O tempo passa devagar, devagar, em Colombes, uma comuna ao norte de Paris – e ainda assim, passam 100 anos. O estádio Yves-du-Manoir sediará partidas de hóquei em campo. Na partida de abertura, a Grã-Bretanha venceu a Espanha por 2 a 0. Ao redor, pelas janelas dos prédios populares, os moradores tentam ter alguma visão do campo. Através das grades, olhares curiosos tentam roubar alguma imagem da instalação. Em uma quadra de basquete, os meninos enterram as bolas como se não houvesse mais nada.
O ambiente calmo, dos cafés de esquina com os proprietários conversando nas mesas do lado de fora, apesar da chuva, é o oposto do frenesi que tomou conta de Paris durante a cerimônia de abertura que atravessou a história do país. O Yves-du-Manoir – que leva o nome de um ex-jogador de rúgbi – é uma fenda temporal e não há exercício de imaginação aqui. O local foi palco central dos Jogos Olímpicos de 1924 e, desde então, criou capítulos indeléveis do esporte, até ser engolido pela grandiosidade do Parque dos Príncipes.
No início era um hipódromo, inaugurado em 1907. Em 1920 foi concedido ao Racing Club de France, time de rugby de 15 jogadores. E então, nas Olimpíadas, há um século, tornou-se a arena principal do torneio, numa época em que o termo arena era destinado apenas aos antigos circos romanos. A lista de eventos Estádio Colombes, com arquibancada para 40 mil pessoas, é de tirar o fôlego. Foi a casa do ouro de Eric Liddell nos 400 metros e do ouro de Harold Abrahams nos 100 metros, os atletas britânicos do filme Carruagens de fogo. Acompanhou a chegada do finlandês Paavo Nurmi, que venceu os 1.500 metros e os 5.000 metros na mesma tarde. Foi lá que a seleção uruguaia de futebol inventou a chamada “recuperação olímpica”, vencendo os suíços por 3 a 0.
Foi apenas o começo da estrada. Em 1938, o Stade des Colombes viu a Itália derrotar a Hungria na final da Copa do Mundo. Durante a ocupação nazi de França na Segunda Guerra Mundial, serviu como campo de triagem para detidos que foram depois enviados para trabalhos forçados ou campos de concentração – e, em alguns casos, libertados. Por lá passou o filósofo alemão Walter Benjamin em setembro de 1939.
Existem ligações sentimentais com o Brasil, e elas são ótimas. Era domingo, 28 de abril de 1963. O time venceu os franceses por 3 a 2, com três gols de Pelé. No dia seguinte, os jornais publicaram o resultado da partida com uma objetividade ímpar: “França 2 x 3 Pelé”. Ao sair de campo, o Rei foi modesto: “Acho que contribuiu para a nossa vitória”. Ela retornaria em 1971, pelo Santos, cercada de jornalistas, adulada pela torcida, indignada como um deus. Ele estava com cara de assustado de tanto assédio. Ao seu lado, a convite de uma empresa francesa, Brigitte Bardot, a estrela do E Deus criou a mulher…
Não há duvidas. A timidez do Yves-du-Manoir, separado do centro de Paris, não consegue esconder as camadas de glórias de um local com mais relevância do que todas as outras instalações desportivas de Paris em 2024. É emocionante vê-lo de perto.
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