O pianista e compositor Sérgio Mendesum dos ícones da música brasileira, falecido aos 83 anos, em Los Angeles, nos Estados Unidos, acumulou histórias fantásticas nos 60 anos que morou em Los Angeles. Celebridade brasileira desde o dia em que pisou nos Estados Unidos, o músico já era famoso quando contratou o jovem Harrison Ford para reformar seu estúdio musical. Ao longo de sua carreira, Mendes fez amizade com Elton John, Paul McCartney e até Elvis Presley. Em entrevista a VEJA, em 2021, para divulgar o documentário Sérgio Mendes em Tom da Alegriadirigido por John Scheinfeld, da HBO, ele contou essas e muitas outras histórias. Relembre abaixo o que havia de mais divertido nele.
Você se mudou para os Estados Unidos em 1964, logo após o golpe militar. O que motivou sua mudança? Meu filho Rodrigo nasceu poucos dias depois do golpe, em 6 de abril de 1964. E, para comemorar, mandei um telegrama para um amigo querido e grande pintor, Wesley Duke Lee dizendo: “Rodriguinho Barra Limpa, o primeiro realista mágico de Niterói. Diga ao tio Lee que fraldas soltas e leite morno estão na ordem do dia. No dia seguinte, os caras foram até minha casa e me levaram para um depoimento em Niterói. Eles queriam saber o que era essa coisa de “realismo mágico” e “ordem do dia”. Eu disse que não era nada disso. Tive que ir ao hospital mostrar meu filho na incubadora para provar que estava falando a verdade. Enquanto isso, o pessoal de São Paulo foi até o estúdio do Wesley, na Rua Augusta. Quando chegaram lá, viram um busto de seu pai, que se parecia com Lênin. Os caras falaram: “Pronto! Nós os encontramos. Imagine algo mais surrealista que isso? Eu falei: quer saber, estou indo para os Estados Unidos.
O documentário sobre sua vida No tom da alegriana HBO, traz uma entrevista com Harrison Ford relembrando a época em que trabalhou para você como carpinteiro, antes de ser famoso — e você já era uma estrela nos Estados Unidos. O que você lembra daquele dia? Foi incomum. Procurava um carpinteiro e perguntei a um amigo se ele conhecia alguém. Ele apenas me disse que conhecia “um cara que estava apenas começando”. Harrison veio até minha casa e eu o amei imediatamente. Ele chegou de chapéu, camisa aberta e cabelo grande. Conversamos e eu disse: “ele já está contratado”. Anos depois, já famoso, ele me disse que não sabia nada sobre como montar um ateliê e que foi até uma biblioteca buscar todos os livros sobre o assunto que encontrou. O estúdio era lindo. Ele tinha grande habilidade manual.
Em 1994, o estúdio foi destruído por um terremoto. Você contrataria Harrison Ford para reconstruí-lo? OAgora eu nem tenho dinheiro para pagar os honorários dele (risada). Aquele terremoto foi um grande susto. O estúdio funcionou até 1994 e gravei vários discos lá. Hoje adoro sair de casa para gravar em outros estúdios. No final das contas deu muito trabalho ter um ateliê em casa. Era um caminhão entrando e saindo. Uma bagunça. Agora vou para um estúdio, gravo e depois volto para casa.
Na década de 1960, você gravou uma versão de Tolo na colinados Beatles, que tocou mais do que a música original. A música fez tanto sucesso que Paul McCartney lhe enviou uma carta elogiando-a. O que a carta dizia? Paul disse na carta que essa era sua versão favorita da música. A melodia é fantástica, você não vai esquecer. Você vai dormir e isso fica na sua cabeça. Mas ele não disse que a minha versão é melhor que a dele. Naquela época tive uma ideia de um arranjo para ele, transformando em um samba 3 por 4, algo novo para a época, mudamos um pouco o ritmo do samba. Foi uma experiência linda.
Uma história pouco explorada no documentário foi o encontro que teve com Elvis Presley, em Las Vegas. Como foi esse encontro? Fiz um tour em Las Vegas e, um belo dia, Elvis apareceu no meu camarim. Ele veio me dizer que adorou meu show. Até tiramos uma foto. Infelizmente não me lembro do que conversamos. Mas foi incrível. Imagine, Elvis indo para seu camarim? Eu fiquei tipo: Uau! Mas nunca gravei com ele, infelizmente.
Por outro lado, você se tornou muito amigo de Elton John. Como você o conheceu? Elton é um amigo querido. A primeira vez que fui tocar na Europa, ainda na década de 1960, em Paris, no Théâtre des Champs-Élysées, precisei de um cara ou grupo para abrir meu show. O empresário da minha gravadora na Europa era inglês e mandou trazer um trio da Inglaterra. Foi Elton John no início de sua carreira. Quando seu show de abertura terminou, ouvi um grito e Elton entrou no meu camarim chorando e se desculpando. Os franceses o vaiaram. Imagine, ninguém sabia quem ele era e ele estava num show de bossa nova. Ele fez isso. Eu disse a ele para esquecer e que estava tudo bem. No dia seguinte liguei para a Inglaterra para falar com Gilberto Gil, que estava exilado. Ele disse que precisava de um brasileiro para abrir meus shows. Gil pegou seu violão e no dia seguinte estava em Paris. Mas Elton John é uma pessoa maravilhosa. Ficamos amigos e nos encontramos diversas vezes. Em um deles estávamos eu, Pelé, Elton e Mick Jagger em um jogo de futebol do Cosmos, nos Estados Unidos.
Falando em Pelé, você gravou um álbum com músicas dele, Meu mundo é uma bola. Como compositor, Pelé é tão brilhante como músico? Mas que pergunta, hein? (risada). Meu encontro com Pelé é muito lindo. Ele é uma figura fantástica. Sua música tem aquela inocência que lhe é típica. No meu coração, foi maravilhoso cantar e ser amigo dele.
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