Primeiro filho de JairBolsonaro seguindo os passos do pai na política — e o único que seguiu o mesmo caminho, a começar pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro —, Carlos Bolsonaro será o único membro do clã a tentar renovar o seu posto nas eleições deste ano. Mas desta vez o mandato de vereador (que seria o sétimo consecutivo, numa vitória dada como certa) deverá ser apenas um trampolim para um voo mais alto. Mais de duas décadas depois de embarcar nas disputas eleitorais, Zero Dois se prepara para chegar ao poder em Brasília. Além do apelo natural da família ao público de direita, da experiência eleitoral e da intensa atuação nos bastidores ao lado do pai, Carlos contará com o apoio de importantes caciques do PL e dos ricos cofres do partido, de mais de 1 bilhão de reais , para direcionar recursos para candidaturas conservadoras em todo o Brasil.
Há duas opções em jogo para 2026. A primeira, mais óbvia, é buscar uma cadeira na Câmara dos Deputados, mandato que, em tese, não seria difícil de obter. Para efeito de comparação, o parlamentar do PL menos votado pelo Rio em 2022 foi Chris Tonietto, com 52 mil votos em todo o estado. Carlos tinha 71 mil só na capital em 2020, quando era do Republicanos, partido com menos poder de fogo que o PL. “Ele certamente será o candidato mais votado neste ano, será o mais votado”, acredita Bruno Bonetti, presidente municipal do PL. “Nossa expectativa é que ajude a eleger de dez a doze vereadores”, afirma o deputado federal Altineu Cortes (PL-RJ). Hoje a bancada conta com apenas três parlamentares.
A segunda opção do Zero Dois – e a mais ambiciosa – é buscar uma vaga no Senado. Como o barco do PL já está congestionado no Rio, por conta da reeleição de seu irmão Flávio e da quase certa candidatura do governador Cláudio Castro —ainda há Carlos Portinho, líder da bancada na Câmara—, surge a possibilidade de Carlos tentar pois o assento já está sendo discutido. por Mato Grosso ou Santa Catarina, locais onde Bolsonaro teve quase 70% dos votos em 2022. Essa alternativa pode levar a um momento inédito na história do Senado. Além de Carlos e Flávio, a família lançará candidatura à Câmara de Eduardo Bolsonaro em São Paulo, onde ele bateu recorde de votação em 2018, e à de Michelle Bolsonaro no Distrito Federal. Pesa a favor da ex-primeira-dama a visibilidade política que adquiriu desde 2022 —a ela é creditada a vitória de Damares Alves no Senado naquele ano na capital federal.
O plano de colocar quase toda a família Bolsonaro no Senado vai ao encontro de uma estratégia mais ampla da direita: obter maioria na Casa Legislativa é um dos principais objetivos deste espectro político para 2026. Presidente do PL, Valdemar Costa Neto disse a VEJA que a meta é quase dobrar a bancada, de treze para 25 senadores. Com dois terços das cadeiras em disputa (54 de 81), a ideia é que a direita alcance a hegemonia e, assim, consiga implementar os planos prioritários do grupo, como ter em mãos a possibilidade de iniciar o impeachment de ministros do STF. “A eleição para o Senado é uma forma de considerar o avanço das funções que o Supremo está tendo ao querer legislar”, afirma o deputado José Medeiros (PL-MT).
O próprio Medeiros, porém, ilustra as dificuldades para colocar em prática o plano do clã Bolsonaro. O deputado é o nome citado pelo partido em Mato Grosso para disputar uma vaga no Senado. Para permanecer na direita, outra vaga deverá ser buscada pelo governador Mauro Mendes ou pelo atual senador Jayme Campos, ambos do União Brasil. Ex-governador, Campos já manifestou sua irritação com a possibilidade de Carlos concorrer ao estadual. “Aqui há mulheres e homens com capacidade suficiente para representar o povo mato-grossense”, afirmou em entrevista à imprensa local. Em Santa Catarina, estado onde a direita se fortaleceu significativamente nos últimos anos, a situação tende a ser mais fácil. Carlos poderia disputar as cadeiras de Esperidião Amin (PP) ou Ivete da Silveira (MDB) —ela foi substituta e ocupou a vaga devido à demissão de Jorginho Mello, aliado de Bolsonaro, para disputar (e vencer) a eleição governista .
