Dona de casa responsável pelos filhos enquanto o marido trabalha, a americana Courtney Henning Novak trabalhou duro durante anos para participar de todas as atividades extracurriculares dos filhos na escola em que estudam, além de lidar com um pai com câncer que precisava de uma cirurgia no cérebro. A rotina levou a mulher ao esgotamento e, em 2023, ela finalmente decidiu desacelerar. Para se recuperar, ela se desafiou: iniciou um projeto de leitura pelo mundo, no qual leria um livro de cada um dos mais de 190 países existentes. Logo na letra B, Courtney se impressionou com Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e seu vídeo contando a experiência de leitura do clássico brasileiro a fez viralizar no Brasil, onde a leitura tiktoker rapidamente ganhou fama.
Com mais de 54 mil seguidores no TikTok, plataforma de dança, e no Instagram, rede onde tem mais 26 mil seguidores, a moradora de Pasadena, na Califórnia, de 45 anos, compartilha sua rotina conhecendo o mundo, mas é com conteúdo sobre o Brasil que ela vê seu engajamento aumentar. Após insistência dos brasileiros, Courtney conheceu Clarice Lispector e também se encantou. Em entrevista a VEJA, ela fala sobre sua fama repentina entre os internautas no Brasil, seu desafio de leitura e dá sua opinião sobre Assis e Lispector.
Confira a entrevista completa:
Como começou esse desafio de ler um livro de cada país do mundo? Sou advogada, mas parei de trabalhar para ficar em casa com meus filhos, uma menina [Pippa] 11 anos e um menino [Julian] de 8 – meu marido [Nathan] Ele também é advogado e continua sua carreira — e durante muito tempo fui voluntário na escola infantil, ajudando no grupo de escoteiros, entre outras coisas. Meu pai teve câncer de próstata, mas ficou um tempo internado, precisou de uma delicada cirurgia no cérebro, e aí, juntando tudo, tive um esgotamento, meu cérebro desligou. Então, depois que meu pai se recuperou, ele está bem agora, parei de dar tanto para a escola e quis usar meu tempo livre para ler. A ideia de fazer o desafio surgiu em 2022, mas só comecei no ano seguinte.
Existem quase 200 países no total. Quais são os seus critérios para escolher cada livro? Gosto de pedir recomendações nas redes sociais de vez em quando, procuro no Google e vou até o app Goodreads, onde acabo lendo toneladas de comentários até fazer uma escolha. Mas também sigo meu instinto se sinto que o livro está me chamando, porque para mim o livro precisa nos deixar entusiasmados.
Algum escritor impactou você? Bom, Machado de Assis com certeza tem me lembrado o quanto adoro essa energia lúdica e essa relação entre narrador e leitor.
Como americano, como tem sido a experiência de conhecer a obra de Machados de Assis? Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro? Foi efervescente. Agora, quando estou resenhando um livro depois de conhecer o Machado, é muito difícil eu dar cinco estrelas. Se não está me capturando como Machado eu fico tipo ‘esse autor merece isso?’. Foi divertido e uma alegria sentar e ler como se isso fosse exatamente o que eu quero fazer. Não parecia que ele simplesmente trouxe você para um lugar diferente, para um reino diferente.
Você também seguiu as recomendações de milhares de brasileiros nos comentários em suas redes sociais e conheceu Clarice Lispector. Ela causou uma impressão semelhante? Sim, ela é engraçada à sua maneira, de uma forma mais sombria, mas usa gramática e linguagem como se fosse bruxaria. É como se ela não estivesse praticando escrita, mas sim feitiçaria. O que ela faz eu nunca vi feito antes.
Depois de ler autores de 50 países até agora, o que você diria que há de tão único na literatura brasileira? É uma sensação muito exuberante. Li apenas os dois escritores brasileiros, mas ambos pareciam escrever da maneira que achavam que deveriam escrever, não escrevendo como alguém ditava que deveriam escrever, não escrevendo para agradar a críticos, editores ou o público. Eles estavam simplesmente ouvindo aquele chamado interior e o seguiram.
Existe algum país que você está mais animado para ler um livro? Estou preocupado com Israel, porque acho que haverá uma reação negativa. Nos Estados Unidos tem sido um assunto polêmico, sou meio judeu, então há uma parte de mim que está prendendo a respiração. Vejo que existe muito ódio e que muita gente não vê as complexidades dessa história, é tudo preto e branco. Vi um comentário me dizendo para não fazer Israel, mas se eu não lesse obras de países com os quais não concordo sobre suas políticas, talvez nem tivesse iniciado esse projeto de leitura ao redor do mundo.
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