Emenda vetada pelo STF sobrevive e chega a 1 de cada 3 cidades em ano eleitoral

Emenda vetada pelo STF sobrevive e chega a 1 de cada 3 cidades em ano eleitoral



SÃO PAULO E BRASÍLIA, Nenhum (FOLHAPRESS) – As transferências de dinheiro público com baixa transparência e sem critérios técnicos realizadas por meio das chamadas emendas de relatoria totalizaram R$ 1,9 bilhão em 2024 e devem impactar diretamente nas eleições em quase 1,7 mil cidades do país , 30% do total de municípios brasileiros.

Essa forma de direcionar os recursos federais por deputados e senadores ganhou relevância no governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), foi proibida no final de 2022 pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e continua no governo Lula (PT).

Após serem banidas pelo STF, as alterações do relator foram retiradas dos orçamentos subsequentes da União, mas ainda são aplicadas na prática por meio de um mecanismo denominado “restos a pagar”.

São valores que já haviam sido reservados pelo Executivo antes da decisão do Supremo e que ficam uma espécie de pendência para os anos seguintes.

Em geral, os saldos a pagar das alterações do relator são provenientes de convênios e obras públicas parceladas. A liberação de recursos depende do andamento das obras.

O governo Lula herdou R$ 16,3 bilhões, no Orçamento de 2023, em restos a pagar das emendas do relator.

Em valores absolutos, a cidade do Rio de Janeiro foi a mais beneficiada com pagamentos desse tipo de alteração em 2024. No total, a capital fluminense recebeu R$ 68,6 milhões até 9 de julho.

Considerando a população da cidade de 6,2 milhões de habitantes, segundo dados do Censo Demográfico 2022, o recurso equivale a cerca de R$ 11,05 para cada carioca.

A maior parte dos recursos destinados ao Rio em 2024 foi aplicada em obras da Avenida Brasil. O dinheiro para o serviço foi autorizado (reservado no orçamento) em 2020.

A cidade que mais arrecadou recursos herdados de Bolsonaro, por habitante, foi Cutias, no Amapá. O valor repassado ao município corresponde a R$ 1.576,97 para cada Gameleirense. Segundo o Censo, a cidade tem 4.461 habitantes e o valor total recebido com emendas foi de R$ 7 milhões.

Segundo dados do portal orçamentário Siga Brasil, o principal arcabouço oficial utilizado para justificar os repasses de valores foi o apoio à política nacional de desenvolvimento urbano voltada à implantação e qualificação de estradas, que inclui obras de pavimentação em redutos eleitorais de parlamentares, com R$ 554 milhões .

A segunda maior ação governamental que recebeu alterações do relator foi o apoio a projetos locais de desenvolvimento sustentável integrados à assistência comunitária, que foi responsável pela cobertura de R$ 462 milhões. Em terceiro lugar ficou o apoio à política nacional de desenvolvimento de infraestrutura urbana com R$ 271 milhões.

As emendas pagas por Lula em 2024 abrangem os três anos de emendas do relator. Do total pago, R$ 680 milhões referem-se a alterações apresentadas em 2020, R$ 1 bilhão a alterações em 2021 e R$ 275 milhões a alterações em 2022.

A maior parte dos R$ 1,9 bilhão pagos pela atual gestão neste ano eleitoral, para um total de 1.697 cidades, foi direcionada a órgãos públicos municipais, que totalizaram R$ 1,6 bilhão.

Em segundo lugar estão os órgãos públicos estaduais e o Distrito Federal (R$ 143 milhões), seguidos pelas empresas do setor privado com R$ 96 milhões, entidades sem fins lucrativos (R$ 25 milhões) e empresas do setor público (R$ 21 milhões).

Os recursos vieram do orçamento de 25 órgãos governamentais, entre ministérios, fundos e empresas públicas.

A secretaria que mais pagou por essas alterações foi o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, que desembolsou R$ 1,2 bilhão.

Em segundo lugar está o Ministério da Agricultura e Pecuária com R$ 167 milhões, seguido pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) com R$ 137 milhões. O Ministério da Defesa está em quarto lugar com R$ 104 milhões.

Em junho, o ministro Flávio Dino (STF) determinou a realização de audiência para discutir possível descumprimento da decisão do tribunal que declarou inconstitucionais as emendas do relator.

Dino afirmou na altura que não havia “nos autos provas cabais do cumprimento integral desta ordem judicial”.

“Ressalto que todas as práticas que possibilitem o ‘orçamento secreto’ devem ser definitivamente rejeitadas, tendo em vista o comando claro deste Supremo declarando a inconstitucionalidade do instituto atípico”, destacou.

O ministro do STF marcou a sabatina para o dia 1º de agosto.

O repasse de emendas bilionárias com baixa transparência tornou-se um símbolo das negociações entre Congresso e Planalto durante o governo Bolsonaro.

