‘Se tivesse caído no meu peito, já era’, relembra fotógrafo

‘Se tivesse caído no meu peito, já era’, relembra fotógrafo


O fotógrafo de Nuremberg José Maria, 67 anos, conhecido como Berg, viveu momentos de terror durante a final da Copa do Brasil entre Atlético e Flamengo, no dia 10 de novembro, na Arena MRV, em Belo Horizonte. Ao ser atingido por uma bomba lançada da arquibancada, sofreu uma fratura exposta, passou por uma cirurgia e agora enfrenta os traumas físicos e emocionais causados ​​pela violência. Em entrevista com No ataqueele descreveu detalhadamente o lamentável episódio no estádio do Galo.

Acostumado com os desafios de trabalhar em campo, com mais de 20 anos de profissão, Berg conta que já enfrentou situações hostis em estádios do Brasil e de outros países, mas nada parecido com o que aconteceu na Arena MRV.

“Eu já tinha tomado cerveja lá, inclusive [na Arena MRV]. Os profissionais de imprensa sabem como é. Muitas vezes somos atingidos por copos cheios de cerveja, mas bomba? Nunca passei por uma situação assim, é muito terrível”, disse.

Berg estava posicionado próximo ao portão sul, atrás do gol defendido pelo Flamengo, quando ocorreu a explosão. Ele explica que o caos no estádio começou após o gol de Gonzalo Plata aos 36 minutos do segundo tempo.

Autoridades revelam como identificaram suspeito de atirar bomba em fotógrafo na Arena MRV
Fotógrafo foi atingido por bomba na Arena MRV(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

“Eu estava no portão sul, atrás do goleiro do Flamengo, quando o time marcou. Eles [torcedores] Começaram a atirar cerveja e depois bombas. Uma bomba veio em minha direção, virei o rosto e ela explodiu. Me esquivei, se tivesse caído no meu peito ou no pescoço seria isso… Consegui escapar daquela bomba e nem sei de onde ela veio”, relatou.

Mesmo depois de escapar do impacto inicial, o perigo continuou. Quando ele tentou recolher seu equipamento para partir, novos artefatos foram lançados.

“Quando fui buscar meu equipamento para sair, jogaram um que explodiu o banco de outro fotógrafo. Me virei e pisei em outro que eles tinham tocado e eu não tinha visto. Tive fratura exposta em três dedos, além de ruptura ligamentar. Um corte muito profundo”, lamentou.

‘A bomba me jogou’

Segundo Berg, a explosão foi tão forte que ele sentiu como se tivesse sido atirado. O momento ficou gravado em sua memória de forma assustadora.

“Não sei se foi uma bomba comprada… Parece uma bomba caseira, porque a explosão foi muito grande. No exato momento pareceu que até eu subir, pelo menos foi a impressão que tive, ela me jogou. Gritei pelo amor de Deus e caí. Teve até uma foto que viralizou em que eu aparecia deitado de boca aberta, parecia até que tinha morrido. Naquele momento, ele gritava por socorro”, disse ele.

A ajuda veio com novos desafios. Ele foi carregado por três bombeiros que trabalhavam na Arena MRV, mas teve que percorrer um longo caminho para chegar à enfermaria do estádio.

“Eu estava sangrando muito. O portão sul por onde passa a ambulância até o gramado estava trancado. Tive que passar pelo meio das arquibancadas bem de onde vieram as bombas. Achei um absurdo, mas com dor e todo destroçado tive que aceitar porque era o único lugar por onde eu conseguia passar. Caminhei bastante até chegar na enfermaria da Arena MRV. Andando com o pé sangrando e chorando. Depois fui de ambulância para João XXIII”, concluiu.

Fotógrafo ferido - (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Fotógrafo ferido foi levado para as arquibancadas(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

Trauma e incerteza sobre o futuro

Além das dores físicas, o fotógrafo revelou o impacto psicológico que sofreu. A violência, aliada às precárias condições de segurança no estádio, o levaram a questionar seu retorno ao trabalho.

“Fiquei traumatizado com a situação. No começo, eles me perguntaram se eu voltaria [a trabalhar com futebol] e eu disse não porque minha família não queria que eu voltasse. Mas minha esposa sabe que adoro essa profissão. Ela me deu muito apoio.”

O fotógrafo também compartilhou como encontrou forças para seguir em frente, apesar de ter enfrentado grandes desafios no passado.

“Já tive um problema de câncer em 2019 e fiz quatro anos de tratamento. Entrei em depressão e voltei a trabalhar porque é disso que gosto. Minha esposa acha que eu deveria voltar, mas não para os jogos da Arena MRV porque lá não tem segurança. Falar nunca mais é um pouco forte, certo? Mas enquanto eu tiver essa insegurança, porque estamos a quatro, cinco metros da torcida, é muito perigoso e não acredito que voltarei lá. Já trabalhei em vários estádios no Brasil e na Europa e nunca vi isso. Os criminosos fizeram isso e me deixaram nessa situação.”

Recuperação e esperança

O fotógrafo ainda tem um longo caminho a percorrer antes de decidir se continuará trabalhando com futebol. Ele precisará de mais três ou quatro meses de recuperação. Ele pode até passar por uma segunda cirurgia. “Ainda vou decidir se voltarei a trabalhar com futebol. Mas na Arena MRV não penso em voltar”, ponderou.

Em recuperação, a história de Berg levanta uma discussão importante sobre a segurança nos estádios brasileiros. A Arena MRV, palco da tragédia, está fechada pelo STJD, e o Atlético trabalha para cumprir as exigências de segurança e voltar a receber jogos no local.

Galo terá que mandar os jogos outro estádiode portas fechadas, até que o clube comprove as alterações necessárias para garantir a segurança no estádio. O Atlético recorre da decisão poder utilizar a Arena MRV para outros jogos em casa em 2024.

Suspeito é preso

O homem de 24 anos, suspeito de lançar a bomba que atingiu Nuremberg, foi preso neste domingo (17/11), na casa onde mora em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Nesta segunda-feira (18/11), em entrevista coletiva, o governador em exercício de Minas Gerais, Mateus Simões (Novo), revelou como as autoridades identificaram o criminoso.

“Identificamos o local da bomba sendo lançada no gramado. Começamos a construir a cadeia de trás para frente a partir das imagens, identificando onde o atacante esteve ao longo do jogo, seu percurso dentro do estádio e como ele entrou. Até que ele identificou, num primeiro momento, com quem havia entrado no estádio”, começou Simões.

“Começamos por identificar uma pessoa que estava com ele, ouvimos testemunhas, obtivemos novas imagens através da análise dos artefactos que tinham sido encontrados. Então, na sexta-feira (15/11), feriado, identificamos definitivamente quem era o agressor. Apresentamos, logo pela manhã, o pedido [de prisão] para o tribunal. Isso foi autorizado no fim de semana e a prisão foi feita no último domingo”, finalizou.



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