“Faremos diferente”, diz novo presidente do Comitê…

“Faremos diferente”, diz novo presidente do Comitê…



Entre 2018 e março de 2024, o ex-triatleta Marco La Porta foi vice-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, o COBdurante a gestão de Paulo Wanderley. Nos Jogos de 2012, em Londres, e 2016, no Rio de Janeiro, liderou a seleção brasileira de triatlo nos torneios. Seu zelo pela organização e administração esportiva o fez crescer dentro da burocracia do comitê nacional. No entanto, diferenças de gestão causaram um rompimento com a administração de Wanderley. Não demorou para que ele decidisse lançar a candidatura a um novo ciclo, de mãos dadas com Yane Marques, pentatleta medalhista de bronze em 2012. Em outubro do ano passado, a dupla oposicionista obteve 30 votos, ante 25 da situacionista bilhete. A nova gestão tomará posse na quarta-feira, 15 de janeiro, com mandato até 2028. O desafio: melhorar o desempenho nas Olimpíadas de Los Angeles em comparação com a de Paris, quando o Brasil conquistou 20 medalhas, sendo três de ouro, sete de prata e dez de ouro, em clara estagnação em relação a Tóquio, durante a pandemia.

La Porta, de 57 anos, sabe que será cobrado, mas insiste na postura inovadora. Ele conversou com VEJA dias antes da movimentada inauguração.

O que há de errado com o Comitê Olímpico Brasileiro, o COB? Falta uma gestão mais moderna, para que a distribuição de recursos às confederações seja mais inteligente. O dinheiro deve ser canalizado de forma assertiva, apoiando as modalidades que necessitam de mais investimentos e representam, num futuro próximo, medalhas. Nosso plano inicial é cuidar da alocação monetária, de mãos dadas com patrocinadores e programas governamentais.

Existe algum modelo que sirva de exemplo? Gosto muito do trabalho dos comitês olímpicos britânico e australiano, mas principalmente do holandês.

O que torna a Holanda tão especial? Lembremos que, tanto em Tóquio como em Paris, os holandeses ficaram entre os dez primeiros em medalhas, o que é extraordinário para um país tão pequeno. Na Holanda existe um sistema de atenção e estratégia permanente com clubes e modalidades que levam ao pódio, como o atletismo, o remo e o ciclismo de pista. Um atleta sem chance não irá às Olimpíadas. Há surpresas, claro, mas são raras.

Mas como aplicar o modelo da Holanda, país com pouco mais de 17 milhões de habitantes e do tamanho do estado do Rio de Janeiro, a uma nação continental como o Brasil? Não é possível adotar um modelo único, como se todas as realidades fossem iguais, e é esse cuidado que Yane Marques, vice-presidente do COB, e eu pretendemos ter, em diálogo com os dirigentes e atletas. Veja o caso do surf, por exemplo, que nos rendeu três medalhas em dois jogos. Não é possível vinculá-lo a um clube desportivo. Com o judô, ímã de 25 medalhas, no topo do ranking brasileiro de todos os tempos, sim. É preciso valorizar iniciativas como as de Maricá, no Rio de Janeiro, cidade do tiro com arco, e Ubaitaba, capital da canoagem, como revelou Isaquias Queiroz.

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Existem outros locais com potencial equivalente? Sim, e já começamos a estudar as reais possibilidades. O estado de Sergipe é um pólo extraordinário para a ginástica rítmica. O Praia Clube, de Uberlândia, promete luta livre, tiro e vôlei de praia. O Clube Pinheiros, de São Paulo, voltou de Paris com nove medalhas, além de pódios olímpicos e paralímpicos.

Os diretores esportivos são vistos, com frequência atávica, como cartolas que nem sempre têm cuidado com o dinheiro público e privado. Como podemos garantir aos cidadãos comuns que a sua gestão com Yane será bem sucedida? Porque faremos diferente.

Em quê? Insisto: organizaremos uma distribuição meritocrática de recursos, tanto da iniciativa privada quanto dos valores determinados pela Lei das Loterias. Hoje a COB tem recursos, uma confederação bate à porta, pede ajuda e o problema é resolvido sem muito zelo, sem critérios claros. Não pode ser assim. A ideia é que possamos agir de forma rápida e sólida, olhando para as necessidades reais.

Os torcedores podem, então, com base nessa reestruturação, nessa nova perspectiva, esperar um resultado melhor em Los Angeles daqui a três anos do que em Paris? Não vou medir palavras. Estamos muito preocupados com o resultado em Los Angeles. Houve um grande investimento nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio. Depois, porém, as empresas se afastaram um pouco. No Rio e em Tóquio, o Brasil se saiu muito bem. Em Paris, estagnou. Dificilmente ultrapassaremos o patamar de 2024. É possível que caiamos e não cheguemos às 20 medalhas.

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Por que? Porque a geração treinada para os Jogos de Tóquio e Paris tende a ser a mesma de Los Angeles, mas está perdendo fôlego. Não há como descobrir revelações num único ciclo de quatro anos. Vamos nos esforçar, sem dúvida, mas temos que ser realistas. Trabalharemos a partir de agora, de olho em Los Angeles, mas visando Brisbane, em 2032.