As emendas em geral são uma forma pela qual deputados e senadores podem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, aumentar seu capital político. Como mostrou a Folha de S.Paulo, a prioridade do Congresso é atender redutos eleitorais, e não os locais de maior demanda no país.

Depois que o STF proibiu as emendas do relator, o Congresso contornou o veto e destinou os recursos para emendas de bancada e de comissão, o que também não indica o verdadeiro padrinho político dos recursos.

Durante a campanha de 2022, Lula chamou as emendas do relator de “maior esquema de corrupção da atualidade”, “orçamento secreto” e “bolsolão”.

As negociações pelos recursos, porém, continuam com pouca transparência e sob a influência no Congresso dos mesmos atores que atuaram durante o governo Bolsonaro. No caso da Câmara, o próprio presidente, Arthur Lira (PP-AL), é um dos responsáveis ​​pela partilha dos recursos das comissões.

GOVERNO E CONGRESSO DIZEM QUE CUMPREM DECISÃO DO STF

Em nota enviada pela Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, o governo Lula afirmou que “o pagamento dos saldos a pagar pelas emendas do relator seguiu estrita e rigorosamente o que foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal”.

“De acordo com esta decisão, a continuidade da execução dos recursos já comprometidos fica sujeita à discricionariedade do órgão responsável, que poderá continuar nos casos em que as indicações estivessem de acordo com critérios de política pública. condições É de cada órgão que executa emendas parlamentares”, acrescentou a atual gestão.

Em nota, a assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados afirmou que a casa legislativa cumpre a decisão do STF.

“Todas as informações a respeito dessas emendas já estavam disponíveis na página da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional”, segundo a assessoria de imprensa.

A assessoria de imprensa do Senado afirmou que a casa já prestou informações ao STF sobre o cumprimento da decisão do tribunal. Em petição à corte, o Senado afirmou que “foram adotadas sucessivas medidas para aumentar a publicidade, a transparência e os mecanismos de controle institucional e social na indicação de emendas do relator geral, especialmente no que diz respeito à identificação obrigatória do parlamentar solicitante ou apoiador”.

ENTENDA AS ALTERAÇÕES PARLAMENTARES E DO RELATOR

O que são emendas parlamentares?

A Constituição de 1988 autoriza o Legislativo a participar do processo orçamentário. Permite, dentro de limites, que façam alterações à proposta orçamental anual enviada pelo Executivo. Cada parlamentar tem o direito de apresentar emendas individuais, dentro de certos limites. Bancadas estaduais e comissões permanentes do Congresso também têm direito a emendas

Quais são os tipos de alterações?

As emendas parlamentares estão atualmente divididas em:

– Emendas individuais: Cada um dos 594 parlamentares tem direito a apresentar até 25 emendas individuais. A execução das emendas foi uma decisão política do governo, mas a partir de 2015 o Executivo passou a ser obrigado a realizar as despesas por elas previstas

– Emendas de bancada: É o orçamento proposto pelas bancadas estaduais. Em 2019, o Congresso ampliou o orçamento tributário ao aprovar a emenda constitucional 100, tornando obrigatório o pagamento desse tipo de emenda

– Emendas de comissões: São valores propostos pelas comissões permanentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e pelas comissões paritárias do Congresso

– Alterações do Relator: Utilizadas apenas como forma de corrigir correções específicas no Orçamento pelo relator da proposta; tornou-se a principal moeda de troca nas negociações entre o governo de Jair Bolsonaro (PL) e o Legislativo

Quais foram as alterações do relator?

Foram uma forma de corrigir eventuais imprecisões na proposta orçamentária anual feita pelo relator. Durante o governo Bolsonaro, eles serviram para destinar recursos federais a despesas de interesse de deputados e senadores. Suas regras foram alteradas para ampliar o campo de atuação do relator, autorizando a utilização de suas alterações para financiar quase qualquer tipo de despesa.

Qual é o problema?

Os recursos separados pelo relator no Orçamento foram distribuídos durante o ano conforme instruções dos parlamentares, sem transparência e sem critérios claros de divisão do dinheiro. Eles foram usados ​​para favorecer deputados e senadores alinhados ao governo e à liderança do Congresso.

Quando essas alterações foram criadas?

As alterações do relator são provenientes da Constituição de 1988, para garantir a participação do Congresso no processo orçamentário. Seu alcance foi ampliado durante o governo Bolsonaro, por iniciativa de parlamentares e do Executivo.

O que o Supremo Tribunal decidiu sobre as emendas?

Em 2021, o STF determinou que o Congresso criasse um sistema de divulgação dos patrocinadores e beneficiários das emendas do relator. O sistema criado deu mais transparência às alterações, mas ainda esconde muitas informações.

No ano seguinte, o tribunal declarou inconstitucional o uso discricionário das emendas do relator. O placar foi de 6 votos a 5 para a derrubada do mecanismo. A decisão também determinou que os recursos restantes fossem gastos sem estarem vinculados a indicações formuladas pelo Congresso.



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