Número de pacientes na rede do SUS especializada em saúde mental dobra em 3 anos

Número de pacientes na rede do SUS especializada em saúde mental dobra em 3 anos


Do total de atendimentos, 75% foram de pacientes do sexo feminino. (Foto: Freepik)

Quando criança, Camila Silveira sentia-se atormentada, como descreve hoje, aos 42 anos, por “terríveis pensamentos negativos”. Na adolescência, desenvolveu uma relação excessiva com a comida, que aos poucos transformou seu corpo e destruiu sua autoestima. Em muitos momentos, ela se viu perdida diante de sucessivas crises, do medo e da solidão. Apesar disso, completou duas licenciaturas, casou-se e teve um filho. Mas foi apenas em maio deste ano que ela começou a tratar a ansiedade generalizada, a depressão e a compulsão alimentar que a acompanhavam há décadas.

Camila se juntou às milhares de pessoas que lotaram os postos de saúde do Rio em busca de atendimento psicológico. Levantamento da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para a campanha de prevenção ao suicídio deste Setembro Amarelo mostra que, entre 2020 e 2023, o número de pacientes de saúde mental nas unidades da prefeitura mais que dobrou: um salto de 5.828 para 12.340.

Dados de janeiro a agosto de 2024 mostram que 28% dessas consultas foram para tratar de ansiedade, sendo cerca de 2.160 consultas. Desse total, a ansiedade generalizada foi diagnosticada em 15% do público, aproximadamente 1.160 pessoas. Mas também se destacam tratamentos para doenças como depressão e transtorno do pânico. Segundo especialistas, além dos fatores biológicos, o estresse decorrente dos desafios sociais e ambientais, como a violência cotidiana no Rio, contribui para a propagação dessas doenças.

“Os distúrbios psicológicos são complexos, possuem diversas camadas, e o estresse rotineiro, apesar de não ser a principal causa do tratamento clínico, aumenta a sensação de ansiedade e provoca alterações de comportamento. As pessoas passam a viver em estado de alerta, preocupadas, ficam mais suscetíveis a explosões de raiva, não conseguem dormir e até usam mais substâncias nocivas, como o álcool”, afirma Cheyenne von Arcosy, psicóloga clínica e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. .

No caso de Camila, ela foi até a Clínica da Família Maria Augusta Estrella, em Vila Isabel, Zona Norte do Rio, para fazer exames relacionados a diabetes e hipertensão. Num desabafo com o médico, porém, ela foi orientada a procurar um psicólogo. Antes que pudesse recusar por falta de dinheiro, foi informada que a unidade de saúde oferecia o serviço, gratuitamente, pelo SUS. Após o cadastro, ela foi chamada para iniciar o tratamento, que acontece quinzenalmente.

A ansiedade generalizada, por exemplo, é conhecida como preocupação excessiva com a rotina, que se manifesta no medo constante. Os sintomas incluem falta de ar, dor no peito, dormência e até paralisia. Mas Camila demorou para se abrir:

“Eu sempre soube que algo estava errado. Houve momentos em que eu não conseguia dormir, sentia muita falta de ar, parecia que estava tendo um ataque cardíaco. Nunca gostei de falar sobre isso, achei que as pessoas diriam que era legal, principalmente porque sou gordinha.”

A compulsão alimentar surgiu então para dar lugar ao silêncio:

“Durante a tarde comi desesperadamente, até passar mal. Esse horário do dia ainda é insuportável para mim, principalmente quando adiciono trabalho, que envolve muita pressão e cobrança. Com o tratamento, posso ficar mais consciente disso. Sinto-me sortudo por ter conseguido o emprego no atendimento ao cliente. É minha chance de conhecer uma nova Camila.”

Filas para reduzir

Na rede de prefeituras, revela o levantamento da SMS, mulheres como ela representam 75% dos serviços. E na análise por bairro de residência dos pacientes, de janeiro a agosto deste ano, prevaleceram moradores das regiões de Campo Grande, Jacarepaguá, Centro, Penha e Irajá, nesta ordem. Superintendente de Saúde Mental da SMS, o psiquiatra Hugo Fagundes afirma que a prefeitura está ciente da grande procura por tratamentos psicológicos e tem orientado melhor os pacientes para reduzir as filas:

“A oferta é maior, mas agora direcionamos melhor os serviços. Há pessoas orientadas diretamente para tratamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) ou crianças que vão para atendimento psicomotor ou fonoaudiológico. Os serviços são qualificados, mas sabemos que ainda há muita procura.”

Nesse sentido, dados de transparência do sistema de regulação de vagas básicas em saúde pública, o Sisreg, mostram que, na tarde de ontem, o tempo médio de espera pelos serviços de psicologia na cidade do Rio era de 136 dias. Na psiquiatria, chegou a 175 dias. Fagundes destaca que o sentimento de insegurança vivido pelos cariocas e os desafios da rotina potencializam os diagnósticos que levam os pacientes a essas especialidades:

“É importante considerar a qualidade de vida das pessoas, suas rotinas. Sabemos que o estresse diário, a insegurança e o medo, a incerteza em casa e no trabalho esgotam a saúde das pessoas. A nossa missão é aliviar o sofrimento, ajudá-los a ‘funcionar’ dentro da sua própria lógica e condição mental, sem ignorar os seus desafios”.