Então, como você pode evitar decepções barulhentas em Los Angeles? Proteger e cuidar ao máximo, com investimentos, dos atletas que conquistaram medalhas em Paris e que podem voltar ao pódio, mesmo que não sejam novidade. Vamos mapeá-los. É o caso de Rebeca Andrade. Do surf. É o caso de Rayssa Leal no skate. De Isaquias na canoagem. De Duda e Patrícia no vôlei de praia. Precisamos garantir-lhes um ciclo seguro.

Mas como crescer sem renovar? Não há outra escolha. Os campeões de Los Angeles estão prontos. O que precisamos agora é mantê-los fortes e, paralelamente, começar a preparar a geração de Brisbane. Não há receita de bolo, mas diria que o movimento é claro, se olharmos para o futuro: quanto mais aumenta a base de praticantes, nas escolas, com apoio do Ministério da Educação, maiores são as chances de vitórias . Não é exatamente algo novo, mas as engrenagens precisam girar nessa direção.

E de onde virão as novas estrelas no futuro para outros Jogos? Um dos planos é tornar o COB e sua estrutura mais conhecidos e atuantes nos estados do Nordeste e do Norte do Brasil, incluindo centros regionais de treinamento. É uma forma de minar futuros campeões. Há um imenso espaço para crescimento, tenha certeza. Yane, nascida em Pernambuco, tem um carinho especial por essa ação.

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A atenção exagerada ao futebol interfere em outros esportes? Já atrapalhou mais. O futebol no Brasil vai além do campo. É cultura e, para muitas pessoas, religião. Portanto, foge ao estereótipo dos esportes olímpicos. Mas pense… quando é que imaginaríamos que o Brasil seria o país da ginástica, certo? Se disséssemos isso há 10 anos, nos chamariam de loucos. E é ótimo que as meninas possam admirar Rebeca e outras ginastas, e não apenas jogadores de futebol.

Antes de Los Angeles, porém, haverá a Copa do Mundo nos Estados Unidos, México e Canadá, em 2026, e a Copa Feminina no Brasil, em 2027. Como manter viva a chama do movimento olímpico nesse período? Teremos que fazer limonada com limões para atrair interesse. Não será fácil. O caminho até 2028 será difícil, mas possível de ser percorrido com sucesso.

Uma modalidade em particular – aliás, completamente fora do estereótipo – está crescendo sem parar: os e-sports, os jogos eletrônicos. Eles farão parte do calendário olímpico um dia? Nos Jogos Olímpicos de verão ou de inverno, no calendário de competições de hoje, não acredito. Mas certamente teremos, periodicamente, Olimpíadas de e-sports. É uma forma de atrair os jovens. O Comitê Olímpico Internacional (COI) foi inteligente em encorajá-los. Vale lembrar que muita gente criticou o skate e o surf, e eles saíram com louvor, principalmente quando se tratava de tabu. E aqueles que costumavam franzir a testa não o fazem mais.

Existem outros esportes que deveriam ser incluídos no calendário olímpico? Aqui faço uma provocação para a CBF: por que não lutar pelo futsal? E, quem sabe, até tênis de praia. Sei que o COI está atento e não fechará as portas sem muita discussão.

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Será que terá sucesso a ideia de um empresário australiano, Aron D’Souza, que propõe a realização do que chamou de Enhanced Games, sem nenhum teste de substâncias químicas ligadas ao doping? Não. É um projeto que não cabe no movimento olímpico, é contra a saúde dos atletas, uma provocação sem muito sentido. Mas as pessoas têm o direito de defender o que quiserem. Mas é bom lembrar que a Wada, a agência antidoping, tem feito um trabalho cuidadoso e essencial.

E é viável a participação de atletas transgêneros? Há, desde já, uma premissa que não pode ser abandonada, no respeito pelos direitos humanos: todos têm direito à prática desportiva. É básico e inegociável. No alto desempenho, porém, existem regras que precisam ser respeitadas, em nome da justiça e do equilíbrio. No momento em que a competição é injusta para as mulheres, ou não é igualitária, ou não é segura, a participação de atletas que violam estas condições deve ser repensada. Mas isso não o impede de praticar esportes. Haveria restrições às disputas de alto rendimento, insisto. Gosto de citar um exemplo do futebol. O lateral é atingido com as mãos. É a regra do jogo. Você não pode bater com os pés. É a norma e pronto. O caminho a seguir é seguir as orientações das confederações – entre aquelas que autorizam atletas trans, tudo bem.

Mesmo que isso cause muitos gritos? Sim. Devemos acompanhar as mudanças no mundo, que se tornam cada vez mais rápidas e inclusivas. Naquela época, as mulheres eram proibidas de praticar a maioria dos esportes. Em Paris, felizmente, havia uma divisão exata entre mulheres e homens. Foi um avanço fundamental. Cada Olimpíada deve ser um retrato do mundo em que vivemos.

Nos Jogos de Paris, houve o triste episódio da boxeadora argelina Imane Khelif, intersexo, acusada de ter força masculina, o que lhe daria algum tipo de vantagem na conquista do ouro. Você concorda com os ataques feitos contra ela? De jeito nenhum. Havia preconceito inaceitável contra críticas injustas. A participação do boxeador havia sido aprovada pelo COI, após sucessivos testes. E vale lembrar que a Associação Internacional de Boxe (IBA), que alimentou o alvoroço em Paris, não é reconhecida pelo COI desde 2019. Imane estava dentro das regras.



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