‘O TikTok está matando a comédia’, diz…

‘O TikTok está matando a comédia’, diz…



Para Renato Albani37, não há segredo para uma boa comédia. O comediante capixaba, que abandonou a carreira de engenheiro e veio para São Paulo ganhar a vida fazendo piadas, acredita, porém, em um guia: a capacidade de produzir identificação com o público. “Tudo na vida pode virar piada, e quero trazer as pessoas para a história”, disse ele OLHAR. “Nós, brasileiros, adoramos nos sentir representados.” Parece estar funcionando. Com uma agenda repleta de shows esgotados, acumulando 165 mil ingressos vendidos de janeiro a agosto, ele acredita que conseguirá bateu o recorde de público de sua carreira, 215 mil pessoas em 2023. Além de dar pistas sobre planos para o futuro – carreira internacional com shows em inglês para o público estrangeiro, e negociação de séries e filme com serviços de streaming – Albani falou sobre os problemas da “tiktokização” da comédia, que vive uma profusão de vídeos curtos com piadas na internet, e lançou críticas para cancelar a cultura. “A comédia só deveria ter um limite: quando se torna crime”, disse ela.

Na transição da engenharia para o comediante, você não teve medo de quebrar a cara? Eu, meus pais, todo mundo. Engenharia é uma daquelas carreiras que todo mundo respeita, certo? Fui professor no Senai do Espírito Santo e fiz biscates como comediante. Lá, eu sabia que não tinha onde crescer na comédia. Assim que me formei, depois de muito atraso, recebi uma oferta de emprego incrível no setor petrolífero. Deveria ter feito meus olhos brilharem, mas não fez. Tive que tomar uma decisão: ou seguiria uma carreira ou outra. Foi quando vim para São Paulo em busca do meu sonho. Apesar dos meus medos, fui o único que acreditou que poderia ter sucesso na comédia.

Quando você percebeu que tinha funcionado? No começo eu fazia shows ganhando 100 reais, às vezes 30 reais, às vezes 50 reais. Fiquei desesperado, pois o emprego que rejeitei pagava 10 mil reais mais benefícios. Isso em 2013! Mas rapidamente percebi que estava no caminho certo, porque depois de passar por muitos problemas, estava feliz. Eu falei: “Cara, só pode ser isso”. Agora, senti que as coisas começaram a mudar quando meus vídeos começaram a fazer sucesso nas redes, em 2015. Dois anos depois houve um momento importante, quando fui exibido em São Paulo. Desde então, não parei os shows.

Você já se meteu em uma situação só para ter uma história para contar mais tarde? Tudo o que acontece na vida tem potencial para brincadeira, 100%. Então nunca me deparei com nada com esse propósito específico. Mas, quando penso que um programa vai ser uma bagunça, tendo a prestar mais atenção (risada). Se tudo der errado, pelo menos farei uma piada sobre isso mais tarde. Enfim, já sou muito observador no geral. O que procuro quando escrevo é a identificação, quero trazer as pessoas para dentro da história. Quero que o público pense: “Isso também aconteceu comigo” ou “Isso claramente aconteceria comigo”. Nós, brasileiros, adoramos nos ver. Sinta-se representado.

Seu recente livro “É raro, mas acontece muito” é inspirado nas histórias que você conta no palco. Qual é o seu favorito? É uma piada que contei pela primeira vez há oito anos, sobre o dia em que meu pai me levou ao restaurante quando eu tinha oito anos. Como todas as crianças são diabólicas, pedi o maior lanche que comi, para fúria do meu pai. Quando chegou, dei duas mordidas e fiquei satisfeito. Ele queria me matar (risada). Gosto dessa história porque aconteceu uma coisa muito maluca que nunca mais aconteceu comigo: depois do vídeo da piada se tornou viral no YouTubeo público dos meus shows pedia essa piada. É algo que não acontece com comediantes, mas com músicos, bandas.

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A mídia social é importante para qualquer figura pública e o humor não é diferente. O que você acha da “Tiktokização” do humor? O formato de vídeo curto do TikTok está matando a boa comédia. Quando começamos a postar, há quase dez anos, ainda havia muito trabalho pela frente. Por exemplo, para fazer meu primeiro vídeo com boa repercussão, que hoje tem 7,8 milhões de visualizações, tive que alugar uma câmera, gravar seis vezes até ficar bom e editar por horas. Tinha sete minutos de duração. Hoje pego meus vídeos longos, que ainda envolvem muito disso, e faço cortes para o Instagram. Mas a nova onda de comediantes acha que esse é o segredo: postar vídeos. Sem se preocupar com a qualidade do conteúdo e da técnica.

Uma polêmica surgiu depois que você fez uma piada sobre o paraskatista Daniel Amorim, que está sem os dois braços e as duas pernas. O humor tem limite? Apenas o crime. Fora disso, não há limite. Na verdade, se evito fazer piadas sobre determinado grupo de pessoas, isso é preconceito. É menosprezar sua capacidade de entender a piada pelo que ela é: uma piada. O grande problema da comédia é que muitas pessoas não a veem como arte. Aceitamos mais de uma música, um filme, um livro, uma pintura sobre um tema polêmico. Mas a piada é vista apenas como uma brincadeira, apesar de ser um mecanismo interessante para levantar discussões e apresentar novas perspectivas. Além disso, na maioria das vezes, as críticas partem de “fiscais” que nada têm a ver com o alvo da piada.

Você cresceu ouvindo piadas de TV dos anos 1990, ainda longe do politicamente correto. Você acha que o mundo se tornou mais rude? Não. O mundo mudou e isso é normal. O problema de hoje é que a internet dá cada vez mais voz a pessoas idiotas, porque todos podem expressar sua opinião, suas dúvidas, inseguranças e necessidades aí. Isso também ajudou a produzir a cultura do cancelamento. Se não gosto de algo, se não concordo com algo, isso não pode existir. E não só com a comédia, a política é assim, a religião sempre foi assim. É por isso que estou avisado. Faço investimentos imobiliários, tenho empreendimentos no setor de eventos. Se amanhã eu for cancelado, se meus shows acabarem, pelo menos tenho um plano B.



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