Tecnologia de ponta recria a voz do rei Ricardo III

LONDRES – O rei Ricardo III da Grã-Bretanha foi imortalizado com a frase de Shakespeare: “Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo”.

Agora, a tecnologia de ponta revelou como seria se ele realmente tivesse pronunciado essas palavras pouco antes de sua morte em 1485, na Batalha de Bosworth.

Ao contrário dos tons de classe alta de seus sucessores modernos, a voz do rei recriada tem um sotaque mais comum e terreno enquanto ele recita um manuscrito medieval em uma exibição que foi inaugurada no domingo no Theatre Royal, na antiga cidade de York, no Reino Unido.

O projeto, que está sendo elaborado há 10 anos, foi ideia da treinadora vocal britânica Yvonne Morley-Chisholm, que abordou uma equipe baseada no Face Lab da Universidade John Moores de Liverpool, no Reino Unido, e desde então contou com a ajuda de especialistas líderes em uma série de de campos para criar o avatar.

“Isso envolveu odontologia, fisioterapia, reconstrução craniofacial, pronúncia original, psicologia forense, todo tipo”, disse ela à NBC News em entrevista por telefone na segunda-feira, acrescentando que levaram “10 longos anos” para juntar “as peças no quebra-cabeça, porque queríamos que isso fosse baseado em evidências.”

É o episódio mais recente na história do monarca condenado, que foi rei da Inglaterra por apenas dois anos, de 1483 até sua morte, dois anos depois, aos 32 anos.

Pouco mais de 100 anos depois, em 1592, Shakespeare o difamou como um corcunda, dando-lhe o famoso grito de desespero sobre um cavalo como sua última frase. Seu corpo foi descoberto posteriormente sob um estacionamento em 2012.

Para ajudar a descobrir como Richard e seus contemporâneos poderiam ter soado, Morley-Chisholm contou com a ajuda do professor David Crystal, um importante linguista e especialista na pronúncia do século XV.

“Nada assim aconteceu antes”, disse Crystal em entrevista por telefone na segunda-feira. “Isso é o mais próximo que podemos chegar. É cerca de 90% de precisão.”

Crystal acrescentou que criou “o sistema de som” da época observando a grafia das palavras, as rimas que existiam na poesia da época e o que os contemporâneos de Richard escreveram sobre a grafia e a pronúncia do inglês.

O resultado, disse ele, “não se parece em nada com nenhum sotaque moderno”.

“Tem ecos distintos de alguns sotaques modernos, e o eco predominante foi definitivamente o Yorkshire”, disse ele, referindo-se ao condado no norte da Inglaterra conhecido pelo seu dialeto distinto.

Richard ganhou as manchetes globais há 12 anos, quando seus restos mortais foram encontrados pela historiadora britânica Philippa Langley em um estacionamento em Leicester, uma cidade a cerca de 160 quilômetros ao norte da capital do Reino Unido, Londres.

Desde então, tomografias computadorizadas do esqueleto ajudaram os cientistas a reconstruir seu rosto e corpo, revelando que, embora ele tivesse curvatura na coluna, ele não era o corcunda que Shakespeare retratou.

“O esqueleto descartou todos os mitos”, disse Morley-Chisholm. “Ele não mancava, não tinha braço atrofiado, corcunda. Ele foi capaz de falar em público.”

“Sem a descoberta dos seus restos mortais, este projeto não teria sido possível”, acrescentou.

O esqueleto também ajudou Morley-Chisholm a encontrar o ator que eventualmente interpretaria o avatar do rei.

Após 10 anos de pesquisa, ela disse que escolheu o ator britânico Thomas Dennis porque seu rosto combinava perfeitamente com o físico. Ela então ensinou a Dennis o sotaque e a personalidade do rei.

Langley também esteve envolvido no projeto desde o início, aconselhando sobre o caráter e a personalidade de Ricardo, estudando cartas, diários e descrições públicas do rei, e observando como isso poderia afetar a maneira como ele fala.

“O que pudemos obter então foi uma probabilidade, quase quase certa, do caráter reconhecido de Ricardo III durante a sua vida”, disse ela numa entrevista por telefone na segunda-feira. “Você está vendo o retrato mais preciso de Ricardo III.”

Mathew Morris, responsável pelo projeto nos Serviços Arqueológicos da Universidade de Leicester, que esteve envolvido na escavação há 12 anos, mas não fez parte do projeto avatar, disse que o projeto foi “um passo brilhante”.

“Há um limite para o que você pode aprender com um esqueleto”, disse ele na segunda-feira. “É criar um recurso que permite às pessoas explorar facetas menos tangíveis da sua vida de formas novas e inovadoras. Você simplesmente não sabe o que isso vai inspirar.”

Enquanto isso, Crystal disse que já estava imaginando outros rostos e vozes famosas do passado sendo recriadas.

“Acho que quando as pessoas veem e ouvem, então, você sabe, esqueçam Richard. Quem mais podemos fazer? ele disse.