso pequeno grão de areia para tornar o mundo mais interessante.
Matheus: Cada vez que me sinto inseguro sobre o que farei durante esse intervalo, penso que o Francisco nunca teve sorte. Deu muito trabalho, trabalhamos muito. Francisco, El Hombre nunca fez sucesso, nunca se tornou viral. Triste, louco ou ruim [música lançada pela banda em 2016] tornou-se viral, mas Francisco não. Sempre trabalhamos duro em cada etapa, em cada tijolo que colocamos e construímos nossa carreira. Então, quando penso nesses últimos 11 anos, me sinto poderosa por ter conseguido construir algo que realmente fez a diferença na minha vida e na vida de muitas pessoas, milhares de pessoas. Algo que fez a diferença no caminho político e social, que mudou vidas com muito trabalho nosso, muito suor. Estou muito orgulhoso disso. Não é à toa que trabalho de coração cheio, de segunda a segunda.
Você sente que há uma demanda do público por posicionamento político nos discos de Francisco, El Hombre? Principalmente neste último álbum, onde você se permitiu explorar temas diferentes?
Sebastião: Sempre usamos nossa música para falar sobre o que sentíamos urgente. Nos últimos dez anos, de 2013 a 2023, vimos emergir um cenário político, transformar o país e trazer situações terríveis e criminosas que não poderíamos ignorar. Então, usamos o holofote que temos para passar a mensagem que acreditamos, que é sobre respeito e amor ao próximo, contra todo tipo de violência e a favor de toda manifestação de amor. E durante esses anos de combatividade, também sentimos vontade de falar de outras coisas, que, diante da urgência de levantar o punho e defender o que era mais importante para o mundo, acabaram perdendo espaço dentro do nosso coletivo. Agora, chegando à reta final, decidimos – com muita liberdade e sem pressões – abordar o que é mais urgente para nós. Então, quem ouve o disco? Até o fim Vocês podem ver que é um resumo de tudo o que é urgente para nós, inclusive o aspecto político. Então, sim, estamos sob muita pressão para falar de política, tanto por parte dos nossos torcedores quanto por parte daqueles que estão contra nós. E essa pressão é grande. Para apaziguar os corações, no novo álbum temos músicas rebeldes, como a faixa Pececito ou Tiburón?, mas ao mesmo tempo temos músicas sobre amor, como Muito Poquito. Além disso, celebramos todos os músicos e pessoas que encontramos na estrada que vivem desta louca arte da música. Até o fim. Nosso álbum fala sobre tudo. A única diferença é que agora não somos apenas uma banda que canta sobre questões politizadas, cantamos também sobre outras coisas.
Matheus: E há algumas coisas cuja mera existência já é política. A fronteira entre as línguas, que nos separa dentro do nosso próprio continente, não existe nos nossos registos. Temos músicas em português, espanhol, castelhano… isto também é político.
Quais são seus planos para o intervalo? Você pretende trabalhar em projetos solo ou se afastar completamente da música nesse período?
Sebastião: Olha, não consigo existir sem música, sem arte, sem criatividade. Eu não existo sem isso. E Francisco, El Hombre é como uma hidra, você corta a cabeça e aparecem vários outros no lugar. Para quem não gosta do Francisco, tenho uma má notícia: se arrancar a cabeça da banda, cinco ou mais projetos solo nascerão da mesma fonte. A previsão climática para o futuro é de uma tempestade de felicidade, música e movimento, como sempre.
Matheus: E isso. Tem uma frase que o Sebastian falava no começo da banda – é um pouco pesada, talvez eu não usasse hoje em dia – que é “a música é o nosso câncer ou a nossa salvação”. Não conseguimos largar a música. Ou deixamos que isso nos destrua ou o abraçamos e fazemos dele a nossa vida. Isso vale para todos os membros da banda. Todo mundo compõe muito, sabe produzir, se posicionar e se organizar. Então isso continuará acontecendo com força.
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