O ministro Alexandre de Moraesdo Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou o bloqueio das contas bancárias da Starlink, empresa de internet via satélite do bilionário Elon Musk.
A medida foi instituída pelo ministro para garantir o pagamento de multas estipuladas pelo descumprimento de decisões de bloqueio de perfis de investigados pela Justiça na rede social Twitter), que também pertence a Musk.
A decisão veio à tona depois que Moraes determinou nesta quarta-feira (28) que Musk nomeasse, em até 24 horas, um novo representante legal de X no Brasil, sob risco de suspensão da rede social no país. O prazo expirou na noite desta quinta-feira (29) e a plataforma anunciou que não cumprirá as ordens do ministro.
O bloqueio determinado pelo STF terá efeito nas contas da Starlink no Brasil. A medida não deve afetar o contrato com o governo federal, mas coloca em risco a atividade da empresa em solo brasileiro.
A empresa presta serviço de internet para áreas rurais do país e possui contratos com órgãos públicos, como Forças Armadas e Justiça Eleitoral.
Em postagem no X, a Starlink classificou as decisões de Moraes como “inconstitucionais” e afirmou que pretende recorrer na Justiça.
“Esta ordem é baseada em uma determinação infundada de que a Starlink deveria ser responsável pelas multas aplicadas – inconstitucionalmente – contra X. Ela foi emitida em segredo e sem dar à Starlink qualquer dos devidos processos garantidos pela Constituição do Brasil. importa juridicamente”, diz o texto.
Musk afirmou ainda que sua empresa fornecerá serviços de internet gratuitamente aos seus usuários no Brasil até que o assunto seja resolvido.
“Muitas escolas e hospitais remotos dependem do Starlink da SpaceX! A SpaceX fornecerá serviço de Internet gratuitamente aos usuários no Brasil até que esse assunto seja resolvido, pois não podemos receber pagamento, mas não queremos cortar o serviço de ninguém”, escreveu ele no X.
O que é StarLink?
Starlink é um braço da SpaceX, empresa de exploração espacial de Elon Musk.
A empresa fornece serviços de Internet através de uma enorme rede de satélites. É voltado para pessoas que vivem em áreas remotas, onde não há infraestrutura local como cabos e postes — o que é o caso de grande parte da Amazônia.
Estima-se que mais de 6 mil satélites Starlink já tenham sido lançados ao espaço, segundo especialistas que monitoram satélites.
Segundo a própria empresa, é a maior constelação de satélites do mundo, com base de usuários em 37 países.
Os satélites Starlink foram colocados em órbita baixa ao redor da Terra para tornar as velocidades de conexão entre os satélites e o solo o mais rápidas possível.
Quem lança os satélites é a própria SpaceX, que para isso utiliza seu foguete Falcon 9.
Starlink no Brasil
No Brasil, a Starlink afirma ter mais de 250 mil clientes, incluindo pequenas empresas, escolas e socorristas.
Segundo a Agência Brasil, ligada ao governo federal, órgãos públicos, como Forças Armadas e Justiça Eleitoral, têm contratos com a empresa.
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo afirma ainda que a Marinha do Brasil utiliza a internet da empresa em alguns dos principais navios da frota, alegando interesse experimental na tecnologia de Elon Musk.
A Starlink recebeu sinal verde da Anatel para operar no Brasil em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A concessão vai até 2027.
Desde então, o A Amazônia se tornou o principal mercado da empresa de Musk no Brasil.
Lançada na região em setembro de 2022, a Starlink já é líder isolada entre os provedores de banda larga fixa via satélite na Amazônia legal. Segundo levantamento exclusivo da BBC News Brasil, até julho de 2023 a empresa tinha antenas instaladas em 90% dos municípios da região.
A maior parte desses clientes está em regiões de difícil acesso da Amazônia, onde não existe infraestrutura tradicional de internet banda larga.
O Starlink possibilita avanços importantes, como a possibilidade de utilização de cartões de crédito, débito e Pix em cidades que não possuíam internet de alta velocidade.
Mas a expansão da tecnologia de Musk também impulsiona atividades ilegais, disseram autoridades brasileiras à BBC News Brasil.
“O Ibama informa que se tornou comum encontrar antenas Starlink em locais de mineração”, afirmou o órgão em meados de 2023.
Imagens obtidas com exclusividade pela BBC mostram antenas da empresa de Musk ao lado de armas, munições e ouro recolhidos em operações da Polícia Federal e do Ibama.
Segundo especialistas, o acesso à internet de alta velocidade facilitou o trabalho de garimpeiros e traficantes de madeira e drogas da região. Até a chegada da empresa, o principal meio que dispunham em locais isolados para comunicar sobre a chegada de carregamentos ou operações de repressão da Polícia Federal era o rádio.
Segundo reportagem do jornal O Globo, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou em abril um pedido ao STF para que a Justiça emitisse liminar exigindo que a Starlink e pelo menos outras sete empresas que fornecem acesso à internet móvel via satélite dentro de a terra indígena Yanomami suspenda seus serviços para todos os tipos de equipamentos, com exceção daqueles utilizados por órgãos do Estado.
O objetivo do governo seria combater o garimpo ilegal nas terras ocupadas pelo povo Yanomami, segundo o jornal.
O domínio da empresa na conexão de regiões isoladas ainda levanta questões sobre segurança e soberania nacional, segundo especialistas brasileiros e estrangeiros ouvidos pela reportagem, principalmente após a recente polêmica sobre a dependência ucraniana das antenas Starlink na guerra contra o Exército Russo (veja abaixo).
