Ramagem criou dossiê sobre caso Flávio 1 mês antes de Bolsonaro indicá-lo à PF

Ramagem criou dossiê sobre caso Flávio 1 mês antes de Bolsonaro indicá-lo à PF



FOLHAPRESS – A Polícia Federal apreendeu documento que indica que Alexandre Ramagem (PL) produziu para Jair Bolsonaro (PL), em março de 2020, um dossiê secreto com informações que visavam subsidiar ações para anular as investigações “rachadinhas” contra o senador Flávio Bolsonaro.

O arquivo digital, recentemente apreendido de Ramagem, foi criado um mês antes do então diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), hoje pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro, ser escolhido por Bolsonaro para comandar a PF.

O dossiê de Ramagem, intitulado “Bom dia Presidente”, era composto, em termos gerais, por declarações sem comprovação de que Flávio foi levado ao centro do escândalo das “rachadinhas” em decorrência do acesso ilegal aos seus dados fiscais por parte de funcionários do Governo Federal. Receita Federal – as informações foram coletadas de pelo menos três desses servidores.

Esta tese, nunca comprovada, foi oficialmente rejeitada por uma investigação da Receita Federal meses depois.

A escolha de Ramagem para comandar a PF acabou bloqueada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), após Bolsonaro afirmar que pretendia utilizar o órgão de investigação como produtor de informações para suas tomadas de decisão.

Ramagem chefiou a segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, tornou-se amigo da família, diretor-geral da Abin e atualmente é deputado federal pelo PL e conta com o apoio dos Bolsonaros na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro.

No depoimento feito no dia 17 no âmbito da investigação sobre a existência de uma suposta “Abin paralela”, a PF apresentou a Ramagem o documento apreendido em seus aparelhos eletrônicos.

Ao ser questionado sobre qual a motivação e a necessidade do presidente da República receber da Abin informações sobre as investigações contra seu filho mais velho, Ramagem ora respondeu que não se lembrava do documento, ora que escrevia textos de fontes abertas à comunicação de fatos de possível interesse para Bolsonaro.

Isto não significa, prosseguiu, que tenha transmitido ao Presidente da República “a totalidade ou parte dos argumentos que foram escritos”.

Em manifestações anteriores e em depoimento à PF, Ramagem havia negado qualquer envolvimento com ilegalidades quando comandou a Abin. Sua defesa disse ao repórter que ele não se manifestará neste momento. A defesa de Bolsonaro também não comentou.

Segundo investigações da PF, o documento “Bom Dia Presidente” foi criado e alimentado por Ramagem de março de 2020 a março de 2021.

“Os metadados [do arquivo apreendido com Ramagem] indicar a construção do documento com as respectivas alterações para informar o Presidente da República sobre os auditores da Receita responsáveis ​​pelo RIF [relatório de inteligência financeira] que deu origem à investigação do senador Flávio Bolsonaro”, diz o relatório da PF sobre o depoimento de Ramagem.

O dossiê apreendido levanta, sem provas, dúvidas a respeito da Operação Armadeira, que, em outubro de 2019, havia prendido o auditor da Receita Marco Aurélio da Silva Canal por suspeita de extorsão contra investigados na Operação Lava Jato.

Na versão do documento, a operação seria motivada, na verdade, por uma tentativa de desviar o foco dos servidores que fariam parte do grupo que acessa ilegalmente os dados fiscais dos contribuintes, o que incluiria os de Flávio Bolsonaro.

O texto lista então informações sobre os então chefes da Corregedoria da 7ª Região Fiscal (Escor07), Christiano Paes Leme Botelho, da Corregedoria de Estudos e Investigações da 7ª Região Fiscal (Espei07), Cleber Homen da Silva, além ao então Inspetor Geral da Receita, José Pereira de Barros Neto.

O documento relata que os chefes dos escritórios da Receita Federal do Rio já estavam no cargo há anos e que isso só seria possível por omissão do corregedor-geral.

Por isso, continua, seria necessário “detalhar as irregularidades com investigação especial do Serpro [o órgão que detém os dados do Fisco] e monitoramento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em Brasília”.

Na época, o procurador-geral da República era Augusto Aras, indicado para o cargo por Bolsonaro e visto pela família presidencial como uma pessoa alinhada.

O documento que a PF diz ter sido elaborado pelo então chefe da Abin para fornecer informações a Bolsonaro continua, sempre sem apresentar provas, dizendo que a Operação Armadeira havia, certamente, capturado alguns “fiscais ladrões”, mas que consistia, na realidade, em em uma “operação de marketing” patrocinada por supostos algozes de Bolsonaro na Receita Federal.

Esse grupo de funcionários, diz o documento, seria composto também pelo então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto. Todos estariam “na marca do pênalti” para serem desmascarados através da investigação especial no Serpro.

“Eles, portanto, precisam mostrar serviço e aparecer como combatentes contra a corrupção”.

A Receita chegou a abrir investigação sobre o caso, mas concluiu que não havia fundamento para a tese. Os três funcionários da Receita Federal também foram investigados, mas nada de irregular foi encontrado.

Alvo da família Bolsonaro e do dossiê Ramagem, o então chefe do Escor07, Christiano Paes Leme Botelho, foi demitido em dezembro de 2020. O secretário da Receita, Tostes Neto, foi demitido em dezembro de 2021, também em meio à pressão dos Bolsonaros.

Ramagem e o ex-presidente estão no centro da investigação da PF sobre a existência de uma suposta “Abin paralela” durante a gestão passada com o objetivo de espionar ilegalmente adversários políticos, magistrados e jornalistas.

Além do documento “Bom dia presidente”, a PF encontrou junto a Ramagem arquivos em que o ex-diretor-geral da Abin pregava contra a lisura do processo eleitoral brasileiro e a favor de rupturas, além de um dossiê de procuradores que ser contra Bolsonaro e sua família.

Na avaliação dos investigadores, o material coletado nas buscas realizadas reforça a suspeita de que o órgão seja utilizado para divulgar notícias falsas e questionar o resultado das eleições de 2022 do ex-presidente.



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