Antonio Delfim Netto, o economista mais poderoso do Brasil durante o período da ditadura e possivelmente em qualquer época, morreu.
Ministro da Fazenda em 1967, no ano seguinte foi um dos signatários do Ato Institucional número 5, que mergulhou o país no período mais sombrio de sua história. Seu interesse pessoal não era tanto a política, o que ele queria mesmo era obter o poder absoluto na economia. E conseguiu, porque entre as muitas atrocidades cometidas pelo AI-5 estava a proibição de o Congresso legislar sobre questões financeiras.
Na década de 1970, a política econômica criada por Delfim fez com que o Brasil crescesse a taxas de dois dígitos por ano. Os brasileiros, infelizmente, não foram beneficiados com esse crescimento, que ocorreu com forte concentração de renda. A frase de Delfim sobre o problema – “primeiro o bolo tem que crescer e depois distribuir” – tornou-se emblemática da sua política económica.
Alimentado por dívidas pesadas e gastos descontrolados, o bolo cresceu durante algum tempo e depois parou. A inflação disparou, seguida pelas taxas de juros (que deveriam tê-la controlado, mas não o fizeram), garantindo a manutenção da concentração de renda. “Aperto salarial” era uma expressão comum na época: o bolo nunca seria distribuído.
Delfim tinha o divertido hábito de assinar cartas de intenções ao Fundo Monetário Internacional comprometendo-se com metas inflacionárias que não tinha intenção de cumprir. No início de 1985, ano que marcou o fim da ditadura e do comando da economia de Delfim, o ministro se comprometeu com a meta de inflação de 120%: no final do ano, chegou a 239%, recorde histórico até então .
A década de 1980, caracterizada por hiperinflação, volatilidade económica, incerteza e muita preocupação, ficou conhecida como “a década perdida”. A inflação, que chegaria a 3.000% ao ano, só seria controlada com o Plano Real, em 1994.
A questão que fica é por que — tendo sido um participante entusiasta numa ditadura brutal, tendo sido um dos responsáveis pelo AI-5, tendo liderado uma política económica desastrosa — Delfim continuou e continua a ser reverenciado por todas as correntes políticas, desde o da direita para a esquerda, e pela imprensa, especializada ou não.
Lula e Dilma, por exemplo – que passaram grande parte da vida lutando contra a ditadura e criticando sua política econômica – sempre permaneceram próximos de Delfim e o tiveram como conselheiro. (A Nova Matriz Econômica, com a qual os dois destruíram a economia brasileira na última década, tem pontos em comum com a abordagem Delphiniana, aliás.)
De qualquer forma, a generosidade (ou aparente contradição) de quem fica não absolve quem sai: Delfim sai sem sentir falta.
(Por Ricardo Rangel em 12/08/2024)
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