Casos recentes de pais exibindo crianças dirigindo veículos nas redes sociais geram críticas de criminalistas e psicólogos, e reacendem debates sobre a responsabilização das plataformas ao divulgar infrações de trânsito

Casos recentes de pais exibindo crianças dirigindo veículos nas redes sociais geram críticas de criminalistas e psicólogos, e reacendem debates sobre a responsabilização das plataformas ao divulgar infrações de trânsito


Filhos de Andressa Suita e Gustavo Lima dirigindo carro em Goiás. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Há duas semanas, o menino argentino Lorenzo Somaschini, de 9 anos, morreu após sofrer um acidente nos treinos livres do Autódromo de Interlagos para uma corrida de motos 160 cilindradas com participantes entre 8 e 18 anos. Esta semana, a modelo Andressa Suita, esposa do cantor sertanejo Gusttavo Lima, publicou no Instagram um vídeo em que o filho de 7 anos dirige um carro. Outra estrela sertaneja, Simone Mendes também exibiu o filho de 9 anos dirigindo, em outro vídeo nas redes sociais.

A morte de Lorenzo e a exposição dos filhos das duas estrelas musicais chamaram a atenção para um perigo frequente a que as crianças estão expostas por pais que não cumprem as leis de trânsito e não avaliam os riscos daquilo que incentivam: deixar menores conduzirem veículos que deveriam ser guiado apenas por adultos. Os especialistas destacam que esta introdução prematura compromete o desenvolvimento do menor.

“Autorizar menor de idade a dirigir veículo é crime. O caso desse perfil é diferente do jovem que participou de treinamento esportivo, previsto na legislação, que determina a impossibilidade de treinamentos e competições na via pública”, alerta o advogado criminalista Rafael Paiva.

Comentários nas publicações mostram que a prática divide opiniões. Enquanto parte dos internautas afirmam que o pai do menino é “irresponsável” e deveria “ser preso” por deixá-lo dirigir, outra parte do público zomba da situação. “Quero dar essa vida ao meu filho”, escreveu um seguidor. “Ele precisa me adotar”, postou outro.

A psicopedagoga Márcia Tavares destaca que o incentivo a práticas e vídeos expõe a criança a uma experiência que ela ainda não tem condições físicas e emocionais de viver. “Ao permitir e incentivar seus filhos a dirigir e até postar nas redes sociais, os pais estão ensinando seus filhos a infringir regras legais e sociais”, alerta.

Para o especialista em trânsito Rodrigo Kleinubing, esse comportamento “irresponsável e criminoso” traz consequências perigosas “a curto e longo prazo”. Não só para as crianças, mas para todos os impactados pela logística de trânsito, ele alerta:

“Eu me pergunto como serão esses motoristas quando crescerem e se tornarem adultos. Eles são treinados e incentivados pelos responsáveis ​​ou amigos para perpetuar a impunidade. Esses valores repassados ​​principalmente pelos familiares contribuem para o descumprimento das regras de trânsito observadas no país”.

Papel das redes

A discussão sobre a responsabilidade das redes sociais na divulgação de imagens de infrações de trânsito no ambiente virtual vem ocorrendo nos últimos anos. Em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) esvaziou um projeto de lei que proibia a prática e manteve apenas dois dispositivos não relacionados ao tema. Bolsonaro alegou “contrariar o interesse público e inconstitucionalidade” porque a norma restringiria a liberdade de expressão e de imprensa. Os vetos foram mantidos pelo Congresso Nacional.

Professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito, Filipe Medon avalia que, apesar de sancionar parcialmente a proposta, o Executivo vetou trechos essenciais à real eficácia do combate à disseminação de crimes de trânsito no ambiente digital.

“A medida vetada criou a obrigação das plataformas retirarem esse conteúdo após notificação judicial. Seria um avanço em relação ao Marco Civil, que possui entraves que dificultam a remoção de conteúdos que retratam ou compactuam com atos ilícitos. Via de regra, as plataformas não têm o dever de moderar conteúdos, apesar de eventualmente lucrar com a monetização das publicações”, detalha Medon.

O que a lei diz

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece a idade mínima de 18 anos para obtenção da habilitação e estabelece que somente crianças maiores de 10 anos podem viajar no banco dianteiro do automóvel. No caso da prática desportiva, a lei diz que a mesma deve ser realizada em ambientes adequados e sob supervisão autorizada dos tutores do menor.

Os menores flagrados dirigindo estão sujeitos a medidas socioeducativas. O proprietário do veículo, por sua vez, enfrenta multa de R$ 880,41 a R$ 1.173,88 e sete pontos na carteira. Foram aplicadas 73.294 multas por permitir que uma pessoa sem habilitação dirija veículo no país nos primeiros cinco meses deste ano, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).