O racismo e a impunidade no Brasil de Simone Diniz a Benedita da Silva

O racismo e a impunidade no Brasil de Simone Diniz a Benedita da Silva



A cúpula de Procuradoria-Geral da República entendeu que o deputado federal Carla Zambelli (PL-SP) foi simplesmente “infeliz”, por não ter cometido o crime de racismo, ao ligar, duas vezes no mesmo dia, para o deputado federal Benedita da Silva (PT-RJ) de Chica da Silva.

A informação foi publicada pela jornalista Malu Gaspar no jornal O Globo.

A PGR ainda deve se manifestar formalmente na representação apresentada pelo líder petista na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), no dia 3 de julho, data que marca o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial.

O entendimento dos promotores se basearia na falta de provas de que Zambelli agiu com a intenção de ofender Benedita ao chamá-la de Chica da Silva, uma mulher negra, nascida em 1732, em Serro, Minas Gerais, que herdou de seu filho a condição de escrava. mãe.

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Esse argumento não é incomum para a distorção de casos de racismo pelo sistema de justiça brasileiro, que é majoritariamente composto por homens brancos.

Foi o que aconteceu no caso Simone Diniz, o primeiro litígio internacional contra o Estado brasileiro por violação de direitos humanos na área de discriminação racial, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em março de 1997, Simone Diniz foi recusada para trabalhar como empregada doméstica, cujo anúncio indicava “de preferência branca”.

Ao entrar em contato telefônico com o pretenso empregador, ao ser questionada sobre sua raça/cor, ela se declarou negra, sendo informada que não preenchia os requisitos para contratação.

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A vítima procurou o Departamento de Investigações de Crimes Raciais, que abriu, em 5 de março de 1997, o Inquérito Policial nº 10.541/97-4, para apurar a suposta violação do artigo 20 da Lei nº 7.716, de 1989, que define como A prática de discriminação ou preconceito racial é crime.

Porém, concluídos os inquéritos policiais, o Ministério Público decidiu arquivar o caso por falta de provas de racismo, e foi acompanhado pelo juiz, que sentenciou o caso, arquivando o processo.

Em outubro do mesmo ano, o caso chegou à CIDH em uma petição contra a República Federativa do Brasil por violação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e da Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. A decisão de mérito destacou a ineficácia do sistema de justiça brasileiro em responsabilizar os autores de crimes raciais, conforme explicado no Relatório nº 66 – Caso 12.001, de 21 de outubro de 2006.

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O relatório da CIDH mostra que, apesar da evolução histórica do tratamento das questões raciais pelo ordenamento jurídico brasileiro, a realidade fática demonstra que o sistema de justiça não aplica legislação antirracista, configurando-se em uma estrutura própria e funcionando como uma instância que reproduz o racismo. institucional.

A Comissão identificou entre as causas da ineficácia na aplicação da Lei nº 7.716, de 1989, a exigência, por parte do sistema de justiça brasileiro, de comprovação de ódio racial ou intenção discriminatória. Acontece que a demonstração inequívoca da intenção de ofender ou discriminar a vítima como elemento preliminar e indispensável para a configuração dos crimes de racismo, condiciona a responsabilização dos racistas à sua própria confissão, resultando na impunidade. Nas palavras da CIDH, há condescendência por parte do sistema de justiça brasileiro para com a prática do racismo contra pessoas negras.

Talvez essa mesma condescendência explique a não adoção de medidas de responsabilização do ex-presidente da República Jair Bolsonaro pela prática do racismo, apesar da representação feita por membros da Defensoria Pública da União e do Ministério Público, dirigida ao então Procurador-Geral da República. da República Augusto Aras. O documento narra uma série de condutas racistas de Bolsonaro, desde comparar o cabelo preto de um homem negro a uma fazenda de baratas, até a afirmação de que os quilombolas pesavam mais de sete arrobas e não eram nem aptos para procriar, e, também, pela afirmação em entrevista que não aceitaria ser atendido por um médico cotista.

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De acordo com a Constituição de 1988, a República Federativa do Brasil tem como princípio o repúdio ao racismo e, como objetivo fundamental, a promoção do bem comum sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Desde a sua proclamação – e como resultado da participação dos movimentos negros na Assembleia Constituinte –, o racismo tornou-se um crime imprescritível e inafiançável.

Contudo, não parece que o sistema de justiça tenha realmente absorvido os valores da nossa Constituição cidadã que, talvez, se efetivamente praticada, militaria contra o que Cida Bento chama de pacto narcísico da branquitude, um pacto de silêncio para manutenção de privilégios.

O mês de julho marca o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha (25/07). Mas também o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, 3 de julho, data em que foi aprovada a Lei Afonso Arinos, a primeira lei brasileira contra o racismo, em 1951. Sem falar no nascimento, em 11 de julho de 1901, de Antonieta de Barros , a primeira mulher negra a assumir mandato político no Brasil, em 1934. Foi professora, jornalista, escritora e política, além de fundadora do Curso Particular Antonieta de Barros. Barros, visando alfabetizar a população carente. Sob o pseudônimo de Maria da Ilha, escreveu o livro “Farrapos de Ideias” (1937). Em seus escritos e trajetória política, foi uma defensora ativa da emancipação feminina, da educação para todos e da valorização da cultura negra.

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Porém, logo no seu início, o mês de julho de 2024 já marcou a prática do racismo contra Benedita da Silva, a abordagem racista da Polícia Militar do Rio de Janeiro aos jovens negros filhos de diplomatas, no Leblon, e, certamente, inúmeras outras atos de racismo não denunciados, tão naturalizados pela sociedade brasileira.

Se não fossem os caminhos abertos por Antonieta de Barros, talvez não tivéssemos Benedita da Silva – que já foi empregada doméstica, como a própria Simone Diniz –, importante figura pública e com legado indiscutível para a (re)construção do Democracia brasileira.

Para quem não lembra ou, convenientemente, abdica do direito à memória, Benedita da Silva participou na Assembleia Constituinte de 1987/88, quando gritou: “Queremos proclamar a nossa abolição. Não é ódio, nem ressentimento, apenas um grito de liberdade!”

Que, então, a trajetória de todas as mulheres negras deste país seja um exemplo para o Brasil ter vergonha do seu passado escravista e reconhecer – como os movimentos negros já nos ensinam – que “não há democracia com racismo”. O grito de liberdade que a elite brasileira finge não ouvir.



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