Aprendi a nadar antes de aprender a andar. A natação sempre esteve presente na minha vida. Há 21 anos, depois que saí de São Paulo e me mudei para a Bahia, descobri o esporte de águas abertas e me apaixonei. No mar, sinto-me em casa. Num final de semana de 2019, participei de uma tradicional competição em Salvador, uma travessia de 12 quilômetros. A corrida foi no sábado e, no dia seguinte, lá estava eu de novo, correndo a mesma distância, só por diversão. Naquele dia veio uma tempestade, as ondas estavam fortes, eu não conseguia enxergar nem um pé à frente, demorei o dobro do tempo para completar o trajeto.
Foi um desafio, mas aí decidi que queria ser ultramaratonista. Eles me chamaram de louco, tentaram me fazer mudar de ideia. Mas já havia decidido meu primeiro desafio: a prova de Três Faróis, trecho de 36 quilômetros. Treinei e fui a primeira mulher neste circuito. Aí pensei: “Agora quero nadar o dobro”. Eles pensaram que eu tinha enlouquecido, mais uma vez. Resolvi que iria nadar de Salvador até Morro de São Paulo, um percurso muito arriscado, 60 quilômetros em mar aberto. Com base no meu ritmo previsto, seriam pelo menos 24 horas no mar, algo que nunca tinha feito antes. A originalidade, para mim e para minha equipe, resultou em muitos, muitos erros.
O primeiro treino longo que fiz na piscina, por exemplo, terminou em desidratação severa. Acariciei por 12 horas seguidas e calculamos mal as necessidades do meu corpo. Consumi muito menos sais minerais do que deveria. Quase acabei no hospital. Também cometi erros no mar. Nunca tinha nadado à noite, aliás, era o meu maior medo. Apesar do medo compreensível, não havia como escapar. Nos primeiros dias de treino eu estava toda arrumada, cheia de luzes e cores, parecendo uma árvore de Natal. O brilho intenso da luz atraiu os peixes para mim. Fui muito mordido, eles esbarraram no meu corpo. Com o tempo, aprendi a fazer os ajustes necessários para evitar ser atacado e também perdi o medo da noite. Hoje até prefiro. Adoro o silêncio da escuridão e a companhia da fauna marinha. Me preocupa quando parece ter desaparecido.
Os principais obstáculos, porém, eram financeiros. O esporte em águas abertas é muito caro. Não sou herdeira, sou assalariado, paguei tudo do meu próprio bolso e numa hora fali, não conseguia colocar comida na mesa. É aí que entra a beleza da natação. É a atividade individual mais coletiva que conheço. Muitas pessoas me ajudaram sem receber um centavo. No entanto, não me arrependo das decisões que tomei. A resistência na água me ensinou muito sobre mim, me tornou mais humilde, me tornou mais consciente das minhas limitações. É mais do que apenas praticar esportes. Os dois anos de preparação foram uma jornada em que cresci muito, não só como atleta, mas como ser humano.
No dia em que fiz a travessia de Salvador para Morro de São Paulo, tinha gente que eu nem conhecia torcendo por mim. Não foi uma jornada fácil. No meio da viagem fui atacado por uma colônia de caravelas, meu corpo todo queimado, tive uma reação alérgica, fiquei todo inchado, foi uma dor terrível. Vomitei durante uma hora e meia no mar, mas não parei. Nunca passou pela minha cabeça desistir, eu sabia que conseguiria, não importa o que acontecesse. E você sabe mais? Ao longo dos meus anos como nadador, descobri que prefiro sempre estar em condições adversas. Quando a maré está má, os meus amigos brincam e dizem que são “como o Leca”. Sempre fui assim, nunca gostei das coisas muito calmas. Muita gente, insisto, pergunta por que fiz essa loucura. Não há uma resposta reveladora, meu objetivo era apenas ter boas histórias para contar aos meus futuros netos. Acho que tenho isso agora, aos 49 anos.
Alessandra Penariol Melo em depoimento prestado a Marília Monitchele
Publicado em VEJA em 10 de maio de 2024, edição nº. 2892
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