A tecnologia, ao mesmo tempo, trouxe transformações positivas para cidades e comunidades distantes dos grandes centros.
No ano passado, os indígenas Yanomami instalaram uma antena Starlink que agora permite a comunicação em alta velocidade entre profissionais dos centros de saúde e familiares de pacientes em comunidades isoladas da Terra Indígena.
“Nossa internet está funcionando perfeitamente”, disse Junior Yanomami, presidente da associação Yanomami Urihi, à BBC News Brasil na época.
“Tem ajudado de forma excepcional, tanto para a equipe de saúde, que diariamente repassa informações e pedidos de resgate, quanto para os Yanomami, que se comunicam conosco sobre tudo o que acontece na região onde a internet está instalada”, acrescentou a liderança indígena.
Nas cidades de Roraima e do Acre, os moradores também puderam utilizar cartões de débito ou crédito — e até realizar pagamentos via Pix — graças à estabilidade e velocidade da conexão de internet via Starlink.
Em abril deste ano, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência negou a informação de que o ministro do ministério, Paulo Pimenta, teria falado em rever contratos do governo federal com a Starlink.
Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, um procurador do Ministério Público de Contas teria pedido a suspensão ao Tribunal de Contas da União (TCU). A representação teria afirmado que os vínculos deveriam ser dissolvidos por causa de uma “afronta à soberania nacional” de Musk, após críticas do bilionário sul-africano ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Este ano, com as enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul, Musk anunciou que a Starlink doaria mil terminais para equipes de emergência, proporcionando utilização gratuita de todos os terminais da região até a recuperação.
Em 2022, o bilionário chegou a anunciar o lançamento do Starlink para 19 mil escolas desconectadas em áreas rurais e monitoramento ambiental na Amazônia. O empresário se declarou “super entusiasmado” com o projeto após apertar a mão do então presidente Jair Bolsonaro em um resort de luxo no interior de São Paulo, em maio daquele ano.
Mas a promessa nunca se concretizou. Os ministérios das Comunicações e da Educação negaram, em abril deste ano, terem assinado acordos com a Starlink ou negociações em curso.
Segurança de dados e superlotação
As ações da empresa são foco de polêmica, com especialistas alertando que ela poderá colocar decisões importantes sobre países e governos nas mãos de Elon Musk.
A Starlink se tornou alvo de debates sobre segurança de dados em todo o mundo em setembro de 2023, quando Musk admitiu que não havia permitido o acesso do governo ucraniano à rede Starlink para evitar estar vinculado ao que definiu como um “grande ato de guerra”.
“Se tivesse concordado com o pedido, a SpaceX (empresa que envia satélites usados pela Starlink para o espaço) seria explicitamente cúmplice de um grande ato de guerra e escalada de conflito”, disse Musk, que foi criticado pelas autoridades ucranianas.
Na época, o professor TS Kelso, ex-chefe do Instituto de Tecnologia e da Divisão de Análise Espacial do Comando Espacial da Força Aérea dos Estados Unidos, disse à BBC News Brasil que o debate sobre a soberania nacional é “especialmente significativo”.
“Os sistemas de comunicação são frequentemente mantidos sob controlo governamental por uma série de razões, desde a prevenção de comportamentos ilícitos até à supressão da dissidência”, disse ele na altura.
“É de vital importância para a segurança nacional, por exemplo para a Defesa, ter sistemas de comunicações seguros e fiáveis. Permitir que qualquer empresa – ou indivíduo – decida unilateralmente estas questões parece ter sérias implicações para a segurança nacional”, continuou.
O especialista em antropologia da tecnologia David Nemer, professor da Universidade da Virgínia (EUA), concorda.
“Quando falamos de internet, não estamos falando apenas de Twitter ou Facebook. Estamos falando de serviços vitais para o funcionamento de uma cidade. Dar esse poder para a Starlink é muito preocupante”, avaliou na ocasião.
Colocar satélites em órbita baixa ao redor da Terra também pode levar a problemas de superlotação no espaço, dizem especialistas
“Os satélites podem atingir outras naves e criar fragmentos de detritos e estes, por sua vez, podem causar muito mais danos quando voam a altas velocidades”, disse Sa’id Mosteshar, professor do Instituto de Política e Direito Espacial da Universidade de Londres, à BBC. Notícias.
Vários episódios de risco envolvendo satélites Starlink foram registrados, incluindo um incidente em que um deles quase colidiu com a estação espacial da China.
“Se houver muitos detritos, isso poderá inutilizar a órbita baixa da Terra no futuro”, diz Lucinda King, gerente de projetos espaciais da Universidade de Portsmouth.
“E talvez não consigamos passar da órbita baixa da Terra para órbitas mais altas, onde estão situados os nossos satélites de navegação e de telecomunicações.”
Em seu site, a empresa afirma estar profundamente comprometida “em manter um ambiente orbital seguro, proteger os voos espaciais humanos e garantir que o meio ambiente seja sustentável para futuras missões na órbita da Terra e além”.
Segundo a Starlink, seus satélites se movem automaticamente para evitar colisões com detritos espaciais. Existem também sensores de navegação para que o equipamento encontre a melhor localização, altitude e orientação para envio de sinal de internet.
A empresa também afirma ter operadores anticolisões disponíveis 24 horas por dia para proprietários e operadores de satélites.
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