07/08/2024 – 13h40
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Soraya Santos: a educação pode mudar comportamentos sexistas que permeiam os crimes
A Lei Maria da Penhacriada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher, completa 18 anos nesta quarta-feira (7) com a persistência de altos índices de violência contra a mulher no Brasil.
Para mudar esse quadro, a Advogada da Mulher da Câmara dos Deputados, deputada Soraya Santos (PL-RJ), destaca a importância de unir os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para formular políticas públicas mais eficazes, conscientizando toda a sociedade sobre o problema da violência contra as mulheres e utilização de novas tecnologias.
Soraya Santos lembra que a Lei Maria da Penha foi considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a terceira melhor lei para combater a violência contra as mulheres no mundo. Mas o Brasil também é líder em índices de violência.
Violência crescente
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 mostram aumento de casos de todos os tipos de violência contra a mulher no Brasil em 2023, incluindo ameaça, perseguição (perseguição), agressão física em contexto de violência doméstica, violência psicológica, estupro, feminicídio e tentativa de feminicídio.
Segundo o levantamento, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023 – ou seja, em média, quatro mulheres morreram por dia vítimas desse crime. Destes, 63,6% eram negros, 71,1% tinham entre 18 e 44 anos e 64,3% foram mortos em casa. O assassino era o companheiro em 63% dos casos, o ex-companheiro em 21,2% e um familiar em 8,7% dos registros.
Mudanças na legislação
O Congresso já incluiu ou modificou 50 dispositivos da Lei Maria da Penha, por meio de 15 novas leis sancionadas entre 2017 e 2024 (veja a tabela abaixo).
Segundo o procurador da Câmara, essas mudanças melhoraram a legislação, por exemplo, ao reconhecer e punir o crime de perseguição (Lei 14.132/21).
Atualmente, 324 projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados poderão trazer novas alterações à Lei Maria da Penha. Destes, 89 foram apresentados neste legislatura por 61 parlamentares.
As deputadas que mais apresentaram propostas de modificação da lei foram Laura Carneiro (PSD-RJ), com nove projetos, e Lêda Borges (PSDB-GO), com sete.
Educar para prevenir
Segundo Soraya Santos, a educação é a chave para mudar os comportamentos sexistas que permeiam os crimes contra as mulheres, como a possessividade e a agressividade nos relacionamentos. Para o parlamentar, a própria punição ao agressor deve incluir medidas de conscientização.
“Estamos apenas aprimorando a lei, punindo, mas muitas vezes encontramos um homem que abandona o processo penal e vai repetir em outra mulher”, diz o deputado, destacando que ainda é preciso cuidar do impacto que essa violência tem nas crianças. “Não podemos fechar os olhos para a violência doméstica, porque essa criança vai repetir o modelo. Lidar com as relações familiares é lidar com a sociedade. Isso tem que ser exigido dentro das escolas, das famílias, das igrejas”, acrescenta.
Relatórios
Segundo dados da 10ª edição da Pesquisa Nacional da Violência Contra a Mulher, realizada pelo Observatório das Mulheres Contra a Violência (OMV) e pelo Instituto DataSenado, ambos do Senado, apenas duas em cada dez mulheres se consideram bem informadas em relação à a Lei Maria de Penha.
A procuradora da Câmara afirma que ainda há muita subnotificação da violência e pede que as mulheres confiem no sistema de proteção do Estado e denunciem as agressões antes que aconteçam feminicídios. As denúncias, enfatiza Soraya, devem ser feitas por toda a sociedade, como os vizinhos, por exemplo.
Ela também defende o uso de novas tecnologias para fazer denúncias e garantir a proteção dessas mulheres. “Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, de todas as mulheres que têm ‘botão de pânico’, nenhuma morreu.” “botão de pânico” é um dispositivo capaz de emitir um alerta à polícia em caso de ameaça ou violação de direitos.
“Se o número de violência doméstica aumentar, significa que estou confiando no sistema. Se aumentar o número de feminicídios, significa que, além de não confiar no sistema, o sistema está falhando comigo”, avalia o deputado.
Independência financeira
Soraya Santos também apela ao progresso na autonomia económica das mulheres. “A dependência económica é uma causa muito grande [de violência doméstica]. Muitas vezes a mulher sofre violência e não tem para onde ir, outro fato é que ela se submete à violência quando tem filho pequeno, prefere ficar ali apanhando mas protegendo o filho”, acrescenta.
Revtimização e impunidade
A Lei Maria da Penha ficou conhecida pelo nome da mulher que a inspirou, uma farmacêutica que sobreviveu duas vezes às tentativas de assassinato do marido e que, em consequência, ficou paraplégica. Fundou o Instituto Maria da Penha, que tem como objetivo contribuir para a plena aplicação da lei e fiscalizar o cumprimento das políticas públicas.
Em vídeo divulgado pelo instituto em comemoração aos 18 anos da lei, Maria da Penha pede que a norma seja implementada de forma completa, “sem brechas para impunidade e negligência”.
“Há uma naturalização da cultura da violência doméstica contra as mulheres no país e as políticas públicas ainda são insuficientes para garantir os direitos humanos, como vemos nos inúmeros casos de revitimização das mulheres, por exemplo, o que também compromete a aplicação da lei ”, lamenta Maria da Penha.
Ela também cita alguns efeitos nocivos da violência contra as mulheres, como danos à saúde mental; perda de autoestima, autonomia financeira e “capacidade de sonhar e ter esperança”. “Além disso, no caso do feminicídio, os efeitos incluem a dor de crianças órfãs e de mães e pais que perdem suas filhas”, acrescenta.
Para Maria da Penha, “não há dúvidas de que é necessário mais empenho de toda a sociedade e do Poder Público para mudar esse cenário”.
A lei
Com a Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher deixou de ser considerada um crime com menor potencial ofensivo e passou a ser classificada como violação de direitos humanos.
A norma estabelece medidas de proteção às mulheres em situação de violência doméstica e prevê a criação de juizados especiais para estes crimes.
Um dos avanços da lei foi ampliar o conceito de violência doméstica. Antes da lei, essa violência era considerada apenas física. Hoje abrange também a violência psicológica, moral, sexual e patrimonial.
Outro avanço da Lei Maria da Penha foi a criação de medidas protetivas de urgência. Estas medidas visam garantir a segurança das mulheres em situação de violência doméstica e familiar e incluem o afastamento do agressor de casa, a proibição de se aproximarem da vítima e dos seus familiares, entre outras.
Metas para combater a violência
No mês passado, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a lei que prevê a criação de planos de metas de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 14.899/24).
Agora, para ter acesso aos recursos federais relacionados à segurança pública e aos direitos humanos, os estados e municípios devem elaborar esses planos, que devem durar dez anos e ser atualizados a cada dois anos, a fim de monitorar a execução e os resultados das ações.
Relatório – Lara Haje
Edição – Natalia Doederlein
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