‘Eu não sabia que era bonito’, brinca Paulo Betti…

‘Eu não sabia que era bonito’, brinca Paulo Betti…


Paulo Betty Ele percebeu desde cedo sua vocação para ser ator. Começou no teatro na década de 1970 e, desde então, sua história e a das artes brasileiras se misturaram, agregando ao seu currículo dezenas de peças, novelas e filmes, além de personagens incontornáveis ​​da TV e do cinema – para citar alguns, interpretou o guerrilheiro Carlos Lamarca, no filme Lamarca (1994), e integrou o hall dos vilões redimidos das novelas com Téo Pereira, em Império (2014). Embora esta seja a faceta mais conhecida de Betti, o ator também é escritor, roteirista e diretor, habilidades que resultaram no longo monólogo Autobiografia Autorizadapeça que está em turnê pelo Brasil desde 2015 e, neste final de semana, será exibida na Caixa Cultural, em São Paulo. Na mostra, o artista de 71 anos reúne seus escritos e memórias, em uma colagem de imagens e personagens da vida real, todos interpretados por ele, desde a avó, imigrante italiana no Brasil, até a irmã mais velha, que agora vive com demência. . A VEJA, Betti falou sobre a experiência e analisou (com muito humor) sua trajetória até aqui. Confira:

O que o levou a fazer esta peça, que começou a ser encenada há nove anos e ainda está em atividade? Houve muitos fatores. Sempre fiz muitas anotações e experimentei muita coisa. Então essa peça é como um exercício de memória, por isso está em constante mudança. A cada etapa surge uma nova memória, descubro uma nova foto e assim por diante. A família é um tema inevitável da cultura brasileira. Então há identificação com o público, há emoção, comédia. E isso é muito gratificante.

Algum fator se destaca como começar do projeto? Eu estava ensaiando para outra peça, um monólogo também e meu personagem era um homem de classe social mais alta e falava em ter empregada doméstica. Aí pensei: não me encaixo aqui, minha mãe era empregada doméstica. Eu deveria contar a história dela. Nasci em uma senzala no interior de São Paulo, fui criado entre quilombolas. A história da imigração italiana passa por este lugar. Meus avós chegaram ao Brasil em 1889, para substituir o trabalho escravo liberto. Minha história é curiosa, pois minha família era composta por italianos brancos que trabalhavam em uma fazenda que pertencia a um homem negro.

Um cenário como esse poderia abrir espaço para questionar o racismo no Brasil, como muitos fazem. Quando você percebeu essa diferença entre brancos e negros nesse cenário? Quando criança não notei nenhuma diferença até entrar na escola, que naquela época e naquela região era de elite. Então meus amigos que jogavam futebol comigo na rua não estavam do meu lado estudando, e esse foi meu primeiro sinal. Este tema do racismo está muito próximo do meu coração. Tanto que dirigi o filme Cafundó (2005) e a peça Cerimônia para um Negro Assassinado (1977). Fiz tudo isso com cuidado para não ultrapassar os limites do lugar de fala, pois existe o lugar de fala, de quem vive a experiência, e a perspectiva do interessado, que observa e analisa. É aí que vejo racismo.

Paulo Betti como Téo Pereira, fofoqueiro da novela Império – (TV Globo/Divulgação/VEJA)

Junto com a peça, você ministra oficinas de atuação. Que conselho você acha que é essencial para jovens atores? Só digo três coisas: anotem, que foi o que eu fiz, registrei toda a minha experiência e agora transformei em uma peça; segundo, decore seu texto; e terceiro, tente não esbarrar no cenário. E essa. Porque eu acho que quando tiver que acontecer alguém no meio, vai acontecer.

A questão da representatividade tornou-se essencial na TV. Atualmente, existe algum personagem que você olha para trás e pensa: eu não deveria ter feito isso? Olha, nunca parei para pensar nisso, pode ser um bom exercício. Talvez o Téo, da novela Império. Ele era um homem gay muito caricaturado e exagerado. Mas ainda hoje ando pelas ruas e as pessoas me pedem para dizer o bordão dele: ‘curuzes‘, e eles se divertem. Não sei, adorei interpretar os papéis que interpretei. E vejo hoje com muita alegria a diversidade nas novelas. Se você olhar uma novela antiga, praticamente não tem negro. E como é que não pensamos nisso? Achávamos que era normal! Hoje vemos a novela antiga e pensamos: o que é isso? Que país é esse? A última novela que fiz foi Amor Perfeito (2023), que teve 50% do elenco negro, incluindo o protagonista. Vejo isso com muita alegria, acho muito positivo. Mas voltando à sua pergunta, não me arrependo dos papéis que desempenhei. Sou um pouco condescendente comigo mesmo (risada).

Às vezes é necessário, não é? Bem, quando eu estava interpretando o papel, fui muito crítico. Não gostei, nunca fiquei satisfeito, mas agora quando vejo fico surpreso. eu não sabia que eu era linda (risada). Agora, minhas filhas assistem novelas antigas e falam: ‘Pai, você estava com calor’. Mas foi bom não ter notado, porque nunca pensei nisso. Esses dias eu estava vendo Mulheres de areia, e eu apareci em cena: claro, era eu há mais de 30 anos, e eu estava pensando, ‘olha, sou muito bonita’. Mas foi uma coisa boa que eu não tinha notado antes, então não pude descansar nesse aspecto.

Você sente falta de fazer novelas? Adoro novelas, adoro. Mas agora não tenho tempo de perder, pois estou na estrada fazendo teatro. Vou falar uma coisa pretensiosa: as pessoas me amam! Descobri isso viajando, conversando no final das peças. Eu não sabia disso. Tem uma memória afetiva forte, minha história junto com a da TV, as pessoas me vendo envelhecendo na tela. Sinto que há um pouco de mim em todos os personagens que interpretei. Eles me influenciam e vice-versa. Walmor Chagas disse que “o personagem é um álibi”, porque há partes de você que não podem ser reveladas. Tudo isso é incrível, mas é uma loucura. Tive a sorte de ter os pés no chão.

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O ator Paulo Betti no palco do monólogo
Ator Paulo Betti no palco no monólogo “Autobiografia Autorizada” (Mauro Khouri/Divulgação)

A terapia está atualizada? Sim Sim. Faço terapia e a brincadeira é terapia. Todas as noites, faço a cena do meu avô morrendo, da minha mãe morrendo. Ao mesmo tempo, são personagens envolvidos em uma criação. De repente mostro a foto de um time de futebol e desabo, é uma mudança emocional. Essas são as armadilhas de uma peça biográfica.

E a reação do público? É muito especial. Hoje em dia não consigo sair da peça sem conversar com as pessoas. Eu tiro fotos, elas me contam histórias. E olha que estupidez da minha parte: a peça é instagramável. E já aviso desde o início: você pode fazer o que quiser. Você pode tirar uma foto, pode olhar o WhatsApp, se distrair um pouco, não pretendo pensar que alguém ficará completamente fixado em mim por mais de uma hora. E as pessoas me fotografam muito, me marcam e eu reposto. É isso, não há como voltar atrás. Você pode me admitir? (risada). Estou em lua de mel comigo mesmo.



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