Conheça o único chef brasileiro estrelado em Paris

Conheça o único chef brasileiro estrelado em Paris



Era janeiro de 2019, e Raphael Rego, 40, do Rio de Janeiro, sabia que estava em meio a um daqueles fins de semana em que, no meio da alta gastronomia, todo chef fica verificando se o celular toca. O motivo é o TELEFONE (em letras maiúsculas) do guia Michelin, publicação que escolhe quem entra e quem sai de uma constelação definidora de status no mundo das panelas de cobre.

Raphael ainda não achava que chegaria a sua vez de ganhar uma estrela. Ele havia fundado recentemente o Oka, restaurante de comida franco-brasileira, em novo endereço, com grandes planos em mente. Mas ele sentiu que não estava certo.

Então o celular tocou. Não foi no sábado ou no domingo, quando quase todos os galardoados com estrelas já tinham sido avisados, mas na segunda-feira, mesmo a tempo da cerimónia de entrega de prémios. “Disseram-me que tinha ganhado uma estrela e pensei: é uma farsa”, conta a VEJA. Não foi, e daí ele saltou para dentro do círculo fechado da boa mesa francesa, que o via como um estranho deslocado. “Vá jogar futebol”, ouviu.

TRÊS CLIENTES EM UMA SEXTA-FEIRA

Em 2000, o jovem que havia saído de Botafogo, na Zona Sul do Rio, para estudar inglês na Austrália e fez um curso de marketing precisava ganhar dinheiro para se sustentar fora de casa e acabou conseguindo um emprego como lavador de pratos. Ele não imaginava que veria surgir um novo interesse ali – o lugar era de alto padrão e ele queria aprender a cozinhar.

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Quatro anos e muitas tarefas envolvidas na vida de um restaurante depois, eles diziam: “Se você realmente quer ser um bom cozinheiro, tem que ir para a França”.

Ele era. Espalhou o currículo por Paris e acabou surpreendido com uma oferta de emprego, ainda na base da pirâmide gastronómica, no prestigiado L’Atelier de Joël Robuchon. Observou o venerado chef, dono de duas estrelinhas, sempre com roupas escuras e expressão tímida, e ali absorveu a ideia de trabalhar na intensidade máxima. Em Taillevent, outro membro da constelação, instituição francesa, aprendeu que a cozinha não tem de ser um local frio para pessoas taciturnas – cada cozinheiro era chamado pelo nome, uma humanização básica que, na batalha ao fogão, não todo mundo presta atenção. Rafael, sim.

Um dia, em 2014, ele decidiu abrir seu próprio restaurante e foi ao banco pedir um empréstimo. Ele chegou na agência e explicou detalhadamente seu projeto ao gerente. O homem, do tipo pragmático, perguntou: “Então você é um chef que veio do Brasil, já trabalhou em ótimos restaurantes e agora quer trazer um novo conceito para Paris, a comida franco-brasileira?” Rafael assentiu. Foi isso. Um pouco aqui, um pouco ali, e o empréstimo foi prontamente negado.

Continuou seguindo o caminho habitual: tirou dinheiro do bolso e montou um bistrô em Montmartre, que passou quatro meses um caos. Numa sexta-feira, ele contou três clientes. Ele chegou em casa abalado. Ele precisava parar, respirar, chorar e até abrir a porta. “As pessoas viram que era um restaurante de comida brasileira e queriam picanha e feijão preto com arroz, enquanto eu oferecia espuma de caldo de feijão e moqueca doce de sobremesa, unindo Brasil e França”, lembra. “Era como se a comida brasileira tivesse que ser boa e barata e não pudesse ser sofisticada.”

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“O BRASIL DE RAFAEL”

Os ventos começaram a mudar quando Giles Pudlowski, o crítico severo e respeitado, entrou no bistrô, provou de tudo, gostou e escreveu um texto laudatório intitulado: “O Brasil de Rafael”. A casa encheu, mudou-se para um espaço maior, no Quartier Latin, e finalmente estabeleceu uma morada numa área de 350 metros quadrados, onde, além do Oka, com menus por 195 euros, instalou o Fogo, mais despretensioso (cerca de 65 euros per capita), bem como uma boulangerie. Não fica longe do Arco do Triunfo.

Chefs de toda a cidade estão sempre presentes e não torcem mais o nariz para pratos como a vieira grelhada ao molho de moqueca ou o doce Saint Honoré com castanha do Pará.

Antes, para conseguir seus insumos, Raphael ia às lojas que vendiam produtos africanos ou asiáticos, para ver se encontrava nas prateleiras ingredientes brasileiros. Ele foi subindo e conseguiu se conectar com bons produtores na França, que já forneciam outros chefs. O último avanço foi ter a nossa própria horta, a menos de uma hora de carro de Paris. Quiabo e chuchu estão prestes a ser colhidos.

Ele acha que assim, com verduras e temperos brasileiros à disposição dos franceses, a culinária nacional poderá se espalhar. “Aconteceu exatamente assim com a comida japonesa, que é tão boa na França”, diz ele, com leve sotaque francês, depois de quase duas décadas, mas sem se afastar das raízes. “Antes eu achava que não poderia tocar música na sala. Hoje eu uso e também dispenso o uso de gravata pela equipe”, afirma. “Encontrei a minha forma de homenagear a alta gastronomia francesa sem esquecer de onde vim”, resume.

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Você sonha com uma segunda estrela? Contanto que não te prenda em uma fórmula onde você não pode brincar com beterraba e açaí, sim, por que não?





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