A advogada brasileira Vercilene Dias foi a primeira mulher quilombola a falar em um Fórum Político de Alto Nível da ONU. A intervenção ocorreu no painel sobre combate à pobreza da edição 2024 do evento, que acontece na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, e dura até quinta-feira.
Ela considera que a sua presença no centro da diplomacia internacional contribui para trazer “visibilidade a comunidades discriminadas por trabalho e ascendência”, como os quilombolas.
Combater o racismo estrutural
Vercilene acredita que precisamos ir mais longe. Em entrevista ao UN News, ela afirmou que as populações que sofrem com o racismo estrutural e a negação de direitos devem ter voz na formulação de políticas públicas.
“Um dos maiores desafios para nós hoje, como quilombolas, é também superar essas barreiras do racismo estrutural, do racismo institucional. É justamente ocupar espaços nos órgãos governamentais onde ocorrem as tomadas de decisão em relação às políticas públicas em geral”.
Os quilombolas são descendentes de comunidades quilombolas, consideradas centros de resistência à opressão da escravidão no Brasil. Segundo Vercilene, a Constituição brasileira de 1988 reconhece os direitos dessa população, inclusive aos territórios ancestrais. No entanto, ela destaca que há uma luta constante para que esses direitos “sejam implementados na prática”.
Lentidão na titulação de terras
“O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Recentemente, dados de um estudo realizado pela Conaq mostram que no ritmo que estamos praticando para reconhecimento de territórios quilombolas, para titulação de terras quilombolas, apenas com os processos que abrimos no Incra, que giram em torno de 1,8 mil, nesta autarquia brasileira que cuida da titulação dos territórios quilombolas, demoraríamos mais de 2 mil anos para termos a titulação desses processos que estão abertos”.
Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Conaq, onde Vercilene atua como coordenadora jurídica, existem 6 mil comunidades no Brasil e mais de 1,3 milhão de quilombolas.
Porém, o advogado afirmou que 94% dos territórios estão fora dos registros oficiais do governo. Os dados são provenientes de um censo realizado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Ibge, o primeiro realizado pelo Estado brasileiro com foco nessa população.
Rede de advogados quilombolas
Além de ser uma das primeiras de sua comunidade a ter acesso ao ensino superior, Vercilene foi a primeira quilombola a se tornar mestre em Direito no Brasil. É também fundadora da Rede Nacional de Advogados Quilombolas, Renaaq, formalizada em 2020.
Segundo Vercilene, a iniciativa é “resultado de uma luta anterior pela inclusão da população negra nas universidades públicas”. A advogada e mestre em direito compartilhou que a rede começou com cinco profissionais da área e hoje conta com 32, a maioria mulheres, incluindo a primeira quilombola a se tornar procuradora.
Segundo ela, a rede surgiu como uma forma de unir esses advogados para uma luta coletiva e para trocar experiências de atuação em cada comunidade de todo o Brasil.
Vercilene Dias é da comunidade Kalunga, em Goiás, que foi a primeira a ser reconhecida pela ONU no Brasil. A advogada relembra o processo concluído em 2019 e afirma que trouxe visibilidade internacional aos territórios quilombolas de todo o país, enfatizando o papel que as comunidades desempenham na proteção do meio ambiente. Ela defendeu que os quilombolas fossem mais mencionados nos documentos oficiais das Nações Unidas.
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