O duelo travado pela seleção brasileira de ginástica artística na arena Bercy, em Paris, alcançou (para usar o jargão) um feito inédito, que marca uma ascensão do esporte que antes estava longe de pódios importantes. O bronze olímpico na prova por equipes, numa batalha por medalhas que teve a espetacular Simone Biles, dos Estados Unidos, que levou o ouro, do outro lado do palco, foi fruto de um avanço gradativo no esporte que encanta os olho com uma mistura de força e leveza.
Foi uma daquelas corridas contraindicadas para quem tem doenças cardíacas, com desequilíbrios e quedas entre os brasileiros ao longo do circuito – a própria Rebeca errou a trave. Mas foi ela, aplaudida do início ao fim, quem elevou o placar do time, formado por Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira e Júlia Soares, em todos os aparelhos. “Olha que legal: hoje conseguimos ganhar uma medalha mesmo com a nossa competição não sendo a melhor”, disse Jade, a veterana do grupo.
Eles pareciam entusiasmados, já com o bronze no peito, após o pódio que dividiram com os italianos, vice-campeões. Com um curativo na testa – “caí no aquecimento e pensei que tinha perdido os dentes” -, Flávia disse: “Sei que não foi minha melhor competição, mas fiz tudo que pude. A corrida em equipe é assim, um pelo outro.” Rebeca, com um sorriso largo, comentou a foto (não de agora) em que Simone admira um de seus saltos: “Imagine o que isso é para mim, uma honra”. e ela acrescentou: “Estou feliz que ela tenha se saído tão bem”.
O Brasil passou a maior parte da competição na sexta colocação. A virada veio com o salto, em que todos se saíram bem e a Rebeca, excepcional. Na comparação com a própria Simone, ela se saiu melhor no aparelho – acertou 15,1 mil contra os 14,9 mil da americana que dominou a competição em Bercy, sempre captados pelas câmeras e projetados na tela, onde as notas eram exibidas. Ela não tirou os olhos até saber sua pontuação e então pulou, comemorando.
Imediatamente ao anunciar a chegada da seleção brasileira, o público aplaudiu efusivamente, gritando “Brasil, Brasil!” e, ainda mais forte, “Rebeca, Rebeca!” O americano Ronald Ross, 42 anos, disse: “Eu amo a Rebeca. Ela
é gracioso e poderoso”, explicou. Rebeca ou Simone? “Ambos.”
Boa cabeça
Em Paris, a alta pressão pesa sobre Rebeca, que vem acumulando medalhas no cenário internacional, como as da Copa do Mundo de Antuérpia, na Bélgica, em 2023, quando subiu em quase todos os pódios com Simone. A seleção brasileira terminou o campeonato com a prata – conquista que deu esperança ao time nesta Olimpíada e dá um sinal inegável de progresso.
Aos 25 anos, Rebeca chegou à cidade cercada de grandes expectativas, o que, para muitos atletas, acaba sendo algo excessivo. Mas parece que a pobre menina que aos 4 anos já lidava com saltos e giros, lá em Guarulhos, em São Paulo, está preparada para aguentar os solavancos da competição, na qual ainda lutará por quatro medalhas.
Um fator que trabalha a seu favor é o trabalho mental que realiza desde 2013, sem parar. “Rebeca sabe lidar com seus limites, o que é essencial”, afirma Aline Wolff, psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro (COI), que a acompanha, além de apoiar Lorrane Oliveira. “O trabalho é para que ela não foque na Simone Biles, não dá para ter controle da outra”, diz Aline, que garante que a rivalidade entre as duas é “invenção”.
Nos três anos que separam Paris de Tóquio, Rebeca, que conquistou duas medalhas no Japão (ouro no salto e prata no individual geral), ganhou estatura. “Hoje ela é uma mulher que sabe o que vale”, acrescenta a psicóloga.
Brasil no mapa
A medalha por equipes se soma a outras seis que a ginástica artística brasileira acumulou até agora no circuito olímpico, panteão no qual ingressou há relativamente pouco tempo. O primeiro nome a subir ao pódio dos Jogos foi Artur Zanetti, que levou o ouro nas argolas em 2012, em Londres.
Ao sair da prova, com medalha conquistada, o técnico Chico Porath disse: “O resultado destes tem potencial para inspirar outros que não compareceram aos Jogos desta vez”.
Mas não se preocupe, ainda tem mais: até o dia 5 de agosto serão disputadas as provas individuais de versátil e de cada um dos quatro aparelhos – trave, barras assimétricas, exercício de solo e salto a cavalo, especialidade de Rebeca. Há um total de mais seis medalhas possíveis no horizonte. Não há nada como poder fazer história numa cidade como Paris.
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