A mão do Estado: Como o governo do México fez dobr…

Na tarde desta terça-feira (1/10) termina o ciclo de Andrés Manuel López Obrador no poder. No México, depois de seis anos, os presidentes geralmente voltam para casa com uma influência política rarefeita.

Este claramente não é o roteiro escolhido por López Obrador. Ajudou a eleger sua sucessora, Claudia Sheibaum (60% dos votos), a quem trata como “hermana”, nomeou alguns de seus mais fiéis assessores e ainda nomeou os líderes da bancada do governo na Câmara e no Senado.

O compromisso de permanecer onipresente reflete a nostalgia do comando e, também, o medo do ativismo de antigos e novos adversários.

Dificilmente haverá alguém que sinta mais falta de López Obrador do que o homem mais rico da América Latina, listado entre os dez mais ricos do mundo, o empresário mexicano Carlos Slim.

A fortuna de Slim aumentou nada menos que 82% no governo cessante. Passou de 49 mil milhões de dólares há seis anos, no final da presidência de Enrique Peña Nieto, para 89 mil milhões de dólares no epílogo da era López Obrador.

Peña Nieto é um político enquadrado na “direita”, como todos os chefes do Partido Revolucionário Institucional (PRI) que governou o México durante 71 anos consecutivos (1929-2000). López Obrador ganhou o rótulo de “esquerdista” desde que se tornou dissidente do PRI e, em 2011, ajudou a criar o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), através do qual foi eleito presidente.

Com López Obrador, o empresário Slim contou com a ajuda providencial da “mão invisível” que dobrou o preço das ações de suas empresas, principalmente nos negócios de engenharia e construção civil.

Um caso exemplar é o de Carso (sigla para Carlos Slim e sua esposa Soumaya), cujos títulos na Bolsa Mexicana valorizaram 98,65% nos últimos seis anos, calculou Jacobo Rodríguez, da consultoria Roga Capital, ao repórter Sebastián Díaz Mora, do El Economista: “Foi uma empresa que se beneficiou de projetos de infraestrutura, que se traduziram em mais receitas e maiores lucros”.

O legado político de López Obrador é pouco menos controverso do que o seu legado económico para Claudia Sheinbaum, a nova presidente da República.

Engenheira reconhecida em pesquisa, ela vem de uma família judia refugiada do Holocausto, com mãe bióloga, pai engenheiro químico e irmão e marido físico. Combinou a ação política com a curiosidade científica nas áreas da energia, ambiente e desenvolvimento sustentável. Publicou mais de uma centena de livros sobre estes temas e lançou com sucesso projetos inovadores como a redução da poluição na Cidade do México: prefeito, plantou 15 milhões de árvores e mudou o sistema de transporte, com ênfase nas pessoas mais pobres da capital mexicana.

Aos 62 anos, conquistou a presidência da República defendendo propostas de transição da economia petrolífera para a das energias renováveis, com mudanças na gestão estatal das reservas hídricas (“estão se esgotando no México”), e programas para reduzir a violência doméstica que afeta principalmente a vida das mulheres mexicanas.

Sheinbaum é uma das mulheres em ascensão na política do continente, assim como Kamala Harris, nos Estados Unidos, e María Corina Machado, na Venezuela. Os três compartilham uma peculiaridade biográfica: atropelaram todos os homens que cometeram o erro de subestimá-los.

Nada indica, por enquanto, que ela vá rasgar a lista de compromissos assumidos por López Obrador. Mas o complexo cenário político e económico do México sugere que o empresário Slim terá provavelmente milhares de milhões de razões para sentir a sua falta: nunca um presidente foi tão generoso como López Obrador.