Apresentado ao Atlético nesta segunda-feira (13/1), o técnico Cuca relembrou a carta lida em sua apresentação no Athletico-PR em 2023, quando comentou sobre o condenação por coação e ato sexual com adolescente de 13 anos, ocorrido em 1987, na Suíça – sentença anulada em 2023.
“Gostaria de começar falando da minha apresentação no Athletico-PR. É um tema sensível, delicado e muito importante, que é o tema do caso suíço. Quando li a carta no Athletico decidi dentro de mim ser um homem melhor. Confesso que aprendi muito com muita gente, minha família, que é quase toda feminina, as meninas, filhas e netas”, iniciou o treinador.
“Eu entendi muitas coisas que não entendia como ser humano. Demorei para falar sobre o assunto e hoje abro falando sobre isso porque posso falar, posso ver meus defeitos, posso entender que estava tentando falar da Cuca, explica Cuca, e não foi isso que a sociedade desejado. A sociedade queria o tema, a causa, o que eu, como homem, poderia fazer pela causa, pelo tema. “Tenho trabalhado incansavelmente desde aquele dia em busca de ser uma pessoa melhor, que entende melhor do assunto, não só para minhas filhas, minha mãe e minha irmã, mas para as mulheres, pelo respeito que elas têm e merecem, pela igualdade que procuramos, e estou aliado a isso.”
Cuca, técnico do Atlético
Leia a declaração completa de Cuca no final da matéria.
O caso em Berna
Depois de vencer o Campeonato Gaúcho de 1987, o Grêmio foi para a Europa disputar a Copa Phillips, também conhecida como Torneio de Berna. Na estreia, no dia 29 de julho, o Tricolor venceu o Benfica por 2 a 1. Porém, no dia seguinte, um episódio fora de campo abalou a delegação.
Naquele 30 de julho, Alexi Stival, conhecido como Cuca, de 24 anos, Eduardo Hamester, de 20, Fernando Castoldi, de 22, e Henrique Etges, de 21, receberam Sandra Pfäffli no quarto 204 do Hotel Metropole, em Berna, na Suíça. Após o incidente, o jovem de 13 anos acusou os jogadores de estupro. Em seguida, a polícia suíça foi ao local para prender os quatro atletas, presos no mesmo dia.
Durante o mês de agosto de 1987, os jogadores estiveram em diferentes prisões e foram mantidos sem comunicação. Eles prestaram depoimentos mais de uma vez, inclusive depoimentos de Eduardo e Henrique admitindo que tiveram relações sexuais com o adolescente. A questão virou caso diplomático entre Brasil e Suíça.
Após 28 dias de prisão, em 27 de agosto de 1987, Fernando foi libertado. Segundo a investigação, o extremo teve participação menor no crime, atuando como vigia no quarto enquanto os demais estavam com a vítima. No dia seguinte, 28 de agosto, Eduardo, Henrique e Cuca foram soltos, retornando imediatamente ao Brasil. Para sair da prisão em Berna, eles pagaram 1.500 dólares cada – R$ 20 mil atualmente, em valores ajustados pela inflação americana – como fiança.
Além de pagar fiança, os atletas prometeram que responderiam a quaisquer pedidos posteriores da Justiça Suíça, segundo jornais da época. No entanto, isso não aconteceu. Nem sequer voltaram para o julgamento, que ocorreu entre 14 e 15 de agosto de 1989, em Berna.
A condenação de Cuca e dos demais jogadores
Sem a presença dos jogadores, o julgamento do caso ocorreu dois anos e 16 dias após o primeiro capítulo do Escândalo de Berna e resultou na decisão final do Tribunal. Os atletas estavam sujeitos ao artigo 187 do Código Penal Suíço, que fala em “atos sexuais com dependentes” e prevê pena de reclusão de até cinco anos.
Portanto, em 15 de agosto de 1989, foram condenados por terem “ato sexual com menor de 16 anos”. No julgamento, o Tribunal entendeu que não houve violência por parte dos jogadores devido à falta de provas de atos violentos. Portanto, não estavam enquadrados no artigo 191, o que poderia gerar pena de até 10 anos.
Assim, Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados a 15 meses de prisão e multa de 8 mil dólares por coação e atividade sexual com menor. Fernando foi condenado apenas por coação, pois não foi comprovada a presença deste atleta no ato sexual, com pena de três meses de prisão e 4 mil dólares.
Os atletas, porém, nunca mais retornaram à Suíça para cumprir pena, pois o Brasil não extradita seus cidadãos nativos. Assim, eles continuaram suas carreiras normalmente. Em 2004, ou seja, 15 anos depois, a pena foi decretada, conforme prevê a legislação suíça vigente.
A presença de sêmen
Cuca, Henrique e Eduardo foram condenados por ato sexual, fato comprovado pela Justiça Suíça com base em laudo médico que indicava a existência de sêmen no corpo da vítima. No dia 7 de agosto de 1987, ou seja, ainda na prisão, o jornal O Globo falei sobre esse exame e a presença de esperma.
