Em uma arena chamada bumbódromo, no centro de Parintins, cidade do interior do Amazonas localizada a 369 quilômetros de Manaus, dois bois “se enfrentam” diante de um público de 25 mil pessoas, divididos entre dois lados: um vermelho, outro Boi Garantido, enquanto o ala azul torce pelo Boi Caprichoso. O Festival de Parintins é a maior celebração amazônica da tradição do boi-bumbá. Com dançarinos fantasiados de bois, cunhã-porangas, músicas, danças, rituais, entre outros elementos característicos, a competição é a segunda maior fonte de renda da região — atrás apenas da pecuária.
Com investimento milionário do Governo do Amazonas e do Ministério do Turismo, o Festival de Parintins é considerado patrimônio cultural brasileiro desde 2018, mas o evento existe oficialmente desde a década de 1960. O público do festival em 2023 foi formado majoritariamente por amazonenses (82,04%), sendo o restante Pará (9,69%, São Paulo (1,67%) e Rio de Janeiro 1,53%). Isso gerou uma receita de 146 milhões de reais para Parintins.
Na edição de 2024, que acontece no próximo final de semana (entre 28 e 30 de junho), o município espera receber 120 mil turistas (10 mil a mais que no ano passado) e um lucro de pelo menos 150 milhões de reais à economia local. A desistência da Globo em exibir o evento após não conseguir acordo com a TV A Crítica, detentora dos direitos do evento, rapidamente minou as grandes expectativas, porém, o festival já é uma tradição consolidada há muitos anos.
VEJA apurou que o estado do Amazonas injetou 8 milhões de reais em investimentos em 2024, além de patrocínios privados para o evento, que chegam a 15 milhões de reais. Só a Coca-Cola transferiu 2,5 milhões de reais, valor repartido entre Caprichoso e Garantido. O Ministério do Turismo destinou 10 milhões de reais para o Festival de Parintins este ano.
Segundo Renato Mesquita Rodolfo, professor de história do Senac São Paulo, em conversa com o repórter, o Festival de Parintins surgiu como resultado de disputas de gangues na década de 1960, mas há registros de festas com presença de figuras próximas ao menino. bumbá da segunda metade do século XVIII, segundo pesquisas de Rui Carvalho e Mário Ypiranga Monteiro, além de relatos de viagem do médico alemão Robert Christian Avé-Lallemant, datados de 1859, em viagem pela região amazônica.
“Ele descreveu festas com características que lembram as celebrações do bumba-meu-boi e do boi-bumbá. Outro elemento que faz parte dessa mistura é a migração nordestina que ocorreu em diferentes períodos para a região amazônica, um primeiro fluxo na década de 1870, em decorrência de um longo período de seca no Nordeste, outros fluxos nas décadas seguintes , atraído (ou levado) por conta da chamada ‘febre da borracha’”, explicou Rodolfo.
As associações Garantido e Caprichoso foram fundadas no início do século XX, na década de 1910, época em que não havia tradição na utilização das cores azul e vermelho. “Em 1965 decidiu-se pela criação de um festival de quadrilha com o objetivo de arrecadar fundos para a construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no ano seguinte os grupos de boi-bumbá passaram a fazer parte do festival. Com o passar dos anos, a competição foi ficando mais acirrada e apenas o Garantido e o Caprichoso permaneceram na competição anual, que acontece sempre na última sexta-feira de junho e vai até domingo”, acrescenta o professor de história.
Boi Caprichoso
Em entrevista a VEJA, o presidente do Boi Caprichoso e artista visual, Rossy Amoedo, falou da responsabilidade em buscar a terceira vitória consecutiva do clube. “Tudo o que fazemos e planejamos é com muito amor por tudo que o boi representa em nossas vidas. É um fardo buscar o tricampeonato, mas o boi que cometer menos erros vencerá. E temos um grupo de pessoas muito bom para produzir os espetáculos”, afirmou, que também destaca a importância do festival na dinamização da economia local. “São 140 mil pessoas que dependem financeiramente do sucesso deste evento.”
Boi Garantido
Também em conversa com VEJA, Fred Góes, presidente do Boi Garantido, analisa o fenômeno cultural do Festival de Parintins como o último grande evento de massa lançado no Brasil. “É uma grande obra popular criada e desenvolvida aqui no Norte e Nordeste. Há algum tempo os bois quase desapareceram porque a comunidade perdeu o interesse, mas foi com a criação de rivalidade entre os bois que o evento voltou a ganhar relevância, com apresentações desta ‘disputa’”, explicou.
Como é o Festival de Parintins?
Divididos em três dias, os bois se apresentam em cada noite, apresentando seu desfile composto por muita música, show de fogos de artifício, um apresentador, um cantor dos hinos que contam as histórias do Caprichoso e do Garantido, além de outros personagens, como como a cunhã-poranga, a dona da fazenda, o porta-estandarte, o criador de toadas, o dono do boi, o marinheiro, o pajé, o caboclo lanceiro, os guardiões do boi, o porta-bandeira, além disso, claro, da torcida organizada.
Além do que acontece dentro da arena, o festival também é comemorado fora do bumbódromo, com visitantes oferecendo outros shows e apresentações, incluindo os cantores Belo e Thiaguinho. Há também um festival gastronômico no local.
A disputa entre os torcedores é tão forte, com o uso constante das cores dos bois, que até marcas se curvam à soberania do azul e do vermelho. Em Parintins, a lata da Coca-Cola e o banco Bradesco trocam o tradicional vermelho pelo azul, só para agradar aos torcedores do Caprichoso. “A Festa de Parintins e outras festas que acontecem durante todo o ano no município e na região – todas com alguma ligação com o boi – provocam intensa circulação de pessoas, culturas, saberes e capitais. Em outras palavras, estamos falando de riquezas no plural. A economia da região, a criação de empregos diretos e indiretos, a relevância cultural, entre outros fatores, orbitam o festival de alguma forma e em algum nível. Consequentemente, tanto o Garantido quanto o Caprichoso refletem todas essas riquezas”, finaliza o professor Renato Mesquita Rodolfo.
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