O que a tese do “voto útil” em Boulos esconde

Eleição apertada, deixou uma situação instável, e aí vem o velho argumento: todos os democratas devem abandonar os seus candidatos favoritos para formar uma frente ampla com a esquerda e dar um “voto útil” no candidato do PT.

É uma manchete mais comum do que “a situação no Médio Oriente piora”.

A esquerda paulista declara que é imperativo formar uma “frente ampla contra o fascismo” (comparada com a suposta frente ampla que elegeu Lula contra Bolsonaro) e adotar um “voto útil” em Guilherme Boulos — a mensagem é óbvia: “pare com isso”. absurdo votar em Tabata e votar em Boulos.”

A tese tem alguns problemas.

1) É ridículo falar em frente ampla na semana das eleições, ninguém constrói um mínimo de entendimento num momento como este. O que a esquerda quer não é uma frente, é um apoio incondicional.

2) Também é ridículo, aliás, dizer que houve frente ampla em 2022. Lula se recusou a formar frente ampla, não negociou nada com ninguém e ficou naquela posição de “filhinhos vêm até mim”, esperando que os votos democratas cheguem até ele espontaneamente, sem ter que dar nada em troca.

Ao bater no valentão, ele recorreu à ameaça: “se você não votar em mim, o bicho-papão vai pegar todos nós!” Se tivesse criado uma frente tão ampla, Lula teria vencido com folga o primeiro turno. Como não o fez, mesmo com os muitos votos do centro, quase foi engolido pelo bicho papão.

3) Bolsonaro é mesmo fascista, mas nem Ricardo Nunes nem Pablo Marçal podem ser classificados como tal. Nunes é um político convencional, com muitos defeitos, mas está com Bolsonaro por mero oportunismo. Marçal é uma figura estranha, difícil de qualificar, mas também não parece fascista. (O dia em que a esquerda parar de chamar todos os oponentes de fascistas marcará um avanço para a democracia brasileira.)

4) Votação útil é quando você deixa de votar no seu candidato favorito e vota em um candidato mais ou menos para evitar que o candidato detestável ganhe. Mas votar em Boulos não impede a vitória de nenhum dos dois candidatos supostamente detestáveis ​​— pelo contrário: Boulos perde para Nunes e pode perder para Marçal.

Por outro lado, Tabata, num possível segundo turno, vencerá qualquer um. Se a esquerda quisesse mesmo impedir que um bolsonarista chegasse à prefeitura, estaria defendendo a transferência do voto de Boulos para Tabata.

Ou seja: defender um voto útil em Boulos nada tem a ver com impedir que o bolsonarista chegue à prefeitura. Tem a ver com evitar que a esquerda perca no primeiro turno.

E tem ainda mais a ver com a prevenção Lula sente o constrangimento de ser derrotado em casa no primeiro turno

^{(Por Ricardo Rangel em 04/10/2024)}