Em 2023, o ge teve acesso a um processo judicial, secreto da Justiça há 110 anos, que confirmou a existência de sêmen de Cuca no adolescente. Outro detalhe descoberto é o registro policial de que Sandra reconheceu o atual treinador em uma das ocasiões em Berna.
Na entrevista com No ataqueCuca negou que os autos do processo na Justiça suíça contenham informações sobre a presença de sêmen. “Exames não indicam [presença do sêmen]. Nada disso. Não aponta nada disso porque paguei especialistas e agora está nos registros. Isso é folclore”, disse ele.
Por que a condenação de Cuca foi anulada?
O descumprimento da pena e o desconhecimento da sociedade sobre o caso pressionaram o treinador. Desde então, Cuca tem enfrentado protestos de torcedores dos clubes em que trabalhou. O principal momento foi no Corinthians, em abril de 2023, quando foi contratado, mas ficou apenas sete dias antes de pedir demissão.
Foi quando a defesa de Cuca contestou a forma como o tribunal suíço conduziu o caso em 1989, alegando que o então jogador não estava presente e não tinha representante. Portanto, devido ao “julgamento à revelia”, ele não teria podido questionar a decisão ou qualquer versão apresentada na condenação.
Em 22 de novembro de 2023, Bettina Bochsler, juíza do Tribunal Regional de Bern-Mittelland, anulou a condenação ao acatar os argumentos da defesa de Cuca quanto à sentença à revelia e ainda o indenizou com 13 mil francos suíços (R$ 75 mil). O valor foi reduzido para 9.500 francos suíços (R$ 55.200) devido aos custos processuais do julgamento em 1989.
A falta de representante legal fez com que a condenação fosse invalidada e teria possibilitado um novo julgamento, mas isso não foi possível porque o processo já estava prescrito. Devido à morte de Sandra, 15 anos após o caso, um filho da vítima foi procurado, mas ele decidiu não reabrir o caso.
Dessa forma, a condenação de Cuca – os demais jogadores não buscaram justiça e, por isso, não tiveram seus processos revertidos – foi invalidada pela forma como o júri foi formado em 1989. Porém, o mérito não foi julgado. Ou seja, a anulação não fala em culpa, pois apenas se discutiu a forma equivocada como a sentença foi proferida. Portanto, a única vez que o mérito foi julgado foi em 1989, e o resultado foi a condenação dos atletas.
Declaração de Cuca durante apresentação no Atlético
“Gostaria de começar falando da minha apresentação no Athletico-PR. É um tema sensível, delicado e muito importante, que é o tema do caso suíço.”
“Quando li a carta no Athletico decidi dentro de mim ser um homem melhor. Confesso que aprendi muito com muita gente, minha família, que é quase toda feminina, as meninas, filhas e netas.”
“Eu entendi muitas coisas que não entendia como ser humano. Demorei para falar sobre o assunto e hoje abro falando sobre isso porque posso falar, posso ver meus defeitos, posso entender que estava tentando falar da Cuca, explica Cuca, e não foi isso que a sociedade desejado. A sociedade queria o tema, a causa, o que eu, como homem, poderia fazer pela causa, pelo tema.”
“Tenho trabalhado incessantemente desde aquele dia em busca de ser uma pessoa melhor, que entende melhor do assunto, não só para minhas filhas, minha mãe e minha irmã, mas para as mulheres, pelo respeito que elas têm e merecem, pelo igualdade que buscamos, e estou aliado a isso.”
“Hoje estive conversando com o pessoal do futebol, participei de palestras em que conseguimos reunir meninos do Coritiba, do Athletico-PR e do Paraná e discutir o tema com a mente aberta. O menino questionando a menina, por que, o que o incomodava, e acho que esse assunto é muito importante para todos nós.”
“Busco um mundo mais justo para mim, para minhas filhas, netas e todas as mulheres. Vivemos muito num mundo machista, o futebol é um mundo machista. Hoje, se olharmos para o auditório, é 70%, 80% masculino. Mas foi pior, há um tempo atrás era muito pior.”
“Hoje, assistindo ao treino das meninas, levei o Arana porque tinha uma menina que queria conhecê-lo e vi como o futebol feminino evoluiu, algo que eu não tinha visto antes. Eles têm que lutar mais do que nós, do que os homens, para vencer. A começar pelo horário, eles começam às 7h30 e têm que acordar às 5h. Essas coisas eu prometi e tenho feito, na medida do possível, com ações, no meu instituto, com três centros em Curitiba, e quero transportá-las para o Galo, que tem o Instituto Galo, e poderemos fazer coisas importantes também pelo respeito pelas mulheres. É coisa minha, está dentro de mim. Não sou de divulgar o que já fiz, mas faço as minhas coisas com muita discrição e continuarei a fazê-lo. Esta é uma bandeira que levantei e a carregarei para sempre, sempre que puder.”
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