Apesar da longa carreira como vereador, Carlos Bolsonaro tem muito pouco a mostrar ao eleitorado além do sobrenome e da devoção ao pai. Na Câmara Municipal foi sempre um político discreto, muitas vezes ausente. Alguns de seus últimos projetos que viraram lei foram aqueles que criaram o Dia do Conservadorismo e o Dia da Solidariedade com Israel. Ficaram famosas suas longas estadias em Brasília e sua presença constante em reuniões de governo quando seu pai era presidente, o que lhe rendeu o apelido jocoso de “vereador federal”. Na semana passada, ele reclamou da falta de apoio na Câmara. “É raro encontrar lá pessoas que defendam ideias. Normalmente perdemos 99,9% dos votos”, declarou em ao vivo, ao lado do irmão Eduardo, para pré-candidatos a vereador. E deu uma dica dos seus planos: “O eleitor tem a responsabilidade de eleger pessoas mais alinhadas com a direita, há um desejo de que essas pessoas alcancem patamares maiores num futuro próximo, talvez em 2026”.
Além de tentar mudar o patamar de Carlos, os planos do clã Bolsonaro incluem outros investimentos. Jair Renan, o Zero Quatro, tentará ser vereador em Balneário Camboriú (SC). O irmão do ex-presidente, Renato Bolsonaro, concorrerá à prefeitura de Registro (SP), com o apoio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). No caso de Carlos, existem alguns grandes entraves para a campanha em busca de um novo mandato no Rio e em relação aos planos de alçar “voos mais altos”. Ele é um dos principais alvos da investigação da Polícia Federal sobre as atividades da “paralela” Abin, esquema clandestino que supostamente operava no governo de seu pai. Além de ser alvo de uma investigação específica sobre uma conta bancária que tinha nos Estados Unidos, ele é apontado como um dos chefes do suposto “gabinete do ódio”, que se alimentava do monitoramento feito pelo grupo para espalhar notícias falsas e acusações contra oponentes. A situação fica ainda mais delicada porque um dos principais alvos da PF é o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), de quem Carlos é uma espécie de coordenador informal de campanha. para a prefeitura do Rio.
Mesmo que as novas apostas não se concretizem, o clã Bolsonaro já pode ser considerado o maior da história do país, que, aliás, tem uma longa tradição nesta área. Há aqui uma rica história de transmissão de bens políticos de um membro da família para outro. É o caso de Arraes, em Pernambuco, que já fez dois governadores (Miguel Arraes e seu neto, Eduardo Campos) e pode eleger o terceiro, João Campos, o popular prefeito do Recife e filho de Eduardo. Há também o exemplo do baiano Antonio Carlos Magalhães, que teve como herdeiros dois nomes fortes da política nacional: seu filho Luís Eduardo Magalhães, falecido em 1998, e o ex-prefeito de Salvador ACM Neto. No Pará, a família Barbalho já comandava o estado com Jader e seu filho Helder —há também Jader Filho, ministro das Cidades.
A história das dinastias políticas no país é antiga, remontando ao período colonial —caso de Orléans e Bragança, que ainda têm representante na Câmara dos Deputados (Luiz Philippe de Orléans e Bragança). Pesquisa do sociólogo Ricardo da Costa Oliveira, professor da UFPR, que estuda genealogias e nepotismo na política brasileira, mostra que mais de 70% do Congresso é dominado por parlamentares descendentes de políticos. A família Bolsonaro, porém, foi aonde poucos conseguiram. “Bolsonaro foi presidente, criou o bolsonarismo, tem filhos, mulher e ex-esposas atuantes. Temos famílias muito antigas e tradicionais, que remontam ao período colonial, mas, nesta década, a família Bolsonaro é a mais forte, ainda hoje na oposição”, afirma. Para ele, o sistema partidário e eleitoral beneficia os clãs com acesso a recursos e autonomia para destinar emendas às bases.
Embora tenham muitas características em comum, cada um dos filhos de Bolsonaro tem sua verve política. Flávio é considerado o melhor articulador, enquanto Eduardo é uma espécie de embaixador da direita brasileira no mundo. Já Carlos costuma falar publicamente apenas pela internet. Nos bastidores, porém, ele é um importante conselheiro político do pai, cuida das redes sociais do ex-presidente e é um membro respeitado da comunidade digital de direita. Poucos aliados se arriscam a falar dele, comentando suas atividades políticas ou projetos futuros. Mas o “pit bull”, que quebrou o protocolo e sentou-se no banco de trás do Rolls-Royce presidencial quando Bolsonaro desfilou na posse em 2019, poderá retornar a Brasília. Desta vez, o sonho é ser levado até lá pelos eleitores.
Publicado em VEJA em 26 de julho de 2024, edição nº 2.903
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